My watercolor

Rasgado em Mim

o Coração,

como uma cartolina vermelha,

rota e amachucada,

sem servir para nada, 

observo e sinto,

que é dura esta pena

de já não ser muito pequena.

Sobre o outono

A árvore despida

parece já sem vida e sem alento

mas ver a árvore por dentro

é ver a seiva que lhe corre nas veias

e perceber

que é um outono que está a acontecer.

 

A lição possível

Na penumbra, o candeeiro dá a luz possível

ao redor,

e eu vejo apenas as arestas da mesa

nesse lusco-fusco do entardecer.

Quem dera o sol,

sem neblina,

para dar conta do recado

de não mais te ter a meu lado.

As folhas da tília

Haverá a força do vento

em cada folha

que agora é tempo e terra

tombada no chão

à espera da podridão?

Talvez,

cada folha cai só uma vez.

 

Pilgrim camino

O primeiro imperativo da alma

é o Amor,

sem sombra, e como uma Flor

que floresce,

em cada degrau da eternidade,

e ama a Liberdade.

De tarde

Amparo-me ao corrimão das escadas,

numa subida até ao 5.º andar:

podia subir mais alto,

como se escalasse uma montanha,

e do cimo dela eu visse

o Mundo inteiro,

mas, mais alto do que o prédio e a montanha,

está o Céu e eu, sem glória,

não chego a essa vitória. 

Momentos que brilham

Choveu. E cá dentro

de Mim

brilhou um sol sem fim,

porque correu a água por sobre a tristeza,

e lavou e levou

para tão Longe no Mar

o pretérito do verbo Amar.

 

Imaculada

Mesmo antes de respirares pela primeira vez,

já eras a Mãe de todos nós,

perfeita na Graça,

de cada homem que passa.

  

Tudo o que é raro

O abismo do Céu é mais raro,

mas, se nele tropeço

como numa pura inquietação,

pesam as horas de remanso leve

e a vontade falece adormecida -

oh, angústia da vida.

O chão por onde passo

É de terra esse chão

por que anseio,

trilho na planura pura -

estrada para adiante de Mim

cada vez mais perto

do fim.

 

Aqui e agora

Agora e aqui

é de Paz este momento

tão vizinho a Mim,

que me parece descrença

a guerra e a fome

que ao redor o mundo consome. 

Portraits

Ó Noite, na ínfima distância

do claro Céu, 

me vejo perdida,

é breu na minha vida;

e tão perto a estrela do amanhecer

sem a poder ter.

 

Traços soltos

Dos ramos altos

daquela

árvore nua,

sonho a verdade e a lua.

E como sem ver de quê,

porque o Caminho 

é estreito,

não colho fruto nem me deleito

e tudo guardo no peito.

Poema em dezembro

Há palavras que desaguam em dezembro

e constroem o Poema

do Presépio

- um burro e uma manjedoura

e, nas palhinhas deitado,

um Menino

que recebe o recado do Destino.

 

Este olhar

Tudo repousa no meu olhar.

Que vejo eu?,

do alto da minha altura

que não seja 

uma triste lonjura

e que dura só porque dura.

Como a água do rio

Último dia de novembro chega ao fim

e, como a água dum rio,

corre para aquela eternidade

onde há flores livros e verdade

e a Luz ilumina

como uma prata fina.

 

Palavras para tudo

Há um laço que une

a Palavra a cada emoção

e para a saberes

apenas precisas de seres.

Na cidade em que se mora

É Aqui

no centro de um fim

que toda a minha vida acontece

- deslumbramento -

mas é por dentro

que eu sou aquela que chora,

por saber que Aqui mora.

Aguarela em papel

Da janela, ao anoitecer,

é que eu vejo o Mundo tal qual é -

sombra de escuridão

luzeiros no Céu e no Coração.

 

Um outro palco

O transeunte põe a máscara de ser

um ator a viver

uma marcha pelas ruas -

não chora não ri

e não se engana na fala do Silêncio

quando tão perto de si

há um Louco que o olha e sorri.

 

Um chão que pisamos

Não sei não,

não sei dizer, 

não sei, porque não hei de esquecer

a Dor em que me fundo,

pura cal branca que aos mortos

é oferecida

e a Mim em vida.

 

Estrada para a praia

A neblina faz parte do Caminho

mas trechos há

em que a névoa se desfaz

e vê-se, então, mais claramente

tanto 

o quanto a Vida consente.

Paisagem de domingo

Reverdecem os campos ao redor,

e é mais pura

a bela madrugada

em que pensando e escrevendo

vejo o dia crescendo.

E, porque amanhece apenas uma vez,

sinto a saudade

da paisagem da outra idade.

 

Cor-de-rosa

para a Beatriz

Vê com os olhos que a infância

há de perder

o teu brilho e o teu florescer

e dá-me a mão, enquanto for o tempo

de me dares a mão,

e vamos sussurrando uma canção.

 

Um de nós

Debrucei-me da janela no meu 5.º andar

para perceber se o pedinte

era o outro

aquele que nunca somos nós

e é isso que nos faz ser tão sós.

 

De dentro para fora

Quando o impossível

for a tua linha de batalha,

pega num balão vermelho 

e deixa-o voar -

subindo ele é capaz de chegar

aonde tu queres estar. 

A uma desconhecida novamente

Vejo-te 

no limiar

da diária angústia,

e trazes contigo o som primeiro -

o choro-grito de quem nasce

a cada manhã fria

sem ter aquela Luz que alumia.

A uma desconhecida

A tua génese maternal

conduz

e ilumina

um infante salvador -

e não é loucura -

todo o caminho na fria madrugada

é no Mundo 

uma suprema estrada.

Mil anos de silêncio

Parece até que foi ontem,

quando, de trás das grades nuas,

o ranger dum outro ferro

cortava o silêncio

na noite -

mil anos são passados

e, agora, devagar

sem grades como te vou Amar? 

Fiesta

Fazem falta as Palavras primeiras,

que dão à maior Verdade

um sopro 

supremo de Liberdade -

e, então, é uma festa,

e o sentir cabe

todo

no Coração dum povo.

 

E de súbito

E de súbito a tarde escureceu

talvez

levada a claridade

para uma outra terra com outro horizonte

onde cantem as fontes

e as gentes à desgarrada

deem a escuridão por acabada.

 

Um fulgor

A nossa idade de ser Criança

foi esquecida

e, como um sopro,

esta vida,

num momento, foi perdida.

As coisas simples

Sento-me na esplanada.

Bebo um café.

Talvez não chova por um momento

e eu assim possa estar

imóvel, 

vendo gente a passar.

O instante surpreende

É quase uma elegia esta Palavra triste,

e se no sonho existe

e se no sonho é real,

Pagã infeliz,

é a tua condição mortal.

 

Outono em Sintra

Naquela folha branca de papel,

é que eu quero existir

como marca de água quase transparente

ao redor de toda a gente -

mas cai a neblina rente ao alcatrão

e uma chuva ligeira

desfaz a folha de papelão.

 

Os pássaros que cantam melhor

Tenho a Alegria à minha beira,

hino e canto

nas entrelinhas da folha de papel

quando desenho a ideia,

que vem de um pensamento,

como um pássaro

que só sabe cantar por dentro.

 

A flor no quintal

É domingo.

Minha Alma aflita parece que grita,

clamando pela pura retidão dos dias

em que Tu virás,

bem sei que virás, mas, sem saber

a hora, 

tudo é demora.

Veranito

Após a chuva,

sem pressa, veio o sol timidamente

lembrar

que um outro tempo há de chegar.

 

A caminho

Um rio corre

por entre uma multidão rochosa

de seixos de calhaus de pedras

como se fosse um Pensamento correndo ao relento

até chegar como o rio a um Mar

de sargaço

pronto para acolher a vida

e o Mistério

do nosso Império.

