É Noite.
E na Noite se abrem em sorriso as estrelas.
E é quanto basta
saber
também um dia elas vão morrer.
É Noite.
E na Noite se abrem em sorriso as estrelas.
E é quanto basta
saber
também um dia elas vão morrer.
Na hora da vigília, o meu Coração
fica mais perto
desse outro Coração
que, bravo herói do entardecer,
tatua no seu peito
o amor-perfeito.
Desenha-me um rosto
na circunferência redonda do Mundo
e verei nascer o Poema
nos olhos claros que o rosto tem
- Diz-me, é quem?
Na agenda em papel, marco os dias
esperançosos
e a Lua
que é uma sombra tua
ora cresce
ora diminui
mas sendo inteira me possui.
Os passos que darei
ainda
quando a Luz do Sol for finda
não os conheço nem sei aonde me levarão
- talvez talvez
ao Sonho talvez.
Que eu veja sempre o que é eterno
à minha beira
como quem colhe um cacho de uvas maduro
para ser pisado
a ser o futuro do passado.
Passeie à descoberta do Caminhar,
lento forte seguro,
por entre as faldas junto ao Mar
é mais puro -
e do Horizonte a linha aprumada
lembra a partida para aquela estrada
onde a curva esconde da vida
a manhã ainda não acontecida.
Real é a Palavra
que no verso é a medida
e que nas entrelinhas de estar ali
fulgura
com bravura
e que não se esquece,
quando à Noite se adormece.
Dentro de Mim, que lembrança!,
nada existe
senão uma Criança -
que a brincar no Sonho da vida
um dia cresceu
e fora de Mim se perdeu.
Obrigada, memória,
thank you,
ao teu lado
não há pecado -
diz o meu Coração -
talvez tudo seja imaginação.
Devagar me esquecem as Rosas,
abraçadas junto ao peito -
eram num outro tempo formosas
tinham a fama de ditosas
e eram só minhas, as Rosas -
mas tempo passou
e só eu
aqui estou.
Uma flauta que parece querer ser
uma chama a arder
eu escuto piedosamente
vendo o rebanho na encosta
vendo a claridade do dia reposta
e de tudo se gosta.
Se tudo me satisfizesse,
como o brando sol
tombando sobre a Colina,
talvez acontecesse
eu voltar a ser pequenina.
Chove no silêncio da rua -
deve ser assim
também dentro de Mim
um rio de água mansa
que devagar para a foz avança.
Levanto-me da cadeira
e percorro o corredor da casa
como quem segue o trilho da encosta
à procura
de uma outra lonjura
- nada ou abismo -
regresso à cadeira e cismo.
Não me ofereças Rosas
porque murcham
nas jarras
e as pétalas brandamente se soltam
e não mais voltam.
É este o movimento do Mundo
ou é a minha mente
em torvelinho -
agora é a hora deste instante que passa
e no Mundo e em Mim
em tudo haverá um fim.
'Spera que o prodígio não é em vão -
e de quantos Caminhos são
de jornada primeira
escolhe aquele
que se abre à Claridade
como uma árvore sem idade.
Um som de água levezinho
eu oiço
no meu Caminho
como se se enchesse uma pauta de música
com colcheias
e delas brotasse
um clarão de ideias.
Entre uma onda e uma onda,
respira
profundamente o Mar
e eu, sílaba a sílaba,
movimento a movimento,
soletro a Palavra
e respiro
num momento e num momento.
Lá fora, é o Mundo
e a angústia a cada momento
- sofrimento.
Mas há um recanto na vida
que fica entre a tormenta e a bonança
- a Esperança.
A exigência do Sol é que o dia corra devagar
para a Luz chegar a cada lugar.
Por isso, abre bem o Coração
para que a Luz toda entre
nesses Caminhos de toda a gente.
Os ciprestes velam os deuses
mortos na batalha
e, nessa dor,
estão vestidos do verde da cor -
mas ao entardecer
quando a luz é mais rara e antiga
são no recorte do Céu uma velha espiga.
Toda a noite não dormi,
viajei
e se em algum lugar me demorei
foi porque aí me confundi
lembrando-me de Ti.
Infinitamente real
o meu Ser
é como um pano vermelho
no estendal de uma janela
- coisa que se fita
e que o vento agita.
Imorredoiro,
este tesouro tem oiro -
e não quero prata nem bronze
nem safira
pois brilhante, confesso,
quero ser inteiro como o Universo.
Morre o Poeta -
aonde estão os versos?,
que de Saudade, na despedida,
se calaram como a vida
de quem repartiu
cada coisa que um dia viu.
Chegou a primavera,
mas, como um rio correndo,
as lágrimas deste dia
lembram o inverno agreste
sem o ímpeto celeste.
Tropeço primeiro na sílaba frágil
e dócil, sem ter caído,
estremeço este novo sentido.
