Ó grande Flor do império por vir,
que lembrança
é esta mesma esperança,
de um tempo que se soa que vindo será
em que toda a pessoa
se libertará.
E se agora
é noite escura,
é porque a espera é dura.
Ó grande Flor do império por vir,
que lembrança
é esta mesma esperança,
de um tempo que se soa que vindo será
em que toda a pessoa
se libertará.
E se agora
é noite escura,
é porque a espera é dura.
Rasgado em Mim
o Coração,
como uma cartolina vermelha,
rota e amachucada,
sem servir para nada,
observo e sinto,
que é dura esta pena
de já não ser muito pequena.
A árvore despida
parece já sem vida e sem alento
mas ver a árvore por dentro
é ver a seiva que lhe corre nas veias
e perceber
que é um outono que está a acontecer.
Na penumbra, o candeeiro dá a luz possível
ao redor,
e eu vejo apenas as arestas da mesa
nesse lusco-fusco do entardecer.
Quem dera o sol,
sem neblina,
para dar conta do recado
de não mais te ter a meu lado.
Haverá a força do vento
em cada folha
que agora é tempo e terra
tombada no chão
à espera da podridão?
Talvez,
cada folha cai só uma vez.
O primeiro imperativo da alma
é o Amor,
sem sombra, e como uma Flor
que floresce,
em cada degrau da eternidade,
e ama a Liberdade.
Amparo-me ao corrimão das escadas,
numa subida até ao 5.º andar:
podia subir mais alto,
como se escalasse uma montanha,
e do cimo dela eu visse
o Mundo inteiro,
mas, mais alto do que o prédio e a montanha,
está o Céu e eu, sem glória,
não chego a essa vitória.
Choveu. E cá dentro
de Mim
brilhou um sol sem fim,
porque correu a água por sobre a tristeza,
e lavou e levou
para tão Longe no Mar
o pretérito do verbo Amar.
Mesmo antes de respirares pela primeira vez,
já eras a Mãe de todos nós,
perfeita na Graça,
de cada homem que passa.
O abismo do Céu é mais raro,
mas, se nele tropeço
como numa pura inquietação,
pesam as horas de remanso leve
e a vontade falece adormecida -
oh, angústia da vida.
É de terra esse chão
por que anseio,
trilho na planura pura -
estrada para adiante de Mim
cada vez mais perto
do fim.
Agora e aqui
é de Paz este momento
tão vizinho a Mim,
que me parece descrença
a guerra e a fome
que ao redor o mundo consome.
Ó Noite, na ínfima distância
do claro Céu,
me vejo perdida,
é breu na minha vida;
e tão perto a estrela do amanhecer
sem a poder ter.
Dos ramos altos
daquela
árvore nua,
sonho a verdade e a lua.
E como sem ver de quê,
porque o Caminho
é estreito,
não colho fruto nem me deleito
e tudo guardo no peito.
Há palavras que desaguam em dezembro
e constroem o Poema
do Presépio
- um burro e uma manjedoura
e, nas palhinhas deitado,
um Menino
que recebe o recado do Destino.
Tudo repousa no meu olhar.
Que vejo eu?,
do alto da minha altura
que não seja
uma triste lonjura
e que dura só porque dura.
Último dia de novembro chega ao fim
e, como a água dum rio,
corre para aquela eternidade
onde há flores livros e verdade
e a Luz ilumina
como uma prata fina.
Há um laço que une
a Palavra a cada emoção
e para a saberes
apenas precisas de seres.
É Aqui
no centro de um fim
que toda a minha vida acontece
- deslumbramento -
mas é por dentro
que eu sou aquela que chora,
por saber que Aqui mora.
Da janela, ao anoitecer,
é que eu vejo o Mundo tal qual é -
sombra de escuridão
luzeiros no Céu e no Coração.
O transeunte põe a máscara de ser
um ator a viver
uma marcha pelas ruas -
não chora não ri
e não se engana na fala do Silêncio
quando tão perto de si
há um Louco que o olha e sorri.
Não sei não,
não sei dizer,
não sei, porque não hei de esquecer
a Dor em que me fundo,
pura cal branca que aos mortos
é oferecida
e a Mim em vida.
A neblina faz parte do Caminho
mas trechos há
em que a névoa se desfaz
e vê-se, então, mais claramente
tanto
o quanto a Vida consente.
Reverdecem os campos ao redor,
e é mais pura
a bela madrugada
em que pensando e escrevendo
vejo o dia crescendo.
E, porque amanhece apenas uma vez,
sinto a saudade
da paisagem da outra idade.
para a Beatriz
Vê com os olhos que a infância
há de perder
o teu brilho e o teu florescer
e dá-me a mão, enquanto for o tempo
de me dares a mão,
e vamos sussurrando uma canção.
Debrucei-me da janela no meu 5.º andar
para perceber se o pedinte
era o outro
aquele que nunca somos nós
e é isso que nos faz ser tão sós.
Quando o impossível
for a tua linha de batalha,
pega num balão vermelho
e deixa-o voar -
subindo ele é capaz de chegar
aonde tu queres estar.
Vejo-te
no limiar
da diária angústia,
e trazes contigo o som primeiro -
o choro-grito de quem nasce
a cada manhã fria
sem ter aquela Luz que alumia.
A tua génese maternal
conduz
e ilumina
um infante salvador -
e não é loucura -
todo o caminho na fria madrugada
é no Mundo
uma suprema estrada.
Parece até que foi ontem,
quando, de trás das grades nuas,
o ranger dum outro ferro
cortava o silêncio
na noite -
mil anos são passados
e, agora, devagar
sem grades como te vou Amar?
Fazem falta as Palavras primeiras,
que dão à maior Verdade
um sopro
supremo de Liberdade -
e, então, é uma festa,
e o sentir cabe
todo
no Coração dum povo.
E de súbito a tarde escureceu
talvez
levada a claridade
para uma outra terra com outro horizonte
onde cantem as fontes
e as gentes à desgarrada
deem a escuridão por acabada.
A nossa idade de ser Criança
foi esquecida
e, como um sopro,
esta vida,
num momento, foi perdida.
Sento-me na esplanada.
Bebo um café.
Talvez não chova por um momento
e eu assim possa estar
imóvel,
vendo gente a passar.
É quase uma elegia esta Palavra triste,
e se no sonho existe
e se no sonho é real,
Pagã infeliz,
é a tua condição mortal.
Naquela folha branca de papel,
é que eu quero existir
como marca de água quase transparente
ao redor de toda a gente -
mas cai a neblina rente ao alcatrão
e uma chuva ligeira
desfaz a folha de papelão.