A minha árvore preferida

Alta e despida,

a minha árvore preferida

é um outono de Silêncio límpido

da Natureza

e não cabe em Mim qualquer tristeza

de ser este o fim

da Beleza.

Reflexos

Com a chuva que caiu

um espelho de água nasceu à minha frente

no asfalto 

e os prédios da cidade

desdobram-se pela metade

num irreal singular

onde aves vêm pousar.

O vaso à janela

Junto à janela aberta

parece que a Alma desperta

e é puro o Amor

quando rego a Flor sedenta

e vejo que o Mundo se contenta. 

Folha de outono

À folha de papel recontam-se

as aventuras -

e são entrelinhas foragidas,

que o pensamento

consente,

consoante a idade presente

nem sempre igual

ao tempo universal.

  

Ao virar da esquina

A outra,

a que está dentro de Mim,

é a que tem o Sonho sem fim

de pedra a pedra resgatada

fazer uma morada.

Recado de novembro

Que chova,

porque a chuva

cai na goteira do Coração

e não é em vão a estrada molhada

e o campo regado

como convém

se a chuva vem de Além.

 

Centrada ao sol

A árvore, centrada ao sol, irradia

de um só ponto

para o Universo

a singularidade 

de ser

uma árvore a arder. 

Sine verbis

Tão ao Longe, eu oiço o tanger dos sinos,

dobram por alguém

que morreu

hoje e ontem aconteceu

- sem Paz o mundo de tudo se esqueceu.

Nada é pequeno

Do universo, os deuses clamam

se um singular

grão de areia se perde -

tristinho

no infinito da vida,

eu sou como uma bola de papel arremetida

que tem dentro

uma Palavra nunca lida.

Ritmos de leveza

Sinto a chuva numa cadência suave

a escorrer pelo meu cabelo

e ombros e peito

cobrindo-me toda de suavidade

ao ritmo

de quem colhe em si uma Verdade. 

Verde é o lugar

A encosta nas traseiras do prédio

dá pasto aos meus olhos

que famintos por não verem

na Graça de cada dia

um horizonte muito claro de Palavras

muito sãs

se entristecem todas as manhãs.

 

Hoje, domingo

Hoje, domingo,

é o dia

de ser Criança

tomar a barca naquele cais

de brincar

e rumar para um Longe firme e seguro

de um Sonho puro.

 

El camino

O meu Mar e o teu Mar

na parecença

lembram bem

que o meu Mar e o teu Mar

são o Mar que a Vida tem.

Los días de lluvia

Pulsa o Coração

e é um compasso

que espera

como se uma mão no peito pousasse

e a outra mão no ar se agitasse.

 

O primeiro herói

O primeiro herói não é aquele deus

do Olimpo

que forjou no aço a espada da lei

remotamente perdida;

o primeiro herói

nos deu o pecado e a vida

e a angústia 

também

que este Mundo tem.

Veredas

Sobre o Caminho que faço

só direi

da inquietação

que me move no pisar de cada pedra

como se não pudesse esconder

a dor de aprender.

 

Canção da chuva

Antes a paciência

era a demora,

e triste, como num dia de chuva

sem chover,

era uma espera sem hora de acabar

nem a chuva começar.

Em qualquer lugar

Aqui, onde há laranjeiras de Paz,

pouso a minha mão

descansadamente no regaço

e sinto nisso um laço

com quem é mortificado

sem ter

um clarão de luz no seu Ser.

Domingo

Antes que o outubro acabe,

deixa-me vogar

neste Mar,

que é sombra também na escuridão,

e, na passagem 

do breu muito escuro

para a luz, vou e faço a viagem

sem me cansar,

pois na vida aqui se há de chegar.

Coisas prateadas

Neste jardim, sou o fim

e o princípio

também

que a Vida tem;

e, se entardeço, e já me esqueço

da Luz branda

do nascer do dia,

é porque me cansa de Saudade

da manhã 

o morrer da tarde.

 

Arte de rua

Tanta é a quietude por entre os ramos

das árvores

que só eu balanço,

folha de árvore, como se dançasse,

e nesse movimento 

sem sopro nem vento

busco 

o meu único alento.

  

Uns e outros

Uns e outros pensamentos

são um novelo

tão denso

que é preciso desemaranhar

o verbo recomeçar

sem o julgar.

 

The tapestry of life

Reencontro aquele seguro porto

de onde viajei

para as descobertas,

mas agora a Hora

em Mim já não chora

e parece viver longe do mal-ser.

As folhas

Haverá um lugar para Mim,

quando as folhas

se rasgarem

de tanto serem pisadas

neste chão

que é o chão da multidão.

 

O meu outono

É passageira esta quentura

de oiro e prata

em que o sol e a lua

são uma promessa nua.

 

Por esses campos fora

Caminho pela calçada

como se pisasse a terra e os ramos

de um trilho campestre,

porque da Cidade não sei fugir

e tudo aqui posso sentir.

 

Fábulas

Ofereço-te este dia verdadeiro,

e inteiro

o calafrio da vertigem

de Mim

parece chegar a um fim.

 

Tarde

Agora é tarde.

O que antes era já passou.

E, nesse Milagre, toda a frágil utopia

que o homem fez

se desfez.

O rio de cor azul

O Sol, o eterno aguarelista,

pintou de azul cobalto

este momento

em que corre o rio e sopra o vento

na largueza do meu pensamento.

É chegado o outono

Tanto é o silêncio nas árvores

que sem ruído

cai a folhagem velha

e, no chão, fica um rastro da realidade

desta morte

que só um verso exorta tardiamente

depois de sentir

que a primavera há de vir.

Bela luz

Efémera, a bruma

é um compasso de espera

entre o agora e o que antes era.

A colheita

As palavras são o broto

que nasce

do subsolo desta terra endurecida

minha Alma

colheita perdida.

 

A flor do quintal

Esquece a jornada

e olha

para a Flor

é ela o primeiro Amor

errante,

hoje tão distante.

Recado de outubro

Ninguém nesta hora da madrugada

pode amanhecer

a saber

o que no dia acontece

se se alegra ou se se entristece

com o Mundo

ou com o seu Sonho profundo.

 

Em pedacinhos

Pego no lápis de cor de vermelha

para colorir a maçã

que vou trincar

mas mais parece uma Rosa

a maçã nesta glosa.

Uma rua

De Sol são as pedras

da calçada,

agora que o brilho da Luz

nu

afaga o empedrado do passeio

e eu o sinto no meu seio.

 

Diálogo interior

Rego o broto

e aguardo

pela sombra da árvore adulta

que já não verei,

mas por isso a reguei. 

Os passos em volta

Nestas madrugadas de Silêncio

e frio,

sou, nos recantos da Casa, aquela que caminha

ao encontro do dia claro

- e isso é algo raro.

 

De outra maneira

Quando te vires ao espelho,

mira-te

e não tenhas pressa -

pode ser que de ti a imagem

seja fugaz

mas seguramente te dará a Paz.

 

Coffee after coffee

O vento chama por ti.

E é um clamor

que troa 

sem ter fim

no universo de Mim.

 

Sinais de outono

O Caminho é um estar ali

naquela curva

daquela estrada,

seja o anoitecer seja a alvorada

esperando

que em nós a vida aconteça

e que uma bênção de deus desça.

Espaços vivos

Tão grande é o presente

que a minha Alma desconfia

da imensidão do espaço

de um Coração

que não conheça o perdão.

 

Paleta de cores

Desconheço da inquietação

o sumo prazer,

que é o procurar

o que é a vida em cada lugar.

O jardim

Na esplanada no jardim,

o Universo

não tem princípio nem fim

é tudo um ser e um estar

e quem se senta

fica com a Alma sedenta.

 

Somente hoje

O «U» é de uva,

bago sem grainha,

que, do cacho da videira colhido,

parece viver

brotando do seu Ser.

