Às vezes, na escuridão de um dia,
uma luz nascida do pensamento
doira o momento.
Regresso à paisagem da encosta,
uma e outra vez, sempre,
sem cansaço,
e me espanto que este laço perdure,
como se, em milénios de uma existência,
aqui, sempre aqui,
nasci e morri.
Aonde, no teu Coração, é o lugar
do silêncio mais profundo
o Silêncio
de uma prece
que ao homem esquece.
Ouve o canto e a história,
contada pela memória
de um mestre
que os ventos amansou
e que disse «eu sou o que sou».
Chega o sono
como chega a Mim
o aroma das flores no jardim
e, nesta pacificação da noite aqui,
parece que já tudo vivi.
Adentro-me no nevoeiro
como quem procura um caminho desconhecido
para ele me levar
a um lugar à beira do Mar.
Não dances que dançar cansa
nem rias
nem te alegres
que um dia a tristeza vem
do mais fundo de um Além.
Só em Sonho é firme a distância
entre o homem e a sua infância,
pois pudera não ser assim,
mas a Saudade está dentro de Mim.
Caminho por entre a multidão
como se caminhasse numa rua deserta
e paro e reparo
em Ti
Tu és a multidão que sempre pressenti.
Por esses cantos do mundo, procuro
o teu rosto
límpido e suave
e amanhecido
como um sonho que tivesse sido.
Um dia serás pó no canteiro das flores
que também elas murcham
e morrem
como se do infinito de cada hora do viver
nada pudesse permanecer.
Desenho o contorno de cada verso
como se num veludo
eu guardasse a palavra e o som
num único tom.
Choveu. E eu
na minha prece conversei conTigo,
deus das pequenas coisas,
como se tornasse a enfiar cada pérola
no fio do colar que se rompeu,
e no mundo tudo fosse Teu.
Abro os olhos ao amanhecer
para a momentânea
saudade
de ser mentira esta verdade -
injustiça morte guerra
é um cenário da terra.
Neste soalho de madeira de acácia,
é que eu firmo os meus pés
e verticalmente, sonhando um céu,
ergo-me à altura da linha do horizonte,
para descobrir
o que só eu posso sentir.
Correm estes dias de outubro
como uma água
que se colhe numa fonte
e que dá de beber
à sequidão do nosso ser.
Fecho os olhos
e não os quero voltar a abrir
até sentir
que na morada do homem
também os deuses dormem.
Se trepares o cinzento da sombra,
num dia claro,
chegarás ao cume de ti
e desse alto não serás visto pelo mundo
nem nenhuma multidão te celebrará
porque o teu ser estará onde ninguém está.
De onde vem a música que desperta
na minha alma os sentidos,
será brisa,
será a pausa entre as notas,
o silêncio daquelas ilhas remotas.
Olho a chávena pousada em cima da mesa
e penso que se caísse
e se partisse
talvez eu nada sentisse.
O sinal que crescemos
é quando a nossa altura não se mede por metros,
mas pela geometria simples de uma ocupação,
nascida no Coração.
Era um mote decerto.
Era um poema completo,
mas ninguém o leu ou consigo o levou,
e a corrente do tempo o apagou.
Pedinte, como Poeta que pede às Musas
a graça da inspiração,
peço aos deuses do jugo a libertação
desse caminho
onde vagueia um homem sozinho.
Pensar as raízes da árvore,
como quem pensa
e medita,
e desditoso não vê
de tudo descrê.
Acordo na noite e o Sonho não tem pressa
e permanece até que se esquece
do que o sonhar queira dizer
talvez ante sopro de um prazer.
Na minha morada, tenho tudo o que é eterno,
a alvorada, e o entardecer do dia,
que ao Coração confia,
no gesto e na cor,
que na vida não há temor.