Tenho a Alegria à minha beira,
hino e canto
nas entrelinhas da folha de papel
quando desenho a ideia,
que vem de um pensamento,
como um pássaro
que só sabe cantar por dentro.
É domingo.
Minha Alma aflita parece que grita,
clamando pela pura retidão dos dias
em que Tu virás,
bem sei que virás, mas, sem saber
a hora,
tudo é demora.
Um rio corre
por entre uma multidão rochosa
de seixos de calhaus de pedras
como se fosse um Pensamento correndo ao relento
até chegar como o rio a um Mar
de sargaço
pronto para acolher a vida
e o Mistério
do nosso Império.
Alta e despida,
a minha árvore preferida
é um outono de Silêncio límpido
da Natureza
e não cabe em Mim qualquer tristeza
de ser este o fim
da Beleza.
Com a chuva que caiu
um espelho de água nasceu à minha frente
no asfalto
e os prédios da cidade
desdobram-se pela metade
num irreal singular
onde aves vêm pousar.
Junto à janela aberta
parece que a Alma desperta
e é puro o Amor
quando rego a Flor sedenta
e vejo que o Mundo se contenta.
À folha de papel recontam-se
as aventuras -
e são entrelinhas foragidas,
que o pensamento
consente,
consoante a idade presente
nem sempre igual
ao tempo universal.
A outra,
a que está dentro de Mim,
é a que tem o Sonho sem fim
de pedra a pedra resgatada
fazer uma morada.
Que chova,
porque a chuva
cai na goteira do Coração
e não é em vão a estrada molhada
e o campo regado
como convém
se a chuva vem de Além.
A árvore, centrada ao sol, irradia
de um só ponto
para o Universo
a singularidade
de ser
uma árvore a arder.
Tão ao Longe, eu oiço o tanger dos sinos,
dobram por alguém
que morreu
hoje e ontem aconteceu
- sem Paz o mundo de tudo se esqueceu.
Do universo, os deuses clamam
se um singular
grão de areia se perde -
tristinho
no infinito da vida,
eu sou como uma bola de papel arremetida
que tem dentro
uma Palavra nunca lida.
Sinto a chuva numa cadência suave
a escorrer pelo meu cabelo
e ombros e peito
cobrindo-me toda de suavidade
ao ritmo
de quem colhe em si uma Verdade.
A encosta nas traseiras do prédio
dá pasto aos meus olhos
que famintos por não verem
na Graça de cada dia
um horizonte muito claro de Palavras
muito sãs
se entristecem todas as manhãs.
Hoje, domingo,
é o dia
de ser Criança
tomar a barca naquele cais
de brincar
e rumar para um Longe firme e seguro
de um Sonho puro.
O meu Mar e o teu Mar
na parecença
lembram bem
que o meu Mar e o teu Mar
são o Mar que a Vida tem.
Pulsa o Coração
e é um compasso
que espera
como se uma mão no peito pousasse
e a outra mão no ar se agitasse.
O primeiro herói não é aquele deus
do Olimpo
que forjou no aço a espada da lei
remotamente perdida;
o primeiro herói
nos deu o pecado e a vida
e a angústia
também
que este Mundo tem.
Sobre o Caminho que faço
só direi
da inquietação
que me move no pisar de cada pedra
como se não pudesse esconder
a dor de aprender.
Antes a paciência
era a demora,
e triste, como num dia de chuva
sem chover,
era uma espera sem hora de acabar
nem a chuva começar.
Aqui, onde há laranjeiras de Paz,
pouso a minha mão
descansadamente no regaço
e sinto nisso um laço
com quem é mortificado
sem ter
um clarão de luz no seu Ser.
Antes que o outubro acabe,
deixa-me vogar
neste Mar,
que é sombra também na escuridão,
e, na passagem
do breu muito escuro
para a luz, vou e faço a viagem
sem me cansar,
pois na vida aqui se há de chegar.
Neste jardim, sou o fim
e o princípio
também
que a Vida tem;
e, se entardeço, e já me esqueço
da Luz branda
do nascer do dia,
é porque me cansa de Saudade
da manhã
o morrer da tarde.
Tanta é a quietude por entre os ramos
das árvores
que só eu balanço,
folha de árvore, como se dançasse,
e nesse movimento
sem sopro nem vento
busco
o meu único alento.
Uns e outros pensamentos
são um novelo
tão denso
que é preciso desemaranhar
o verbo recomeçar
sem o julgar.
Reencontro aquele seguro porto
de onde viajei
para as descobertas,
mas agora a Hora
em Mim já não chora
e parece viver longe do mal-ser.
Haverá um lugar para Mim,
quando as folhas
se rasgarem
de tanto serem pisadas
neste chão
que é o chão da multidão.
Caminho pela calçada
como se pisasse a terra e os ramos
de um trilho campestre,
porque da Cidade não sei fugir
e tudo aqui posso sentir.
Agora é tarde.
O que antes era já passou.
E, nesse Milagre, toda a frágil utopia
que o homem fez
se desfez.
O Sol, o eterno aguarelista,
pintou de azul cobalto
este momento
em que corre o rio e sopra o vento
na largueza do meu pensamento.
Tanto é o silêncio nas árvores
que sem ruído
cai a folhagem velha
e, no chão, fica um rastro da realidade
desta morte
que só um verso exorta tardiamente
depois de sentir
que a primavera há de vir.
As palavras são o broto
que nasce
do subsolo desta terra endurecida
minha Alma
colheita perdida.
Ninguém nesta hora da madrugada
pode amanhecer
a saber
o que no dia acontece
se se alegra ou se se entristece
com o Mundo
ou com o seu Sonho profundo.
Pego no lápis de cor de vermelha
para colorir a maçã
que vou trincar
mas mais parece uma Rosa
a maçã nesta glosa.
De Sol são as pedras
da calçada,
agora que o brilho da Luz
nu
afaga o empedrado do passeio
e eu o sinto no meu seio.
Rego o broto
e aguardo
pela sombra da árvore adulta
que já não verei,
mas por isso a reguei.
Nestas madrugadas de Silêncio
e frio,
sou, nos recantos da Casa, aquela que caminha
ao encontro do dia claro
- e isso é algo raro.
Quando te vires ao espelho,
mira-te
e não tenhas pressa -
pode ser que de ti a imagem
seja fugaz
mas seguramente te dará a Paz.
O Caminho é um estar ali
naquela curva
daquela estrada,
seja o anoitecer seja a alvorada
esperando
que em nós a vida aconteça
e que uma bênção de deus desça.
Tão grande é o presente
que a minha Alma desconfia
da imensidão do espaço
de um Coração
que não conheça o perdão.
Desconheço da inquietação
o sumo prazer,
que é o procurar
o que é a vida em cada lugar.