 

Outonal

O outono passa ao meu lado,

e é doirado

e melancólico

como se tudo fosse estremecer

em cada folha que tomba

e em cada folha voasse uma pomba.

 

Os dias mudam de cor

Onde?, a Luz

que clareia o Ser,

e que muda para sempre o sentido

a um rosto perdido

escondido

no meio da multidão

preso

à sua solidão.

Toda a música

Se eu pudesse

e sem cansaço cantasse

num trinado de melodia

soltava esta minha Alma fria.

 

Bonita nuvem

No movimento incessante do Céu,

vejo que também eu

estou de passagem

e sou igual

a um Céu limpo, ideal.

 

A rosa

Parece-te feliz a Rosa

no jardim,

porque no teu sentir

há uma Rosa a abrir

como se abre um Coração

e é como um sopro na imensidão. 

Fotos antigas

O sépia pinta a imagem desfocada

e parece até não haver

memória

de um amor

quando ergo a foto à contraluz

e reparo

que o Amor é um caso raro. 

As páginas depois

As páginas depois

não me trouxeram a Verdade

mas mesmo tarde na vida

quando a mocidade é já vaga

há uma chama que não se apaga

e que é a nossa Voz

que está no interior de nós.

 

O tempo das coisas

Não queiras, Musa,

que se desfaça o encantamento

é cá dentro

que o espírito vive

na plácida hora da criação

quando tu me dás a mão.

Viagem a Sul

Regresso da intrépida viagem

saboreando o fruto

da Esperança

limpidíssima lembrança

de onde é

o ser Criança.

 

Aquele mar gentil

Daqui partimos

e o Mar 

é uma estrada suave a que voltamos

sempre 

e a Coragem não nos abandona -

planícies de encontro

com a Memória

- Tudo é um tempo de Glória.

 

Coincidir

É assim

quando a Palavra coincide

com o objeto:

e o nome secreto

o nome que dorme no espírito de deus

acorda nesta vida

uma Alegria até aí desconhecida.

A arte nova

No ofício do oleiro,

há uma aguarela da vida

silenciosa

tão bela como uma Rosa.

 

Uma brisa

Barco em terra não navega,

ainda que a brisa

o afague

e incite a desfraldar as velas -

barco quer-se em rio ou mar

para partir e voltar

e é sempre aí que deve estar. 

Domingo à tarde

A exata ciência não explica

porque uma hora

se demora

e outra hora se vai embora

tão prontamente

que quase se não sente o seu passar -

talvez nas Ilhas Afortunadas

não haja horas enganadas.

 

O mestre

Agora que as árvores ocultam

a colina,

num esquecimento

fica o caminho do Tempo,

quando o foi

mais suave no destino

que tanto é

como a lua e a maré.

 

Diante do abismo

Diante do abismo,

é preciso

um olhar para dentro -

aí mesmo no centro,

onde as águas 

da terra e do céu se cruzam

e um milagre invisível

é possível.

Espanto próprio

Sem adivinhar,

se o vento

sopra de feição,

o marinheiro ergue a vela

e confia em Si

tanto, como nunca vi.

 

À beira-rio

Leva tempo

sonhar o rio que, como cascata

num desafio, vai para o Longe

para ao pé dum Mar,

mas que está sempre, em Mim, a chegar.

Interlúdio

Ao redor do meu corpo,

é mais tranquila

esta manhã que dura ainda

no agora do entardecer -

rasto suave de uma contradança

que não deixa morrer a Esperança.

Através das árvores

- Traz-me a Bondade,

se a puderes saber,

é uma estrela firme presa

no chão

que incendeia cada Coração.

 

Mistério no mar

Importam-me as janelas fechadas

que como um ventre

vestido

fazem do silêncio nascido

da vida 

o único sentido.

A praia é nossa

Parece Beleza

o sol límpido e puro

que brilhantemente chega e vai

daqui até ao fim do mundo

e em cada praia

nossa

a vida se remoça.

 

A camponesa

Abri a porta e sorriste,

como quem traz o amanhecer nos lábios

e procura

na sua Alma pura

um vestígio dos campos

e da giesta

- mas que Camponesa será esta?

 

Um só lugar

Triste, Longe eu caminhei

sem saber que no fim

tudo está na Fonte de Mim.

 

Serenidade

De um lado balança

a Esperança,

do outro lado, corre a brisa do Mar -

serena, Criança,

o Mundo foi feito para te Amar.

 

Viagem insular

Neste navio por grandes penedos

singro num Caminho

rochoso

que melhor me convém

para ser neste mundo e mais Além.

 

E hoje foi assim

E hoje foi assim,

tão perto de Mim

de Mim

tão perto

que o dia foi completo

e como quem plantou uma semente

para no futuro dar de comer

eu saboreei o meu Ser. 

Nel momento giusto

A tarde parece que quer anoitecer

para no sono mergulhar

e Sonhar

e acordar, depois, na justa manhã

para de novo entardecer

numa eternidade

de ser um Sonho sem idade.

 

Cerimónia de passagem

Caminho na terra às escuras,

porque é noite

e não há no Céu um clarão

rastilho 

da Alvorada

que seja a nova morada.

 

Um outro olhar

Uma pedra uma árvore

são um tesouro

de ouro

liso e puro

que nele de quando em vez

vês a obra que deus fez.

A última roseira

Contém um Sonho

a Rosa,

que floresce no roseiral -

mas também um dia há de morrer:

o Sonho e o seu Ser.

O canto da montanha

Sobre nós voam as aves

da montanha

e iluminada e pura

a Voz

nos encanta quando estamos sós.

 

Trees, in blue

As árvores de ontem

são hoje azuis

tais que acordaram no pensamento noturno

do Poeta

e do Azul se fez a maré

da volta do mar que nunca mais é.

A grande beleza do silêncio

Deu deus às árvores a raiz

porque quis

que do fundo da terra se erguessem

fitando o Céu

- e também eu -

por isso guardamos

o marulhar dos ramos. 

Entrelinha por entrelinha

O meu espírito está cansado

de alinhavar

e de costurar em papel de remendo

uma angústia macerada

que só pode ficar calada.

Rumo ao centro

Há uma Palavra escrita no desenho

das letras -

e eu soletro

como quem aprende a ler

o interior do seu Ser. 

Ave Maris Stella

Pedras da vida, ó Lila,

por que as pisamos?,

nesses Caminhos que são deserto

e fogo

e neles a imensidão da eternidade

brilha firme como a Verdade.

Ruas vazias

Ruas vazias de deuses,

tão só

a dura humanidade

descontente

e gente que fita

o cais

aonde não vão os imortais.

 

Marcador de página

Procuro, em vão, o verso

que perfeitamente

seja

da mão certeira a Esperança

de o mundo um dia

ser Criança.

 

Harmonia

Cais de partida,

a vida

que eu não sei

e em lágrimas derramei.

As palavras importam

Nada. Nenhum alento

é mais forte

que uma Palavra que importe

como num dia a Magia

que no meu Coração havia. 

Para a vida

O pensamento brinca comigo

(ele é o meu abrigo

e meu fiel tormento também)

como alguém que quer brincar

e só sabe alinhavar

o ponto a ponto que a vida tem.

Luar em agosto

Lentíssima, foge do meu olhar

na noite clara,

esta lua que não se esquece -

favo de mel brilhante

obreira da maré

daquele que sabe quem é.

 

Na volta da viagem

Certeza de recomeçar

e de reerguer

a Voz

que no Silêncio emudeceu

sem saber a Hora

e vê que é Agora.

 

O anoitecer do verão

Este é o meu escutar 

de andarilho -

colho uma Palavra aqui e além

e sopro -

então anoitece 

e tudo me esquece.

 

Os tecedores de palavras

Moram as palavras na volta de dentro

do pensamento

e é longínqua a gargalhada

por se saber

que chora em pranto o doce Ser.

 

Água do mar

Prodígio

de te procurar

nas águas do Mar -

e sem saber dos confins a condição

bem me parece

que o passado não esquece. 

