Último dia de novembro chega ao fim
e, como a água dum rio,
corre para aquela eternidade
onde há flores livros e verdade
e a Luz ilumina
como uma prata fina.
Último dia de novembro chega ao fim
e, como a água dum rio,
corre para aquela eternidade
onde há flores livros e verdade
e a Luz ilumina
como uma prata fina.
Há um laço que une
a Palavra a cada emoção
e para a saberes
apenas precisas de seres.
É Aqui
no centro de um fim
que toda a minha vida acontece
- deslumbramento -
mas é por dentro
que eu sou aquela que chora,
por saber que Aqui mora.
Da janela, ao anoitecer,
é que eu vejo o Mundo tal qual é -
sombra de escuridão
luzeiros no Céu e no Coração.
O transeunte põe a máscara de ser
um ator a viver
uma marcha pelas ruas -
não chora não ri
e não se engana na fala do Silêncio
quando tão perto de si
há um Louco que o olha e sorri.
Não sei não,
não sei dizer,
não sei, porque não hei de esquecer
a Dor em que me fundo,
pura cal branca que aos mortos
é oferecida
e a Mim em vida.
A neblina faz parte do Caminho
mas trechos há
em que a névoa se desfaz
e vê-se, então, mais claramente
tanto
o quanto a Vida consente.
Reverdecem os campos ao redor,
e é mais pura
a bela madrugada
em que pensando e escrevendo
vejo o dia crescendo.
E, porque amanhece apenas uma vez,
sinto a saudade
da paisagem da outra idade.
para a Beatriz
Vê com os olhos que a infância
há de perder
o teu brilho e o teu florescer
e dá-me a mão, enquanto for o tempo
de me dares a mão,
e vamos sussurrando uma canção.
Debrucei-me da janela no meu 5.º andar
para perceber se o pedinte
era o outro
aquele que nunca somos nós
e é isso que nos faz ser tão sós.
Quando o impossível
for a tua linha de batalha,
pega num balão vermelho
e deixa-o voar -
subindo ele é capaz de chegar
aonde tu queres estar.
Vejo-te
no limiar
da diária angústia,
e trazes contigo o som primeiro -
o choro-grito de quem nasce
a cada manhã fria
sem ter aquela Luz que alumia.
A tua génese maternal
conduz
e ilumina
um infante salvador -
e não é loucura -
todo o caminho na fria madrugada
é no Mundo
uma suprema estrada.
Parece até que foi ontem,
quando, de trás das grades nuas,
o ranger dum outro ferro
cortava o silêncio
na noite -
mil anos são passados
e, agora, devagar
sem grades como te vou Amar?
Fazem falta as Palavras primeiras,
que dão à maior Verdade
um sopro
supremo de Liberdade -
e, então, é uma festa,
e o sentir cabe
todo
no Coração dum povo.
E de súbito a tarde escureceu
talvez
levada a claridade
para uma outra terra com outro horizonte
onde cantem as fontes
e as gentes à desgarrada
deem a escuridão por acabada.
A nossa idade de ser Criança
foi esquecida
e, como um sopro,
esta vida,
num momento, foi perdida.
Sento-me na esplanada.
Bebo um café.
Talvez não chova por um momento
e eu assim possa estar
imóvel,
vendo gente a passar.
É quase uma elegia esta Palavra triste,
e se no sonho existe
e se no sonho é real,
Pagã infeliz,
é a tua condição mortal.
Naquela folha branca de papel,
é que eu quero existir
como marca de água quase transparente
ao redor de toda a gente -
mas cai a neblina rente ao alcatrão
e uma chuva ligeira
desfaz a folha de papelão.
Tenho a Alegria à minha beira,
hino e canto
nas entrelinhas da folha de papel
quando desenho a ideia,
que vem de um pensamento,
como um pássaro
que só sabe cantar por dentro.
É domingo.
Minha Alma aflita parece que grita,
clamando pela pura retidão dos dias
em que Tu virás,
bem sei que virás, mas, sem saber
a hora,
tudo é demora.
Um rio corre
por entre uma multidão rochosa
de seixos de calhaus de pedras
como se fosse um Pensamento correndo ao relento
até chegar como o rio a um Mar
de sargaço
pronto para acolher a vida
e o Mistério
do nosso Império.
Alta e despida,
a minha árvore preferida
é um outono de Silêncio límpido
da Natureza
e não cabe em Mim qualquer tristeza
de ser este o fim
da Beleza.
Com a chuva que caiu
um espelho de água nasceu à minha frente
no asfalto
e os prédios da cidade
desdobram-se pela metade
num irreal singular
onde aves vêm pousar.
Junto à janela aberta
parece que a Alma desperta
e é puro o Amor
quando rego a Flor sedenta
e vejo que o Mundo se contenta.
À folha de papel recontam-se
as aventuras -
e são entrelinhas foragidas,
que o pensamento
consente,
consoante a idade presente
nem sempre igual
ao tempo universal.
A outra,
a que está dentro de Mim,
é a que tem o Sonho sem fim
de pedra a pedra resgatada
fazer uma morada.
Que chova,
porque a chuva
cai na goteira do Coração
e não é em vão a estrada molhada
e o campo regado
como convém
se a chuva vem de Além.