Na esplanada no jardim,
o Universo
não tem princípio nem fim
é tudo um ser e um estar
e quem se senta
fica com a Alma sedenta.
O «U» é de uva,
bago sem grainha,
que, do cacho da videira colhido,
parece viver
brotando do seu Ser.
O outono passa ao meu lado,
e é doirado
e melancólico
como se tudo fosse estremecer
em cada folha que tomba
e em cada folha voasse uma pomba.
Onde?, a Luz
que clareia o Ser,
e que muda para sempre o sentido
a um rosto perdido
escondido
no meio da multidão
preso
à sua solidão.
Se eu pudesse
e sem cansaço cantasse
num trinado de melodia
soltava esta minha Alma fria.
No movimento incessante do Céu,
vejo que também eu
estou de passagem
e sou igual
a um Céu limpo, ideal.
Parece-te feliz a Rosa
no jardim,
porque no teu sentir
há uma Rosa a abrir
como se abre um Coração
e é como um sopro na imensidão.
O sépia pinta a imagem desfocada
e parece até não haver
memória
de um amor
quando ergo a foto à contraluz
e reparo
que o Amor é um caso raro.
As páginas depois
não me trouxeram a Verdade
mas mesmo tarde na vida
quando a mocidade é já vaga
há uma chama que não se apaga
e que é a nossa Voz
que está no interior de nós.
Não queiras, Musa,
que se desfaça o encantamento
é cá dentro
que o espírito vive
na plácida hora da criação
quando tu me dás a mão.
Regresso da intrépida viagem
saboreando o fruto
da Esperança
limpidíssima lembrança
de onde é
o ser Criança.
Daqui partimos
e o Mar
é uma estrada suave a que voltamos
sempre
e a Coragem não nos abandona -
planícies de encontro
com a Memória
- Tudo é um tempo de Glória.
É assim
quando a Palavra coincide
com o objeto:
e o nome secreto
o nome que dorme no espírito de deus
acorda nesta vida
uma Alegria até aí desconhecida.
Barco em terra não navega,
ainda que a brisa
o afague
e incite a desfraldar as velas -
barco quer-se em rio ou mar
para partir e voltar
e é sempre aí que deve estar.
A exata ciência não explica
porque uma hora
se demora
e outra hora se vai embora
tão prontamente
que quase se não sente o seu passar -
talvez nas Ilhas Afortunadas
não haja horas enganadas.
Agora que as árvores ocultam
a colina,
num esquecimento
fica o caminho do Tempo,
quando o foi
mais suave no destino
que tanto é
como a lua e a maré.
Diante do abismo,
é preciso
um olhar para dentro -
aí mesmo no centro,
onde as águas
da terra e do céu se cruzam
e um milagre invisível
é possível.
Sem adivinhar,
se o vento
sopra de feição,
o marinheiro ergue a vela
e confia em Si
tanto, como nunca vi.
Leva tempo
sonhar o rio que, como cascata
num desafio, vai para o Longe
para ao pé dum Mar,
mas que está sempre, em Mim, a chegar.
Ao redor do meu corpo,
é mais tranquila
esta manhã que dura ainda
no agora do entardecer -
rasto suave de uma contradança
que não deixa morrer a Esperança.
- Traz-me a Bondade,
se a puderes saber,
é uma estrela firme presa
no chão
que incendeia cada Coração.
Importam-me as janelas fechadas
que como um ventre
vestido
fazem do silêncio nascido
da vida
o único sentido.
Parece Beleza
o sol límpido e puro
que brilhantemente chega e vai
daqui até ao fim do mundo
e em cada praia
nossa
a vida se remoça.
Abri a porta e sorriste,
como quem traz o amanhecer nos lábios
e procura
na sua Alma pura
um vestígio dos campos
e da giesta
- mas que Camponesa será esta?
De um lado balança
a Esperança,
do outro lado, corre a brisa do Mar -
serena, Criança,
o Mundo foi feito para te Amar.
Neste navio por grandes penedos
singro num Caminho
rochoso
que melhor me convém
para ser neste mundo e mais Além.
E hoje foi assim,
tão perto de Mim
de Mim
tão perto
que o dia foi completo
e como quem plantou uma semente
para no futuro dar de comer
eu saboreei o meu Ser.
A tarde parece que quer anoitecer
para no sono mergulhar
e Sonhar
e acordar, depois, na justa manhã
para de novo entardecer
numa eternidade
de ser um Sonho sem idade.
Caminho na terra às escuras,
porque é noite
e não há no Céu um clarão
rastilho
da Alvorada
que seja a nova morada.
Uma pedra uma árvore
são um tesouro
de ouro
liso e puro
que nele de quando em vez
vês a obra que deus fez.
Contém um Sonho
a Rosa,
que floresce no roseiral -
mas também um dia há de morrer:
o Sonho e o seu Ser.
Sobre nós voam as aves
da montanha
e iluminada e pura
a Voz
nos encanta quando estamos sós.
As árvores de ontem
são hoje azuis
tais que acordaram no pensamento noturno
do Poeta
e do Azul se fez a maré
da volta do mar que nunca mais é.
Deu deus às árvores a raiz
porque quis
que do fundo da terra se erguessem
fitando o Céu
- e também eu -
por isso guardamos
o marulhar dos ramos.
O meu espírito está cansado
de alinhavar
e de costurar em papel de remendo
uma angústia macerada
que só pode ficar calada.
Há uma Palavra escrita no desenho
das letras -
e eu soletro
como quem aprende a ler
o interior do seu Ser.
Pedras da vida, ó Lila,
por que as pisamos?,
nesses Caminhos que são deserto
e fogo
e neles a imensidão da eternidade
brilha firme como a Verdade.
Ruas vazias de deuses,
tão só
a dura humanidade
descontente
e gente que fita
o cais
aonde não vão os imortais.
Procuro, em vão, o verso
que perfeitamente
seja
da mão certeira a Esperança
de o mundo um dia
ser Criança.
Nada. Nenhum alento
é mais forte
que uma Palavra que importe
como num dia a Magia
que no meu Coração havia.
O pensamento brinca comigo
(ele é o meu abrigo
e meu fiel tormento também)
como alguém que quer brincar
e só sabe alinhavar
o ponto a ponto que a vida tem.
Lentíssima, foge do meu olhar
na noite clara,
esta lua que não se esquece -
favo de mel brilhante
obreira da maré
daquele que sabe quem é.
Certeza de recomeçar
e de reerguer
a Voz
que no Silêncio emudeceu
sem saber a Hora
e vê que é Agora.
Este é o meu escutar
de andarilho -
colho uma Palavra aqui e além
e sopro -
então anoitece
e tudo me esquece.