Sem título

Quanta realidade

nestas aves

que esvoaçam no meu Sonho;

nem a escuridão nem o Silêncio perturbam

o seu voo oblíquo

e cada asa flamejante

é luz num novo instante. 

Perfecto

Do bordado brandirei

a Verdade

contra a guerra miséria e fome

contra a injustiça e impiedade

que são os outros nomes

do puro mal

neste mundo mortal.

 

Acima do mar

Tanto céu e só há uma página

no nosso Coração

tanto como a imensidão

e que única e singular

a vivemos

porque a merecemos.

Um passo diferente

Hoje, é de sempre o dia

aguardado;

não há sombra nem incerteza

e é pura a Beleza

de um vaso partido

se a Flor tiver nascido.

 

O poente

É ao entardecer

que é mais suave o dia -

e uma luz que se apaga nos distancia

da dor que em nós havia.

 

Uma espécie de mistério

Brandamente a respiração se exala

e parece até que se sustém

não vai nem vem por um momento

em que sangra

cá dentro

a minha Alma sem alento

sem o ar

que dá sustento.

 

Tinta sobre papel

Demoro-me neste pensamento,

que é todo ele coisa de Mar;

onda que vem,

onda que vai,

marulho e uma gaivota

que quer voar,

mas não sabe por onde começar.

Talvez morasse noutra rua

Se um verso viesse cotejar

a aridez

do meu pensamento,

por certo, bem perto, nesse vazio

encontraria

a minha Alma de vigia.

 

Cenário urbano

Desenhei uma côdea de pão

na calçada

e vieram os pássaros de luz

iluminar a gravura,

que pisamos

quando caminhamos.

 

Avós

Vamos conversar uma conversa

sem fim -

tu és a menina e eu sou o jardineiro do jardim -

e falamos de Roses e daisies,

lilies e violets,

e nisto o Mundo fica completo

porque te tenho perto. 

Tempo perdido

Brilhante estrela,

que cativas quem importa,

vem brilhar à minha volta,

vem ser o Céu ao meu lado,

não olhes para o meu pecado.

 

Horizontes que se abrem

Pego no livro antigo

e leio

o que já reli -

toda a aprendizagem é assim -

e num momento esquecemos

o tanto que já vivemos.

 

Entre colinas

Que é da força do vento

cá dentro de Mim?,

que ventania é esta que molesta

toda a natureza,

mas que cá dentro não encontra alento

nem força de vento

em nenhum momento.

 

Caminhar à beira Tejo

Se me perguntas,

por que havia eu de voltar

a ver o Mar,

te direi

que sou rio

e sou gaivota

e o meu Amor não se esgota.

 

Passageiro do mundo

Do mundo, guarda apenas

um sorriso

de Criança, à beira do anoitecer,

quando nela a vontade de viver

é o cúmulo de todo o saber.

 

As flores

Não cabem nos meus braços

as flores que abraço;

são mais e maiores

que as espigas da seara

que nos dão o pão 

ou que as estrelas num firmamento

sábias 

e que por magia

desaparecem todo o dia. 

Tanta coisa antiga

Tanto do antigo se remoça

que hoje

não sei acertar

se o vento da guerra

ou se a paz obreira

são a escolha derradeira.

 

Em papel

A Liberdade um dia fez-se Poema

e passou por todo o lado

e também aqui chegou -

e eu vi a Criança

nascida da Esperança

com os versos a brincar

como quem apenas sabe soletrar.

 

Perfeitas vozes

Deste silêncio irrompe uma canção

e o mantra

que parece não ter fim

somente se repete num pensamento circular

que diz:

«a vida é a raiz». 

O lugar na calçada

É o sítio da árvore 

este lugar

onde a terra está mais próxima

do Céu; e cada ramo estendido 

lembra de deus o seu Sonho perdido.

 

Solo profundo

De dentro, tudo vem,

a alegria,

e a tristeza também -

por isso, se me canso de tanto viver,

é apenas porque cá dentro

parece anoitecer.

Eterno viajante

De vento em vento,

corres a Alma e o mundo,

e sabes

que ao entardecer

amanhece o teu Ser.

 

Móbil sol

Na coroa de Rosas,

as mais formosas

são como um hino cantado

e que à semelhança da Luz

cruamente

joeiram toda a semente.

 

A última bailarina

Havia um tempo em que dançavas

na soleira da porta

e no quintal

nesse tempo a esperança não estava morta

e a bondade no ato de te ver dançar

dava vontade 

de para sempre amar. 

Ponto de fuga

Por entre os prédios, na cidade,

horizonte não há

nem profundamente se vê

e tudo esquece

e sem memória

não há um momento de glória.

Verso solto

Nada acrescento

aos dias

mortais que são iguais -

mas a brisa que corre e que o meu corpo

afaga

leva a tristeza para longe

e apaga a mágoa.

Com confiança

Lá, onde a Noite persiste,

inunda o Céu

o luar -

e ninguém pode então ser triste

o luar é promessa

que sara

mesmo a Dor mais rara. 

No alcance do tempo

Murmura a voz,

«este é o tempo em que habita em nós

a mansidão

no nosso Coração -

frágil pedaço de Céu,

que revela

a hora da hora mais bela».

O girassol mais lindo

O girassol mais lindo do mundo

está neste vaso

de flores;

e mirante dardeja o buscar

só para onde o Sol há de estar. 

Um sossego

Pequeno Sonho

de que acordei encantada

tão palpável tão real -

seria um Sonho afinal? 

Traçando direções

É mais invisível este jardim

agora que no calor

do verão

ninguém aí se demora;

mas eu teimo em plantar 

rosas, muitas rosas,

de vã glória e triste fama,

com que a minha Alma se engana.

Marcador de página

Tudo é possível

e nada existe no meu Coração,

e nem a sombra que eu um dia visitei,

no encapelado do sentimento, 

vive mais,

e é como se o Coração fosse um cais.

Fim é começo

Brincam as Crianças lá fora

e, desse tempo que em Mim ainda mora,

sinto uma Alegria perfeita -

brincos de prata,

que a vida não mata,

estão em Mim

do começo até ao fim. 

Intervalo

Como em jogos malabares,

o meu corpo

sente a dança e não descansa -

e num verso também,

a Palavra vai

e vem

no pensamento de alguém.

 

Boneca de pano

Se eu fosse olhar

para onde a terra acaba

e começa o mar,

certamente não veria o boneco de pano,

no cimo da encosta, que, como gente que quer sossegar

da labuta de cada dia, 

está imóvel e na Vida confia.

Babel

Lá,

onde um dia residiu a Esperança,

é que eu quero estar

para subir por dentro da memória

antes que o pensamento

se confunda

e seja uma tristeza profunda.

Não conhecia o mar

A cada dia a sua descoberta;

e, num dia mais claro que os outros,

antes mesmo que o orvalho

ofuscasse de brilho

gotejante

a Natureza,

eu procurei por Ti

e vi o Mar,

em ondulação serena,

robusto,

trazendo daquele confim

uma Verdade 

para Mim. 

Os gigantes no caminho

Mais rente à lembrança,

como se

pudesse entreter um sonho pueril,

recordo tanto 

que não distingo já o que é realidade

do que vive na imaginação;

e parece-me estonteante este acontecer

breve 

no meu Ser.

Arte visual

Apresso-me, agora que os dias

têm nas tardes

a longura da noite,

a encontrar em Mim um propósito

novo,

como se, com um outro olhar, 

eu pudesse vencer 

este destino

de ser

uma ave que esvoaça

apenas quando o vento passa.

Final de tarde

A olhar o mar Egeu

desenho o futuro das Naus 

que voltarão

uma e outra vez do Longe 

mais Longe

da suma distância

até consumir a minha ânsia.

Chuva de verão

Será Arte, ou bênção,

na madrugada,

a chuva

que insone 

eu quis sentir

para, lembrando, sorrir. 