Moram as palavras na volta de dentro
do pensamento
e é longínqua a gargalhada
por se saber
que chora em pranto o doce Ser.
Prodígio
de te procurar
nas águas do Mar -
e sem saber dos confins a condição
bem me parece
que o passado não esquece.
Quanta realidade
nestas aves
que esvoaçam no meu Sonho;
nem a escuridão nem o Silêncio perturbam
o seu voo oblíquo
e cada asa flamejante
é luz num novo instante.
Do bordado brandirei
a Verdade
contra a guerra miséria e fome
contra a injustiça e impiedade
que são os outros nomes
do puro mal
neste mundo mortal.
Tanto céu e só há uma página
no nosso Coração
tanto como a imensidão
e que única e singular
a vivemos
porque a merecemos.
Hoje, é de sempre o dia
aguardado;
não há sombra nem incerteza
e é pura a Beleza
de um vaso partido
se a Flor tiver nascido.
É ao entardecer
que é mais suave o dia -
e uma luz que se apaga nos distancia
da dor que em nós havia.
Brandamente a respiração se exala
e parece até que se sustém
não vai nem vem por um momento
em que sangra
cá dentro
a minha Alma sem alento
sem o ar
que dá sustento.
Demoro-me neste pensamento,
que é todo ele coisa de Mar;
onda que vem,
onda que vai,
marulho e uma gaivota
que quer voar,
mas não sabe por onde começar.
Se um verso viesse cotejar
a aridez
do meu pensamento,
por certo, bem perto, nesse vazio
encontraria
a minha Alma de vigia.
Desenhei uma côdea de pão
na calçada
e vieram os pássaros de luz
iluminar a gravura,
que pisamos
quando caminhamos.
Vamos conversar uma conversa
sem fim -
tu és a menina e eu sou o jardineiro do jardim -
e falamos de Roses e daisies,
lilies e violets,
e nisto o Mundo fica completo
porque te tenho perto.
Brilhante estrela,
que cativas quem importa,
vem brilhar à minha volta,
vem ser o Céu ao meu lado,
não olhes para o meu pecado.
Pego no livro antigo
e leio
o que já reli -
toda a aprendizagem é assim -
e num momento esquecemos
o tanto que já vivemos.
Que é da força do vento
cá dentro de Mim?,
que ventania é esta que molesta
toda a natureza,
mas que cá dentro não encontra alento
nem força de vento
em nenhum momento.
Se me perguntas,
por que havia eu de voltar
a ver o Mar,
te direi
que sou rio
e sou gaivota
e o meu Amor não se esgota.
Do mundo, guarda apenas
um sorriso
de Criança, à beira do anoitecer,
quando nela a vontade de viver
é o cúmulo de todo o saber.
Não cabem nos meus braços
as flores que abraço;
são mais e maiores
que as espigas da seara
que nos dão o pão
ou que as estrelas num firmamento
sábias
e que por magia
desaparecem todo o dia.
Tanto do antigo se remoça
que hoje
não sei acertar
se o vento da guerra
ou se a paz obreira
são a escolha derradeira.
A Liberdade um dia fez-se Poema
e passou por todo o lado
e também aqui chegou -
e eu vi a Criança
nascida da Esperança
com os versos a brincar
como quem apenas sabe soletrar.
Deste silêncio irrompe uma canção
e o mantra
que parece não ter fim
somente se repete num pensamento circular
que diz:
«a vida é a raiz».
É o sítio da árvore
este lugar
onde a terra está mais próxima
do Céu; e cada ramo estendido
lembra de deus o seu Sonho perdido.
De dentro, tudo vem,
a alegria,
e a tristeza também -
por isso, se me canso de tanto viver,
é apenas porque cá dentro
parece anoitecer.
De vento em vento,
corres a Alma e o mundo,
e sabes
que ao entardecer
amanhece o teu Ser.
Na coroa de Rosas,
as mais formosas
são como um hino cantado
e que à semelhança da Luz
cruamente
joeiram toda a semente.
Havia um tempo em que dançavas
na soleira da porta
e no quintal
nesse tempo a esperança não estava morta
e a bondade no ato de te ver dançar
dava vontade
de para sempre amar.
Por entre os prédios, na cidade,
horizonte não há
nem profundamente se vê
e tudo esquece
e sem memória
não há um momento de glória.
Nada acrescento
aos dias
mortais que são iguais -
mas a brisa que corre e que o meu corpo
afaga
leva a tristeza para longe
e apaga a mágoa.
Lá, onde a Noite persiste,
inunda o Céu
o luar -
e ninguém pode então ser triste
o luar é promessa
que sara
mesmo a Dor mais rara.
Murmura a voz,
«este é o tempo em que habita em nós
a mansidão
no nosso Coração -
frágil pedaço de Céu,
que revela
a hora da hora mais bela».
O girassol mais lindo do mundo
está neste vaso
de flores;
e mirante dardeja o buscar
só para onde o Sol há de estar.
É mais invisível este jardim
agora que no calor
do verão
ninguém aí se demora;
mas eu teimo em plantar
rosas, muitas rosas,
de vã glória e triste fama,
com que a minha Alma se engana.
Tudo é possível
e nada existe no meu Coração,
e nem a sombra que eu um dia visitei,
no encapelado do sentimento,
vive mais,
e é como se o Coração fosse um cais.
Brincam as Crianças lá fora
e, desse tempo que em Mim ainda mora,
sinto uma Alegria perfeita -
brincos de prata,
que a vida não mata,
estão em Mim
do começo até ao fim.
Como em jogos malabares,
o meu corpo
sente a dança e não descansa -
e num verso também,
a Palavra vai
e vem
no pensamento de alguém.
Se eu fosse olhar
para onde a terra acaba
e começa o mar,
certamente não veria o boneco de pano,
no cimo da encosta, que, como gente que quer sossegar
da labuta de cada dia,
está imóvel e na Vida confia.
Lá,
onde um dia residiu a Esperança,
é que eu quero estar
para subir por dentro da memória
antes que o pensamento
se confunda
e seja uma tristeza profunda.
A cada dia a sua descoberta;
e, num dia mais claro que os outros,
antes mesmo que o orvalho
ofuscasse de brilho
gotejante
a Natureza,
eu procurei por Ti
e vi o Mar,
em ondulação serena,
robusto,
trazendo daquele confim
uma Verdade
para Mim.
Mais rente à lembrança,
como se
pudesse entreter um sonho pueril,
recordo tanto
que não distingo já o que é realidade
do que vive na imaginação;
e parece-me estonteante este acontecer
breve
no meu Ser.
Apresso-me, agora que os dias
têm nas tardes
a longura da noite,
a encontrar em Mim um propósito
novo,
como se, com um outro olhar,
eu pudesse vencer
este destino
de ser
uma ave que esvoaça
apenas quando o vento passa.