Ação imperfeita

Se tudo fosse perfeição,

na humana condição,

a deuses seríamos iguais -

e tais,

sem morrer na morte, 

teríamos uma outra sorte.

Verde

Dentro de nós, a cor permanece

sempre viva -

e é um espelho no nosso Coração,

onde a Alma se pode olhar

no verde

da cor dum Mar. 

Geografia

Ensaio os dias futuros,

na janela

do meu quarto,

simples geografia

que contém

a Luz do mundo mais Além. 

Summer solstice

Respiro brevemente

como tão breve é a vida também -

e sinto na Luz longa deste dia

um instante de Harmonia

que só no Mundo não havia.

 

Ânsia de pouquidão

Pequena Alegria, sê guia

e conduz

a esse Universo de Luz. 

O caminho das águas

Sempre me iludi na escolha

de caminhos -

pensando ir adiante, afinal recuei

e tantas vezes me enganei -

por isso, agora, vou diretamente até à foz,

sem escutar aquela minha voz. 

De salto em salto

Brincavas com as pedrinhas

e saltavas no jardim 

inocente e feliz

só tinhas uma estrada para a alvorada

e por isso ao amanhecer

não havia enleio no teu Ser. 

Folha-coração

Pendem dos ramos das árvores

as folhas verdes,

alucinadamente verdes,

que brilham incandescentes

de tanto terem a forma justa de um Coração

rendido à compaixão.

 

Na curva da estrada

Parece-me mais quieto este dia,

agora que a minha Alma

no Silêncio

se encantou,

e talvez milagre seja

não ter aquilo que se deseja. 

Uma rosa para abrir caminhos

Magicamente, 

não sei,

uma Rosa recebi

e brilhante e pura

misteriosa e excecional

azul

como ela não há igual. 

Trégua

Que me ofertais?, ó deuses

da suma planura.

Que promessa é esta?

 

Que Caminho?,

que me vejo sem sombras,

mas sozinho.

A meu sentir

Parece que é para sempre

este ondular suave

dos ramos das árvores -

mas não é.

Virá o estio e o inverno,

porque nada é eterno.

Na cidade

Tudo me sustém para Além

e se prossigo

é porque, no movimento do Mundo,

antes de haver um saber,

há no homem o Ser.

Ilusão

Por que havia eu de contar

cada dia -

cada dia é apenas

ilusão 

numa conta de multiplicação.

 

Pátria

No fulgor do entardecer,

a encosta

brilha como se acordasse -

e num encantamento respirasse. 

Flower garden

Neste canto do jardim,

parece-me

que se alegra em Mim

minha Alma que de vaguear não se cansa

e que procura

o que ninguém nunca alcança.

 

Domingo

Há mais Silêncio,

como se a Terra tivesse engolido

cada verso

e o magma das sílabas irrompesse

em lava

violeta e anil

com uma graça juvenil.

Atravessando a planície

A longuíssima viagem começa e acaba

no meu Coração 

e o compasso é o passo firme

da jornada,

mesmo que o caminho seja o nada

e o passo a ilusão

de que não caminhamos em vão.

A bordadeira

Escuto o tombo da árvore,

que cortada

rendilha o caminho com os ramos,

e parece-me isso um bordado

de recanto aberto

como num lenço de mão

- que se tem junto ao Coração.

 

Mistério

Céu ou Mar?, espelham os olhos teus

e assim como deus

nos dá a sua graça

Céu ou Mar?, é mistério que nos abraça.

Menos passos

Da minha janela, vejo os navios

que cruzam

num rio que eu imagino

águas sem destino -

e talvez cheguem a um Mar

(imaginado também)

porque o meu Sonho é para Além.

 

Até adormecer

Tudo muda

no ponto em que adormeço

e do mundo esqueço

aquela dor

dos lugares comuns da vida

que a fazem preenchida.

 

Metamorfose

Toma uma flor nas tuas mãos

e, nesse gesto simples,

desfruta a emoção -

a flor há de morrer,

quando o instante passar, 

seja qual for o lugar.

Tarde de domingo

Talvez uma gaivota viesse

e trouxesse no bater de cada asa

o dia puro -

mas não vem e eu murmuro

uma imorredoira

oração

pelos dias que são em vão.

 

Maio, maduro maio

Liberdade, por que não voltas para Mim?,

- porque Criança me perdi

nestes Caminhos que são de ninguém

e jurei ir sempre mais Além.

 

Correm os dias

Ventura de ser

e de não se perder

- ó ribeira que cantais,

enche o rio enche a fonte

enleva

o meu horizonte.

 

Dia da espiga

Para ti colhi o ramo

e colhi também na vida

uma esperança renascida

contra a corrente

daquilo que deveras se sente.

Pedras de subir

A cada degrau

que subo

eu descubro

um novo chão

e essa é a minha imensidão.

 

Hermosura

Regresso aos penedos e rochedos

como quem 

de uma viagem vem

com um verso na Alma -

beauty destas fráguas

que permanecem

e são o lugar

de um constante despertar.

A porta da frente

Não é a minha porta,

mas que importa,

se o Caminho em frente

me leva por entre as gentes

e eu descubro

que afinal o medo

não tem nenhum segredo.

Elegia

Tanto de rio me acho semelhante

que eu corro para diante

de Coração às vezes preso

na dor na inquietude 

no desalento

de não ser como um rio até por dentro. 

Os campos vazios

Esculpo na tarde o poema

como se fossem pedra as Palavras

duríssimas fragas

e augustos penedos

livres de todos os medos.

Por dentro

Enfim, 

parou de chover,

mas não sei se não chove Além

e cá dentro, no meu Coração,

pois as novas do Mundo

as que soam e são

me vergastam até mais não. 

Coisas simples

Na encosta, a linha do horizonte

limita

o meu olhar -

e apenas resta o Céu circular

em todo

e em qualquer lugar. 

Esta é a tarde

Nem se ouve o correr do vento,

que é nortada,

o Silêncio é mais é maior

agora que o Tempo permanece

portas adentro

como se não se escoasse

e do quotidiano da vida me libertasse. 

Três tons

Três tons de azul, que perfeito!,

três tons presentes

neste peito

qual insígnia carnal

em louvor

do Céu a cor.

 

O pão e a água

O verso deixa a sua pegada na areia da praia

e espera pela rebentação

e pela espuma

para renascer em onda

num novo passo

firme

e sublime.

 

The walk

Deambulo.

A tarde é quase nada.

Uma mão fechada sobre o peito

e a outra sobre ela pousada em gesto de oração -

não há multidão

e eu perco-me em vão.

 

Instante

A perfeição onde está?, neste dia claro,

da gente inocente, a desdita

que nos fita

que nos fita

ó Alma que acredita.

 

Gente quieta

São azuis os sete Céus

que, no relento,

se abraçam - 

e nesse Abraço aconchegante

nada é distante.

 

Regressos

Os deuses regressam sempre

à hora

do entardecer 

e é uma orvalhada de espanto

sem eu entender

o quanto

do quanto posso ser.

A perder de vista

Alguém passou por Mim sem me olhar -

nas grandes cidades

é assim -

passamos e não olhamos nem sabemos

se resvala uma lágrima

na imensidão

de uma dor no Coração.

 

O tempo das coisas

Não respires por um momento

e deixa que o sopro

do vento

que vem e que vai

seja o teu alento formoso

que te dá ânimo e satisfação

no tempo em que as coisas são.

 

Cercanias

Duvido que este lugar esteja fora de Mim,

tanto o sinto como paz,

paraíso fugaz.

 

Somos instantes

A esferográfica pousada em cima da mesa

repousa de tanto penar

a pensar -

e comigo e mais perto em Mim

percebo que também eu estou assim.