A olhar o mar Egeu
desenho o futuro das Naus
que voltarão
uma e outra vez do Longe
mais Longe
da suma distância
até consumir a minha ânsia.
Será Arte, ou bênção,
na madrugada,
a chuva
que insone
eu quis sentir
para, lembrando, sorrir.
Se tudo fosse perfeição,
na humana condição,
a deuses seríamos iguais -
e tais,
sem morrer na morte,
teríamos uma outra sorte.
Dentro de nós, a cor permanece
sempre viva -
e é um espelho no nosso Coração,
onde a Alma se pode olhar
no verde
da cor dum Mar.
Ensaio os dias futuros,
na janela
do meu quarto,
simples geografia
que contém
a Luz do mundo mais Além.
Respiro brevemente
como tão breve é a vida também -
e sinto na Luz longa deste dia
um instante de Harmonia
que só no Mundo não havia.
Sempre me iludi na escolha
de caminhos -
pensando ir adiante, afinal recuei
e tantas vezes me enganei -
por isso, agora, vou diretamente até à foz,
sem escutar aquela minha voz.
Brincavas com as pedrinhas
e saltavas no jardim
inocente e feliz
só tinhas uma estrada para a alvorada
e por isso ao amanhecer
não havia enleio no teu Ser.
Pendem dos ramos das árvores
as folhas verdes,
alucinadamente verdes,
que brilham incandescentes
de tanto terem a forma justa de um Coração
rendido à compaixão.
Parece-me mais quieto este dia,
agora que a minha Alma
no Silêncio
se encantou,
e talvez milagre seja
não ter aquilo que se deseja.
Magicamente,
não sei,
uma Rosa recebi
e brilhante e pura
misteriosa e excecional
azul
como ela não há igual.
Que me ofertais?, ó deuses
da suma planura.
Que promessa é esta?
Que Caminho?,
que me vejo sem sombras,
mas sozinho.
Parece que é para sempre
este ondular suave
dos ramos das árvores -
mas não é.
Virá o estio e o inverno,
porque nada é eterno.
Tudo me sustém para Além
e se prossigo
é porque, no movimento do Mundo,
antes de haver um saber,
há no homem o Ser.
Neste canto do jardim,
parece-me
que se alegra em Mim
minha Alma que de vaguear não se cansa
e que procura
o que ninguém nunca alcança.
Há mais Silêncio,
como se a Terra tivesse engolido
cada verso
e o magma das sílabas irrompesse
em lava
violeta e anil
com uma graça juvenil.
A longuíssima viagem começa e acaba
no meu Coração
e o compasso é o passo firme
da jornada,
mesmo que o caminho seja o nada
e o passo a ilusão
de que não caminhamos em vão.
Escuto o tombo da árvore,
que cortada
rendilha o caminho com os ramos,
e parece-me isso um bordado
de recanto aberto
como num lenço de mão
- que se tem junto ao Coração.
Céu ou Mar?, espelham os olhos teus
e assim como deus
nos dá a sua graça
Céu ou Mar?, é mistério que nos abraça.
Da minha janela, vejo os navios
que cruzam
num rio que eu imagino
águas sem destino -
e talvez cheguem a um Mar
(imaginado também)
porque o meu Sonho é para Além.
Tudo muda
no ponto em que adormeço
e do mundo esqueço
aquela dor
dos lugares comuns da vida
que a fazem preenchida.
Toma uma flor nas tuas mãos
e, nesse gesto simples,
desfruta a emoção -
a flor há de morrer,
quando o instante passar,
seja qual for o lugar.
Talvez uma gaivota viesse
e trouxesse no bater de cada asa
o dia puro -
mas não vem e eu murmuro
uma imorredoira
oração
pelos dias que são em vão.
Liberdade, por que não voltas para Mim?,
- porque Criança me perdi
nestes Caminhos que são de ninguém
e jurei ir sempre mais Além.
Ventura de ser
e de não se perder
- ó ribeira que cantais,
enche o rio enche a fonte
enleva
o meu horizonte.
Para ti colhi o ramo
e colhi também na vida
uma esperança renascida
contra a corrente
daquilo que deveras se sente.
Regresso aos penedos e rochedos
como quem
de uma viagem vem
com um verso na Alma -
beauty destas fráguas
que permanecem
e são o lugar
de um constante despertar.
Não é a minha porta,
mas que importa,
se o Caminho em frente
me leva por entre as gentes
e eu descubro
que afinal o medo
não tem nenhum segredo.
Tanto de rio me acho semelhante
que eu corro para diante
de Coração às vezes preso
na dor na inquietude
no desalento
de não ser como um rio até por dentro.
Esculpo na tarde o poema
como se fossem pedra as Palavras
duríssimas fragas
e augustos penedos
livres de todos os medos.
Enfim,
parou de chover,
mas não sei se não chove Além
e cá dentro, no meu Coração,
pois as novas do Mundo
as que soam e são
me vergastam até mais não.
Na encosta, a linha do horizonte
limita
o meu olhar -
e apenas resta o Céu circular
em todo
e em qualquer lugar.
Nem se ouve o correr do vento,
que é nortada,
o Silêncio é mais é maior
agora que o Tempo permanece
portas adentro
como se não se escoasse
e do quotidiano da vida me libertasse.
Três tons de azul, que perfeito!,
três tons presentes
neste peito
qual insígnia carnal
em louvor
do Céu a cor.
O verso deixa a sua pegada na areia da praia
e espera pela rebentação
e pela espuma
para renascer em onda
num novo passo
firme
e sublime.
Deambulo.
A tarde é quase nada.
Uma mão fechada sobre o peito
e a outra sobre ela pousada em gesto de oração -
não há multidão
e eu perco-me em vão.
A perfeição onde está?, neste dia claro,
da gente inocente, a desdita
que nos fita
que nos fita
ó Alma que acredita.
São azuis os sete Céus
que, no relento,
se abraçam -
e nesse Abraço aconchegante
nada é distante.
Os deuses regressam sempre
à hora
do entardecer
e é uma orvalhada de espanto
sem eu entender
o quanto
do quanto posso ser.
Alguém passou por Mim sem me olhar -
nas grandes cidades
é assim -
passamos e não olhamos nem sabemos
se resvala uma lágrima
na imensidão
de uma dor no Coração.
Não respires por um momento
e deixa que o sopro
do vento
que vem e que vai
seja o teu alento formoso
que te dá ânimo e satisfação
no tempo em que as coisas são.
A esferográfica pousada em cima da mesa
repousa de tanto penar
a pensar -
e comigo e mais perto em Mim
percebo que também eu estou assim.
Tiro o chapéu largo e é a rodá-lo
que eu te saúdo,
ó Caminhante,
que, numa terra distante,
não importa
a lonjura,
és uma sublime criatura.
Ao alto do céu, aonde chegam
as copas destas fantásticas árvores
que eu desenho à noite antes de adormecer,
chega também o meu suspiro,
não de morte,
para que um deus conforte.
Toda a fotografia é guardiã
de um tempo,
que em fragmentos se alcança,
por isso, em cada um desses pedaços do passado,
temos a infância ao nosso lado.
Obedeço ao espírito dos lugares
e entro e saio e é apenas uma viagem -
mas, se eu pudesse querer,
eternamente eu ia permanecer.
As estantes da minha memória
têm livros
que eu não conheço
porque nunca os abri para os ler
- tal também é o tempo voraz
que esquecemos e jaz.
O oráculo é a voz que se escreve,
quando o sonho
tão breve
lembra que estamos sós
como rio que corre para a foz.
May's rose,
rosa de maio, estrela do mar,
Mãe que enxugas as lágrimas do mundo, eia,
vigilante de cada instante
do bravo Caminhante,
sê também consolo na desdita,
quando um rosto te fita.
O Silêncio olha-me,
mira-me, fita-me,
dói
e numa luta por um instante
tombo na guerra
deste rei
um pensamento sem lei.
Não, esse caminho não é o meu -
é de alguém que ofereceu
a vida para uma festa
de grinaldas e de botequins
e a tudo diz sins.
Como um cântico inesperado de saudação,
entras, maio, na minha vida -
e não voltarás
nem eu olharei para trás
a ver
a inquietação de te perder.
Chega o final do dia na tarde
e eu busco
numa reflexão
a existência perfeita
súmula deste viver
para enfim adormecer.
A voz demora
e na ausência do tempo passa a tarde
como numa eternidade -
por isso gravo na pedra nua
com estilete de diamante:
é este o meu instante.
Não regressei a Casa de mãos vazias
- comigo e com os outros
em Mim,
vi no espelho da vida
a face que contém
o rosto que deus tem.
O luminar do Dia é essa flor vermelha
que na vastidão
lembra o teu Coração,
Companheiro,
na luta pela justiça,
a Liberdade é a liça.
E a onda vai vai por esse mar fora,
antes dos deuses
nos concederem a vida
e a esperança,
na onda vai a Confiança.
Devaneio de ser Tu -
um milagre
que luz
neste chão de terra da vida
que sempre contém
o sofrimento de alguém.
No jardim, as flores que encanto
lembram
uma multidão quieta
que na hora de despertar
da prisão
se despe da ilusão.
Colhe do teu corpo inteiro
a Verdade -
pois nada mais é preciso
nem riquezas nem ostentação
nem ilusão
nem uma breve canção.
A folha solta de papel guarda nela
a Palavra mais bela -
Aleluia,
fez-se Luz
no Mundo com uma Cruz.
Como um rio correndo,
eu desço à foz
e chego a um mar sem idade -
e tremo na descoberta
de que a Verdade é certa.
De que cor é o Céu?,
deste Mundo,
perguntei um dia ao mestre
e ele respondeu que a cor celeste
se veste
da sombra
e da escuridão
que existe pelo chão.
É Noite.
E na Noite se abrem em sorriso as estrelas.
E é quanto basta
saber
também um dia elas vão morrer.
Na hora da vigília, o meu Coração
fica mais perto
desse outro Coração
que, bravo herói do entardecer,
tatua no seu peito
o amor-perfeito.
Desenha-me um rosto
na circunferência redonda do Mundo
e verei nascer o Poema
nos olhos claros que o rosto tem
- Diz-me, é quem?
Na agenda em papel, marco os dias
esperançosos
e a Lua
que é uma sombra tua
ora cresce
ora diminui
mas sendo inteira me possui.
Os passos que darei
ainda
quando a Luz do Sol for finda
não os conheço nem sei aonde me levarão
- talvez talvez
ao Sonho talvez.
Que eu veja sempre o que é eterno
à minha beira
como quem colhe um cacho de uvas maduro
para ser pisado
a ser o futuro do passado.
Passeie à descoberta do Caminhar,
lento forte seguro,
por entre as faldas junto ao Mar
é mais puro -
e do Horizonte a linha aprumada
lembra a partida para aquela estrada
onde a curva esconde da vida
a manhã ainda não acontecida.
Real é a Palavra
que no verso é a medida
e que nas entrelinhas de estar ali
fulgura
com bravura
e que não se esquece,
quando à Noite se adormece.
Dentro de Mim, que lembrança!,
nada existe
senão uma Criança -
que a brincar no Sonho da vida
um dia cresceu
e fora de Mim se perdeu.
Obrigada, memória,
thank you,
ao teu lado
não há pecado -
diz o meu Coração -
talvez tudo seja imaginação.
Devagar me esquecem as Rosas,
abraçadas junto ao peito -
eram num outro tempo formosas
tinham a fama de ditosas
e eram só minhas, as Rosas -
mas tempo passou
e só eu
aqui estou.
Uma flauta que parece querer ser
uma chama a arder
eu escuto piedosamente
vendo o rebanho na encosta
vendo a claridade do dia reposta
e de tudo se gosta.
Se tudo me satisfizesse,
como o brando sol
tombando sobre a Colina,
talvez acontecesse
eu voltar a ser pequenina.
Chove no silêncio da rua -
deve ser assim
também dentro de Mim
um rio de água mansa
que devagar para a foz avança.
Levanto-me da cadeira
e percorro o corredor da casa
como quem segue o trilho da encosta
à procura
de uma outra lonjura
- nada ou abismo -
regresso à cadeira e cismo.
Não me ofereças Rosas
porque murcham
nas jarras
e as pétalas brandamente se soltam
e não mais voltam.
É este o movimento do Mundo
ou é a minha mente
em torvelinho -
agora é a hora deste instante que passa
e no Mundo e em Mim
em tudo haverá um fim.
'Spera que o prodígio não é em vão -
e de quantos Caminhos são
de jornada primeira
escolhe aquele
que se abre à Claridade
como uma árvore sem idade.
Um som de água levezinho
eu oiço
no meu Caminho
como se se enchesse uma pauta de música
com colcheias
e delas brotasse
um clarão de ideias.
Entre uma onda e uma onda,
respira
profundamente o Mar
e eu, sílaba a sílaba,
movimento a movimento,
soletro a Palavra
e respiro
num momento e num momento.
Lá fora, é o Mundo
e a angústia a cada momento
- sofrimento.
Mas há um recanto na vida
que fica entre a tormenta e a bonança
- a Esperança.