Gesto simples

Tiro o chapéu largo e é a rodá-lo

que eu te saúdo,

ó Caminhante,

que, numa terra distante,

não importa 

a lonjura,

és uma sublime criatura.

 

Incertamente

Ao alto do céu, aonde chegam

as copas destas fantásticas árvores

que eu desenho à noite antes de adormecer,

chega também o meu suspiro,

não de morte,

para que um deus conforte.

 

Antes que venha a chuva

Toda a fotografia é guardiã

de um tempo,

que em fragmentos se alcança,

por isso, em cada um desses pedaços do passado,

temos a infância ao nosso lado.

Apenas uma viagem

Obedeço ao espírito dos lugares

e entro e saio e é apenas uma viagem -

mas, se eu pudesse querer,

eternamente eu ia permanecer.

 

Ao lado duma porta azul

As estantes da minha memória

têm livros

que eu não conheço

porque nunca os abri para os ler

- tal também é o tempo voraz

que esquecemos e jaz.

No papel

O oráculo é a voz que se escreve,

quando o sonho

tão breve

lembra que estamos sós

como rio que corre para a foz.

 

Stella Maris

May's rose,

rosa de maio, estrela do mar,

Mãe que enxugas as lágrimas do mundo, eia, 

vigilante de cada instante

do bravo Caminhante,

sê também consolo na desdita,

quando um rosto te fita.

  

Batalha em campos verdes

O Silêncio olha-me, 

mira-me, fita-me,

dói

e numa luta por um instante

tombo na guerra

deste rei

um pensamento sem lei.

 

Cada momento

Não, esse caminho não é o meu -

é de alguém que ofereceu

a vida para uma festa

de grinaldas e de botequins

e a tudo diz sins.

 

Quem deixou entrar o maio?

Como um cântico inesperado de saudação,

entras, maio, na minha vida -

e não voltarás

nem eu olharei para trás

a ver

a inquietação de te perder.

Se tiver sono

Chega o final do dia na tarde

e eu busco

numa reflexão

a existência perfeita

súmula deste viver

para enfim adormecer. 

Recado de abril

A orquídea floriu

- eis o compasso -

e num Sorriso se abriu

como num laço.

Pedra bonita

A voz demora

e na ausência do tempo passa a tarde

como numa eternidade -

por isso gravo na pedra nua

com estilete de diamante:

é este o meu instante.

 

Franciscus

Não regressei a Casa de mãos vazias

- comigo e com os outros

em Mim,

vi no espelho da vida

a face que contém

o rosto que deus tem.

 

Manhã de abril

O luminar do Dia é essa flor vermelha

que na vastidão

lembra o teu Coração,

Companheiro, 

na luta pela justiça,

a Liberdade é a liça. 

Ilha branca

E a onda vai vai por esse mar fora,

antes dos deuses

nos concederem a vida

e a esperança,

na onda vai a Confiança.

 

Terra

Devaneio de ser Tu -

um milagre

que luz

neste chão de terra da vida

que sempre contém

o sofrimento de alguém.

Retratos da cidade

No jardim, as flores que encanto

lembram

uma multidão quieta

que na hora de despertar

da prisão

se despe da ilusão.

 

Mapa das marés

Colhe do teu corpo inteiro

a Verdade -

pois nada mais é preciso

nem riquezas nem ostentação

nem ilusão

nem uma breve canção.

 

Páscoa

A folha solta de papel guarda nela

a Palavra mais bela -

Aleluia,

fez-se Luz

no Mundo com uma Cruz.

 

À beira d' água

Como um rio correndo,

eu desço à foz

e chego a um mar sem idade -

e tremo na descoberta

de que a Verdade é certa.

Spring shades

De que cor é o Céu?,

deste Mundo,

perguntei um dia ao mestre

e ele respondeu que a cor celeste

se veste

da sombra

e da escuridão

que existe pelo chão. 

Por dentro

Escuta: 

é uma hora sem história

é um instante que faz

este verso de Paz.

 

Tudo o que vale a pena

É Noite.

E na Noite se abrem em sorriso as estrelas.

E é quanto basta

saber

também um dia elas vão morrer.

 

Tempus fugit

Na hora da vigília, o meu Coração

fica mais perto

desse outro Coração

que, bravo herói do entardecer,

tatua no seu peito

o amor-perfeito.

 

Desenhando um rosto

Desenha-me um rosto

na circunferência redonda do Mundo

e verei nascer o Poema

nos olhos claros que o rosto tem

- Diz-me, é quem?

 

Serenidade

Na agenda em papel, marco os dias

esperançosos

e a Lua

que é uma sombra tua

ora cresce

ora diminui

mas sendo inteira me possui.

 

Colheita

Os passos que darei

ainda

quando a Luz do Sol for finda

não os conheço nem sei aonde me levarão

- talvez talvez

ao Sonho talvez. 

Que eu veja

Que eu veja sempre o que é eterno

à minha beira

como quem colhe um cacho de uvas maduro

para ser pisado

a ser o futuro do passado.

 

Blue things

Passeie à descoberta do Caminhar,

lento forte seguro,

por entre as faldas junto ao Mar 

é mais puro -

e do Horizonte a linha aprumada

lembra a partida para aquela estrada

onde a curva esconde da vida

a manhã ainda não acontecida.

Diálogo com a terra

 

Real é a Palavra

que no verso é a medida

e que nas entrelinhas de estar ali

fulgura

com bravura

e que não se esquece,

quando à Noite se adormece.

Voo

Dentro de Mim, que lembrança!,

nada existe

senão uma Criança -

que a brincar no Sonho da vida

um dia cresceu

e fora de Mim se perdeu.

 

Memória

Obrigada, memória,

thank you,

ao teu lado

não há pecado -

diz o meu Coração -

talvez tudo seja imaginação. 

Na tarde de domingo

Devagar me esquecem as Rosas,

abraçadas junto ao peito -

eram num outro tempo formosas

tinham a fama de ditosas

e eram só minhas, as Rosas -

mas tempo passou

e só eu 

aqui estou.

Primavera em Mim

Uma flauta que parece querer ser

uma chama a arder

eu escuto piedosamente

vendo o rebanho na encosta

vendo a claridade do dia reposta

e de tudo se gosta.

Em redor

Se tudo me satisfizesse,

como o brando sol

tombando sobre a Colina,

talvez acontecesse

eu voltar a ser pequenina.

Último silêncio

Chove no silêncio da rua -

deve ser assim

também dentro de Mim

um rio de água mansa

que devagar para a foz avança.

 

Um caminho pela colina

Levanto-me da cadeira

e percorro o corredor da casa

como quem segue o trilho da encosta

à procura

de uma outra lonjura

- nada ou abismo -

regresso à cadeira e cismo.

In illo tempore

Não me ofereças Rosas

porque murcham

nas jarras

e as pétalas brandamente se soltam

e não mais voltam.

 

Até ao fim

É este o movimento do Mundo

ou é a minha mente

em torvelinho -

agora é a hora deste instante que passa

e no Mundo e em Mim

em tudo haverá um fim.

 

Um olhar atento

'Spera que o prodígio não é em vão -

e de quantos Caminhos são

de jornada primeira

escolhe aquele

que se abre à Claridade

como uma árvore sem idade.

 

Espelho de água

Um som de água levezinho

eu oiço

no meu Caminho

como se se enchesse uma pauta de música

com colcheias

e delas brotasse

um clarão de ideias.

 

Tinta acrílica em tela

Entre uma onda e uma onda,

respira

profundamente o Mar

e eu, sílaba a sílaba, 

movimento a movimento,

soletro a Palavra

e respiro

num momento e num momento.

 

Recanto

Lá fora, é o Mundo

e a angústia a cada momento

- sofrimento.

Mas há um recanto na vida

que fica entre a tormenta e a bonança

- a Esperança.

 

Um dia de cada vez

A exigência do Sol é que o dia corra devagar

para a Luz chegar a cada lugar.