A exigência do Sol é que o dia corra devagar
para a Luz chegar a cada lugar.
Por isso, abre bem o Coração
para que a Luz toda entre
nesses Caminhos de toda a gente.
Os ciprestes velam os deuses
mortos na batalha
e, nessa dor,
estão vestidos do verde da cor -
mas ao entardecer
quando a luz é mais rara e antiga
são no recorte do Céu uma velha espiga.
Toda a noite não dormi,
viajei
e se em algum lugar me demorei
foi porque aí me confundi
lembrando-me de Ti.
Infinitamente real
o meu Ser
é como um pano vermelho
no estendal de uma janela
- coisa que se fita
e que o vento agita.
Imorredoiro,
este tesouro tem oiro -
e não quero prata nem bronze
nem safira
pois brilhante, confesso,
quero ser inteiro como o Universo.
Morre o Poeta -
aonde estão os versos?,
que de Saudade, na despedida,
se calaram como a vida
de quem repartiu
cada coisa que um dia viu.
Chegou a primavera,
mas, como um rio correndo,
as lágrimas deste dia
lembram o inverno agreste
sem o ímpeto celeste.
Tropeço primeiro na sílaba frágil
e dócil, sem ter caído,
estremeço este novo sentido.
O orifício da agulha faz-me pensar
na linha de bordar
na linha de coser
e no pano de alinhavos
que os mais pobres sabiam ter
no abrigo para viver.
A fadiga dos dias e o cansaço
das horas sem fim
são a semântica da evasão
deslumbre na imensidão.
Quase silenciosa, a chuva tomba na calçada
e eu pressinto que é capaz
de nesse quase silêncio ser um rio
e eu como que à proa de um rochedo
navego sem medo -
estranho é este segredo.
Antes de partir, eu cheguei,
porque quem chega
sempre está nalguma parte
e essa é a minha Arte.
Na folha agora perdida,
havia,
e eu sabia-o,
o movimento dos astros no universo -
esperança em balança
dor em peixes
e eram puras a esperança e a dor
e no homem o seu esplendor.
As gotas de chuva nos meus cabelos
e o ar gélido que me toca
são no silêncio o silêncio de coisa morta -
e, sim, importa, sim, perceber
que tudo o que nasceu
também um dia morreu.
Um livro arrumado na estante
guarda o Sonho
mais distante -
não guardes Sonhos senão em ti
- abre o livro
- já abri.
A luz está em ti na madrugada,
no amanhecer,
e no tempo que tens para viver -
por isso, não procures,
ilumina a tua natureza
e não haverá assomo de tristeza.
Sê tu hoje,
hoje mesmo, hoje agora,
sê sem distância de ti,
nem na alma nem no tempo,
vai sem inquietação
a essa praia branca do Coração.
Entre luzes e sombras leio
nas linhas das mãos
como no empedrado da calçada das ruas
que há um tempo que é o meu tempo
de dissolver na mansidão
uma e outra ilusão.
Vem repleta de Poesia
aquela Mulher
de cabelo negro entrançado
e por isso eu cismo (talvez sonhando)
que por onde ela passa
tem o mundo uma outra graça.
A chuva não espera
pelo guarda-chuva aberto -
cai, quando tem de chover
dentro do próprio Ser.
Nas horas há a Beleza
do tempo
que como rio corre devagar
e como rio navega para um Mar
- mas, ó deus, que a hora última da vida
seja como a primeira, agradecida.
Gigantesco assomo de Luz
no Mundo
eternamente o Sol
quando o instante que escorre entre os dedos
está liberto de todos os medos.
Amanhã serão as cinzas lançadas
mas hoje será o canto
sem pranto que remoça -
e de verde-musgo vestida
a Vida
encontra na folia
um intervalo de alegria.
Apenas o entardecer chegou agora
neste dia lavado de chuva
e os caminhos de terra molhada
cheiram às húmidas giestas
e mostram-me para onde eu vou
a ser quem eu Sou.
O pássaro entra por Mim adentro
e enche-me
com um gorjeio de ramos
árvore onde se dessedentou
na seiva da raiz
como um rio na foz
a oração de todos nós.
Desenho a quietude
e parece-me perceber
que há nisso um milagre
um gesto sossegado um rosto discreto
e vejo assim
uma esperança sem fim.
Tantos fevereiros passados,
e infinitamente só tenho o fevereiro presente
- eterno instante em que sou
o que o tempo abraçou.
Cheguei e havia uma ave leve
e havia um mar que eu nunca vi
antes de estar aqui
e, nessa primeira vez,
de olhar o mundo à minha volta,
e de o saber
parece que eu comecei a florescer.
No espelho, se vê a face brevemente
a face que tem a gente
e que é Bela se sempre sorrir
e disso é feita a Arte -
daquilo que se comparte.
Em que espelho ficaram aqueles dias
vagarosos
de um amanhecer tão livre
que eu podia dançar
e correr
sem pensar em viver.
Tenho sede
e o copo com água desliza
um pouco
nas minhas mãos a me dar de beber -
assim quero permanecer,
num movimento assim singular,
porque a sede volta e torna a voltar.
Que venha a chuva,
que é bem-vinda neste tempo
em que as portas estão fechadas
e as muralhas muradas
são as paredes
da casa -
triste labirinto -
em que minto o que sinto.
Eis a oferenda, te juro,
não há Caminho escuro,
para quem oferece com a Razão
o que tem no Coração
e, então, let it be,
colhe o fruto
colhe a Paz
neste instante que aqui jaz.
O metrónomo marca o compasso
e, na cadência dos sons,
tudo é Maravilha -
o céu cinzento de neblina
a correnteza das gentes na rua
e a tristeza que é uma coisa nua
tudo é um aconchego no silêncio entre as notas
e eu voo como as gaivotas.
E o fim
parece que é este recomeço
a que à tua têmpera eu obedeço,
ó Mar,
dentro e fora de Mim,
as tempestades são assim.
É uma Graça este falar da terra
no dia em que nasces
- e trazes
límpido e seguro
um Coração puro.
Porque planto flores,
nascem flores
amarelas,
e nesse jardim sem sombra
nem escuridão
eu te entrego o meu Coração.
Atravessa esta paisagem
o som de uma flauta campestre
e a escutá-lo
talvez apenas eu na mansarda
seja aquela que no Coração o guarda.
Era uma lua matinal,
branca e efémera
como a vida,
que eu vi de fugida,
antes de ser no Céu aquela Luz
que tudo clareia,
e é uma Alma cheia.
Somos terra
e o mistério assombroso -
e em nós tudo nos fita interiormente
qual caracol que sente
uma Dor como a da gente.