Por isso, abre bem o Coração

para que a Luz toda entre

nesses Caminhos de toda a gente.

Canção da tarde

Os ciprestes velam os deuses

mortos na batalha

e, nessa dor,

estão vestidos do verde da cor -

mas ao entardecer

quando a luz é mais rara e antiga

são no recorte do Céu uma velha espiga.

 

Interiores

Toda a noite não dormi,

viajei

e se em algum lugar me demorei

foi porque aí me confundi

lembrando-me de Ti.

 

Passando pelo domingo

Infinitamente real 

o meu Ser

é como um pano vermelho

no estendal de uma janela

- coisa que se fita

e que o vento agita.

 

Por inteiro

Imorredoiro,

este tesouro tem oiro -

e não quero prata nem bronze

nem safira

pois brilhante, confesso,

quero ser inteiro como o Universo.

 

Morreu um Poeta

Morre o Poeta -

aonde estão os versos?,

que de Saudade, na despedida,

se calaram como a vida

de quem repartiu

cada coisa que um dia viu.

Chegou a primavera

Chegou a primavera,

mas, como um rio correndo,

as lágrimas deste dia

lembram o inverno agreste

sem o ímpeto celeste.

 

Algures por aí

Tropeço primeiro na sílaba frágil

e dócil, sem ter caído, 

estremeço este novo sentido.

As pequenas coisas

O orifício da agulha faz-me pensar

na linha de bordar

na linha de coser

e no pano de alinhavos

que os mais pobres sabiam ter 

no abrigo para viver.

Uma só árvore

A fadiga dos dias e o cansaço

das horas sem fim

são a semântica da evasão

deslumbre na imensidão.

Rumor de chuva

Quase silenciosa, a chuva tomba na calçada

e eu pressinto que é capaz

de nesse quase silêncio ser um rio

e eu como que à proa de um rochedo

navego sem medo -

estranho é este segredo. 

A chegada

Antes de partir, eu cheguei,

porque quem chega

sempre está nalguma parte

e essa é a minha Arte.

 

Folha

Na folha agora perdida,

havia,

e eu sabia-o,

o movimento dos astros no universo -

esperança em balança

dor em peixes

e eram puras a esperança e a dor

e no homem o seu esplendor.

 

Além

As gotas de chuva nos meus cabelos

e o ar gélido que me toca

são no silêncio o silêncio de coisa morta -

e, sim, importa, sim, perceber

que tudo o que nasceu

também um dia morreu.

Convite

Um livro arrumado na estante

guarda o Sonho

mais distante -

não guardes Sonhos senão em ti

- abre o livro

- já abri. 

Simplicidade

A luz está em ti na madrugada,

no amanhecer,

e no tempo que tens para viver -

por isso, não procures,

ilumina a tua natureza

e não haverá assomo de tristeza.

Praia de inverno

Sê tu hoje,

hoje mesmo, hoje agora,

sê sem distância de ti,

nem na alma nem no tempo,

vai sem inquietação

a essa praia branca do Coração.

 

Pelas ruas da cidade

Entre luzes e sombras leio

nas linhas das mãos

como no empedrado da calçada das ruas

que há um tempo que é o meu tempo

de dissolver na mansidão

uma e outra ilusão.

Todos os dias

Vem repleta de Poesia

aquela Mulher

de cabelo negro entrançado

e por isso eu cismo (talvez sonhando)

que por onde ela passa

tem o mundo uma outra graça.

 

Se a chuva vier

A chuva não espera 

pelo guarda-chuva aberto -

cai, quando tem de chover

dentro do próprio Ser.

Fora de portas

Nas horas há a Beleza

do tempo

que como rio corre devagar

e como rio navega para um Mar

- mas, ó deus, que a hora última da vida

seja como a primeira, agradecida.

 

Eternal

Gigantesco assomo de Luz

no Mundo

eternamente o Sol

quando o instante que escorre entre os dedos

está liberto de todos os medos. 

Entrudo

Amanhã serão as cinzas lançadas

mas hoje será o canto

sem pranto que remoça -

e de verde-musgo vestida

a Vida

encontra na folia

um intervalo de alegria.

Trilhos

Apenas o entardecer chegou agora

neste dia lavado de chuva

e os caminhos de terra molhada

cheiram às húmidas giestas

e mostram-me para onde eu vou

a ser quem eu Sou.

 

Oremus

O pássaro entra por Mim adentro

e enche-me

com um gorjeio de ramos

árvore onde se dessedentou

na seiva da raiz

como um rio na foz

a oração de todos nós. 

Capítulo perfeito

Desenho a quietude

e parece-me perceber

que há nisso um milagre

um gesto sossegado um rosto discreto

e vejo assim

uma esperança sem fim.

 

Fevereiro despede-se

Tantos fevereiros passados,

e infinitamente só tenho o fevereiro presente

- eterno instante em que sou

o que o tempo abraçou.

 

No meu próprio tempo

Cheguei e havia uma ave leve

e havia um mar que eu nunca vi

antes de estar aqui

e, nessa primeira vez, 

de olhar o mundo à minha volta,

e de o saber

parece que eu comecei a florescer.

O gesto gentil

No espelho, se vê a face brevemente

a face que tem a gente

e que é Bela se sempre sorrir

e disso é feita a Arte -

daquilo que se comparte. 

Metade da flor

Metade da flor

amarelecida

é como tudo o que é metade

ou um momento que chega tarde.

A casa do tempo

Em que espelho ficaram aqueles dias

vagarosos

de um amanhecer tão livre

que eu podia dançar

e correr

sem pensar em viver.

 

Manhã de domingo

Tenho sede

e o copo com água desliza 

um pouco

nas minhas mãos a me dar de beber -

assim quero permanecer,

num movimento assim singular,

porque a sede volta e torna a voltar.

Raízes

As raízes de Mim

trepam o muro alto da vida

e alimentam-se daquele sol azul

que às vezes há nos desenhos das crianças

quando lhes pedimos para desenhar

o perfeito do verbo amar.

Labirinto

Que venha a chuva,

que é bem-vinda neste tempo

em que as portas estão fechadas

e as muralhas muradas 

são as paredes

da casa - 

triste labirinto -

em que minto o que sinto.

Consistency

Eis a oferenda, te juro,

não há Caminho escuro,

para quem oferece com a Razão

o que tem no Coração

e, então, let it be,

colhe o fruto

colhe a Paz

neste instante que aqui jaz.

Laços

O metrónomo marca o compasso

e, na cadência dos sons,

tudo é Maravilha -

o céu cinzento de neblina

a correnteza das gentes na rua

e a tristeza que é uma coisa nua

tudo é um aconchego no silêncio entre as notas

e eu voo como as gaivotas.

 

As coisas

E o fim

parece que é este recomeço

a que à tua têmpera eu obedeço,

ó Mar,

dentro e fora de Mim,

as tempestades são assim.

Viriato

É uma Graça este falar da terra

no dia em que nasces

- e trazes

límpido e seguro

um Coração puro.

 

Flores amarelas

Porque planto flores,

nascem flores

amarelas,

e nesse jardim sem sombra

nem escuridão

eu te entrego o meu Coração.

 

Geografia

Cada hora tem o seu cuidado

e não deixes para trás

o fazer

que é parte do teu Ser.

 

Uma porção de beleza

Atravessa esta paisagem

o som de uma flauta campestre

e a escutá-lo

talvez apenas eu na mansarda

seja aquela que no Coração o guarda.

 

Branco efémero

Era uma lua matinal,

branca e efémera

como a vida,

que eu vi de fugida, 

antes de ser no Céu aquela Luz 

que tudo clareia, 

e é uma Alma cheia.

Somos terra

Somos terra 

e o mistério assombroso -

e em nós tudo nos fita interiormente

qual caracol que sente

uma Dor como a da gente.

 

Um pouco de cor

O dia amanheceu cinzento e chuvoso,

mas depois a cor do sol

rompeu

e, nessa luz, poli os talheres de prata

que guardo na memória

e foi um dia de Glória.

 

Fotografia de viagem

Apenas ser na viagem

quem

nascendo também

no olhar se sustém.

 

Quase primavera

Perene, o dia se alonga,

balseiro no meu Coração

- Alma que caminha -

e o canto límpido da voz límpida

soa

e ecoa

no meu pensamento

a todo 

o momento.

 

Na margem do rio

É sempre na margem do rio

que o espanto

perante a vida é estonteante -

porém tudo é um instante

e a corrente do rio passa a diante.

 

Tempo de respirar

Escuto o compasso da respiração 

e o ar que sai e o ar que entra

numa suave cadência

mostra-me aquilo que eu Sou

e leva-me como quem

sabe o Caminho para Além.

 

As pegadas na areia

Cada passo ao Mar o dou

pois não sei

para onde eu vou.

Exílio

Como dizer Poesia?,

se do alto desta frágua

a minha voz sente a mágoa

e o silêncio

é pesado - e a dor está ao meu lado.

Deste meu lado

Algures na memória posso enfim encontrar

o nu o belo e o radiante

da singeleza

da humana natureza. 

Nunca é tarde

Nesta linda aguarela, vejo um barco a velejar

e, por entre o ondear,

na pintura eu descubro

que todo o gesto de Coragem

carece além de um porto seguro

e nisso eu vejo um futuro.

Dentro do sorriso

Dentro do sorriso, o riso

que é o clarão

de ser Criança

e de brincar com a Esperança.

 

Em algum lugar

Revisito a encosta e procuro

aquela tarde

que um dia existiu -

era abril

havia sol e uma clara luz

e pareceu-me que eternamente

nós fomos breve toda a gente.

 

Navegar as águas

Na agenda dos dias, assinalo os instantes

em que posso pensar

na imensa largueza do Mar.

 

Trajetórias

A linha reta é uma descoberta

de quem procura

a suma lonjura

e é loucura o trajeto completo -

o destino de raiz

de que sou um aprendiz.

 

Ser simples

Neste inverno há flores no vaso das flores

e, nessa epopeia de florir,

sinto a Verdade do meu Ser

como flor que anuncia

a simplicidade de cada dia. 

Aniversário

Abro o leque, que seguro na minha mão,

e encosto-o ao rosto,

num movimento para além de Mim;

deve ser assim

o instante de silêncio e de escuta

que os deuses ousam oferecer

como uma água que se dá a beber.

Arte e factos

Só a Poesia liberta,

porque só ela vela na longa noite

do Ser;

e não há um momento em vão -

cada instante é uma graça

por onde a vida passa.

 

Dar canto às palavras

Chove e eu escrevo

e as palavras gotejam num canto nu

e querem-se tão puras como as águas do céu

que tombam sobre a colina

e lembram

que cada um tem a sua sina.

 

Registo

Como as águas de um rio,

assim a vida corre

e nada é igual

nem a vida nem a voz

nem tudo o que é em nós. 

Bairro antigo

Percorro as ruas estreitas e escuras

e oiço os meus passos

na calçada

e ecoa

- assim se anda em Lisboa.

 

O vento nas árvores

Abro o Caderno numa página qualquer

e é luz a Verdade nua

de cada palavra

que, como num campo, se lavra.

 

A canção

Vai dizer àquela estrela

que eu sonhei e não foi em vão

com a mais bela Canção.

 

Contar a história

Há nos pequenos gestos uma alvorada

aquela madrugada inteira

que, semeada na noite, se pode colher

logo no amanhecer.

 

Intemporal

Para onde foi o Sol?,

diz-me, se souberes, incauto transeunte

como eu, que no espaço da Cidade,

entre agiotas e fariseus,

procuras a liberdade

e um Sol brilhando nos céus.

 

Tarde de domingo

É de prosa este verso,

ó Musa

que a neblina esconde a Poesia no quintal

e as Rosas, se as há neste inverno, tremeluzem

no cativeiro

sem perfumarem este instante em que eu canto

e serem meu mor espanto.

 

Ouvir só a música

Seria o Silêncio entre as notas tocadas

como a minha escrita

nas entrelinhas

ou seria o rufar dos tambores

ao Longe -

não sei -

mas despertei.

 

Back in the day

Tanto Caminho ainda para andar

que me esquece

o tanto de imaginar

e matutar naquela tristeza

que está na minha Natureza.

 

A rota dos ventos

Não sei dizer «não» a Bóreas,

quando invernal

invade o meu espírito

e todo o pensamento tem arestas

como o vento

e gela a minha mão sempre fria

tão Longe da Poesia.

 

As paredes do farol

Se eu te vir dançar,

na onda

de um Mar,

saberei que és Luz -

sem nada te prender

às paredes do meu Ser.

 

A criança que passa

Brilham, muito ao longe, as vidraças dos prédios

tão distantes - são sóis e diamantes

se penso

nesta Criança que brinca ao pé de Mim

e que passa

como tudo deve passar

como um rio até ao mar.

 

Em lume brando

Ó noite, Imperatriz das vigílias

que os insones

carregam nos braços brancos e gelados,

vem e mostra-me

que ainda

a Dor não finda.

 

Inventário do tempo

Talvez viesses numa outra hora,

num instante

que passasse de fugida,

mas virias e não vieste

e agora o meu Sonho é celeste

por que não vieste.

 

Na quietude

Revisitei as coisas da Alma

e trouxe uma mão cheia de areia -

praia-mar 

aonde um dia fui buscar

aquele búzio de cós

que nos lembra que não estamos sós. 

Todas as coisas

Se eu pudesse me lembrar

de todas as coisas

que já pensei,

não sei se seria alegre

ou se seria triste,

- o pensamento existe 

o esquecimento também -

não sou alegre nem triste

sou para Além.

Caminhar caminhando

Tudo será serenidade

quando,

quando a flor no vaso renascer

numa primavera futura

quando no Longe do caminho

a flor for sem espinho.

Então, a utopia em que o mundo vi caminhar

é o caminho onde eu quero estar.

  

Paisagem com colina

O café derramado sobre a página branca

do caderno 

é a mancha escura que a noite lança

sobre a colina -

e, nesta arte real, também a escrita anoitece

e é nobre a mancha que se vê

e que também se lê.

 

A perfeição nos outros

Há um lugar nos outros onde perfeitamente

não há mácula nem impureza

tudo segue a lei da beleza

e é justo e singelo esse lugar

que se firma quando nos distanciamos

e de mais Longe observamos.

 

Dia de Reis

A Estrela guia no Céu

quem percorre os Caminhos da terra

como peregrino

ao encontro de um deus-Menino.

 

The grass is greener

Agora que choveu, há um sortilégio

na cidade

e, na tarde, o cinzento do céu

define o contorno

das coisas: o prédio alto a flor sedenta

no parapeito da janela

e tudo embrulhado em cinza escura

é com um mal que sempre dura.

 

Dantes havia arvoredos

No tropel das palavras, há uma mais límpida

e pura - é a Esperança 

que quer voltar à clareira dos mistérios

onde havia pinheiros velhos

e onde por entre a neblina

brincava uma Menina.

 

Aqui

Aqui, onde o Silêncio corre devagar,

é que o Pensamento se abriga

da chuva quando chove

do frio quando faz frio

e por isso se sente a Alma contente,

alegre, porque sim,

eternamente em Mim.

Na curva do caminho

Três estrelas vermelhas brilhando no Céu sereno

e uma lua lilás -

tudo no meu olhar tem uma nova cor

como a terra dourada

onde está

plantada a Flor mais amada.

 

Paz

Por esses campos, vamos lá, Irmão,

vamos lá colher a ventura

que é a Fortuna do haver

dentro de nós

um Sol sempre a nascer -

e, por isso, nunca tarda 

na jornada

a primeira luz da alvorada.