O dia amanheceu cinzento e chuvoso,
mas depois a cor do sol
rompeu
e, nessa luz, poli os talheres de prata
que guardo na memória
e foi um dia de Glória.
Perene, o dia se alonga,
balseiro no meu Coração
- Alma que caminha -
e o canto límpido da voz límpida
soa
e ecoa
no meu pensamento
a todo
o momento.
É sempre na margem do rio
que o espanto
perante a vida é estonteante -
porém tudo é um instante
e a corrente do rio passa a diante.
Escuto o compasso da respiração
e o ar que sai e o ar que entra
numa suave cadência
mostra-me aquilo que eu Sou
e leva-me como quem
sabe o Caminho para Além.
Como dizer Poesia?,
se do alto desta frágua
a minha voz sente a mágoa
e o silêncio
é pesado - e a dor está ao meu lado.
Algures na memória posso enfim encontrar
o nu o belo e o radiante
da singeleza
da humana natureza.
Nesta linda aguarela, vejo um barco a velejar
e, por entre o ondear,
na pintura eu descubro
que todo o gesto de Coragem
carece além de um porto seguro
e nisso eu vejo um futuro.
Dentro do sorriso, o riso
que é o clarão
de ser Criança
e de brincar com a Esperança.
Revisito a encosta e procuro
aquela tarde
que um dia existiu -
era abril
havia sol e uma clara luz
e pareceu-me que eternamente
nós fomos breve toda a gente.
Na agenda dos dias, assinalo os instantes
em que posso pensar
na imensa largueza do Mar.
A linha reta é uma descoberta
de quem procura
a suma lonjura
e é loucura o trajeto completo -
o destino de raiz
de que sou um aprendiz.
Neste inverno há flores no vaso das flores
e, nessa epopeia de florir,
sinto a Verdade do meu Ser
como flor que anuncia
a simplicidade de cada dia.
Abro o leque, que seguro na minha mão,
e encosto-o ao rosto,
num movimento para além de Mim;
deve ser assim
o instante de silêncio e de escuta
que os deuses ousam oferecer
como uma água que se dá a beber.
Só a Poesia liberta,
porque só ela vela na longa noite
do Ser;
e não há um momento em vão -
cada instante é uma graça
por onde a vida passa.
Chove e eu escrevo
e as palavras gotejam num canto nu
e querem-se tão puras como as águas do céu
que tombam sobre a colina
e lembram
que cada um tem a sua sina.
Como as águas de um rio,
assim a vida corre
e nada é igual
nem a vida nem a voz
nem tudo o que é em nós.
Percorro as ruas estreitas e escuras
e oiço os meus passos
na calçada
e ecoa
- assim se anda em Lisboa.
Abro o Caderno numa página qualquer
e é luz a Verdade nua
de cada palavra
que, como num campo, se lavra.
Há nos pequenos gestos uma alvorada
aquela madrugada inteira
que, semeada na noite, se pode colher
logo no amanhecer.
Para onde foi o Sol?,
diz-me, se souberes, incauto transeunte
como eu, que no espaço da Cidade,
entre agiotas e fariseus,
procuras a liberdade
e um Sol brilhando nos céus.
É de prosa este verso,
ó Musa
que a neblina esconde a Poesia no quintal
e as Rosas, se as há neste inverno, tremeluzem
no cativeiro
sem perfumarem este instante em que eu canto
e serem meu mor espanto.
Seria o Silêncio entre as notas tocadas
como a minha escrita
nas entrelinhas
ou seria o rufar dos tambores
ao Longe -
não sei -
mas despertei.
Tanto Caminho ainda para andar
que me esquece
o tanto de imaginar
e matutar naquela tristeza
que está na minha Natureza.
Não sei dizer «não» a Bóreas,
quando invernal
invade o meu espírito
e todo o pensamento tem arestas
como o vento
e gela a minha mão sempre fria
tão Longe da Poesia.
Se eu te vir dançar,
na onda
de um Mar,
saberei que és Luz -
sem nada te prender
às paredes do meu Ser.
Brilham, muito ao longe, as vidraças dos prédios
tão distantes - são sóis e diamantes
se penso
nesta Criança que brinca ao pé de Mim
e que passa
como tudo deve passar
como um rio até ao mar.
Ó noite, Imperatriz das vigílias
que os insones
carregam nos braços brancos e gelados,
vem e mostra-me
que ainda
a Dor não finda.
Talvez viesses numa outra hora,
num instante
que passasse de fugida,
mas virias e não vieste
e agora o meu Sonho é celeste
por que não vieste.
Revisitei as coisas da Alma
e trouxe uma mão cheia de areia -
praia-mar
aonde um dia fui buscar
aquele búzio de cós
que nos lembra que não estamos sós.
Se eu pudesse me lembrar
de todas as coisas
que já pensei,
não sei se seria alegre
ou se seria triste,
- o pensamento existe
o esquecimento também -
não sou alegre nem triste
sou para Além.
Tudo será serenidade
quando,
quando a flor no vaso renascer
numa primavera futura
quando no Longe do caminho
a flor for sem espinho.
Então, a utopia em que o mundo vi caminhar
é o caminho onde eu quero estar.
O café derramado sobre a página branca
do caderno
é a mancha escura que a noite lança
sobre a colina -
e, nesta arte real, também a escrita anoitece
e é nobre a mancha que se vê
e que também se lê.
Há um lugar nos outros onde perfeitamente
não há mácula nem impureza
tudo segue a lei da beleza
e é justo e singelo esse lugar
que se firma quando nos distanciamos
e de mais Longe observamos.
A Estrela guia no Céu
quem percorre os Caminhos da terra
como peregrino
ao encontro de um deus-Menino.
Agora que choveu, há um sortilégio
na cidade
e, na tarde, o cinzento do céu
define o contorno
das coisas: o prédio alto a flor sedenta
no parapeito da janela
e tudo embrulhado em cinza escura
é com um mal que sempre dura.
No tropel das palavras, há uma mais límpida
e pura - é a Esperança
que quer voltar à clareira dos mistérios
onde havia pinheiros velhos
e onde por entre a neblina
brincava uma Menina.
Aqui, onde o Silêncio corre devagar,
é que o Pensamento se abriga
da chuva quando chove
do frio quando faz frio
e por isso se sente a Alma contente,
alegre, porque sim,
eternamente em Mim.
Três estrelas vermelhas brilhando no Céu sereno
e uma lua lilás -
tudo no meu olhar tem uma nova cor
como a terra dourada
onde está
plantada a Flor mais amada.
Por esses campos, vamos lá, Irmão,
vamos lá colher a ventura
que é a Fortuna do haver
dentro de nós
um Sol sempre a nascer -
e, por isso, nunca tarda
na jornada
a primeira luz da alvorada.