O orifício da agulha faz-me pensar
na linha de bordar
na linha de coser
e no pano de alinhavos
que os mais pobres sabiam ter
no abrigo para viver.
A fadiga dos dias e o cansaço
das horas sem fim
são a semântica da evasão
deslumbre na imensidão.
Quase silenciosa, a chuva tomba na calçada
e eu pressinto que é capaz
de nesse quase silêncio ser um rio
e eu como que à proa de um rochedo
navego sem medo -
estranho é este segredo.
Antes de partir, eu cheguei,
porque quem chega
sempre está nalguma parte
e essa é a minha Arte.
Na folha agora perdida,
havia,
e eu sabia-o,
o movimento dos astros no universo -
esperança em balança
dor em peixes
e eram puras a esperança e a dor
e no homem o seu esplendor.
As gotas de chuva nos meus cabelos
e o ar gélido que me toca
são no silêncio o silêncio de coisa morta -
e, sim, importa, sim, perceber
que tudo o que nasceu
também um dia morreu.
Um livro arrumado na estante
guarda o Sonho
mais distante -
não guardes Sonhos senão em ti
- abre o livro
- já abri.
A luz está em ti na madrugada,
no amanhecer,
e no tempo que tens para viver -
por isso, não procures,
ilumina a tua natureza
e não haverá assomo de tristeza.
Sê tu hoje,
hoje mesmo, hoje agora,
sê sem distância de ti,
nem na alma nem no tempo,
vai sem inquietação
a essa praia branca do Coração.
Entre luzes e sombras leio
nas linhas das mãos
como no empedrado da calçada das ruas
que há um tempo que é o meu tempo
de dissolver na mansidão
uma e outra ilusão.
Vem repleta de Poesia
aquela Mulher
de cabelo negro entrançado
e por isso eu cismo (talvez sonhando)
que por onde ela passa
tem o mundo uma outra graça.
A chuva não espera
pelo guarda-chuva aberto -
cai, quando tem de chover
dentro do próprio Ser.
Nas horas há a Beleza
do tempo
que como rio corre devagar
e como rio navega para um Mar
- mas, ó deus, que a hora última da vida
seja como a primeira, agradecida.
Gigantesco assomo de Luz
no Mundo
eternamente o Sol
quando o instante que escorre entre os dedos
está liberto de todos os medos.
Amanhã serão as cinzas lançadas
mas hoje será o canto
sem pranto que remoça -
e de verde-musgo vestida
a Vida
encontra na folia
um intervalo de alegria.
Apenas o entardecer chegou agora
neste dia lavado de chuva
e os caminhos de terra molhada
cheiram às húmidas giestas
e mostram-me para onde eu vou
a ser quem eu Sou.
O pássaro entra por Mim adentro
e enche-me
com um gorjeio de ramos
árvore onde se dessedentou
na seiva da raiz
como um rio na foz
a oração de todos nós.
Desenho a quietude
e parece-me perceber
que há nisso um milagre
um gesto sossegado um rosto discreto
e vejo assim
uma esperança sem fim.
Tantos fevereiros passados,
e infinitamente só tenho o fevereiro presente
- eterno instante em que sou
o que o tempo abraçou.
Cheguei e havia uma ave leve
e havia um mar que eu nunca vi
antes de estar aqui
e, nessa primeira vez,
de olhar o mundo à minha volta,
e de o saber
parece que eu comecei a florescer.
No espelho, se vê a face brevemente
a face que tem a gente
e que é Bela se sempre sorrir
e disso é feita a Arte -
daquilo que se comparte.
Metade da flor
amarelecida
é como tudo o que é metade
ou um momento que chega tarde.
Em que espelho ficaram aqueles dias
vagarosos
de um amanhecer tão livre
que eu podia dançar
e correr
sem pensar em viver.
Tenho sede
e o copo com água desliza
um pouco
nas minhas mãos a me dar de beber -
assim quero permanecer,
num movimento assim singular,
porque a sede volta e torna a voltar.
Que venha a chuva,
que é bem-vinda neste tempo
em que as portas estão fechadas
e as muralhas muradas
são as paredes
da casa -
triste labirinto -
em que minto o que sinto.
Eis a oferenda, te juro,
não há Caminho escuro,
para quem oferece com a Razão
o que tem no Coração
e, então, let it be,
colhe o fruto
colhe a Paz
neste instante que aqui jaz.
O metrónomo marca o compasso
e, na cadência dos sons,
tudo é Maravilha -
o céu cinzento de neblina
a correnteza das gentes na rua
e a tristeza que é uma coisa nua
tudo é um aconchego no silêncio entre as notas
e eu voo como as gaivotas.
E o fim
parece que é este recomeço
a que à tua têmpera eu obedeço,
ó Mar,
dentro e fora de Mim,
as tempestades são assim.
É uma Graça este falar da terra
no dia em que nasces
- e trazes
límpido e seguro
um Coração puro.
Porque planto flores,
nascem flores
amarelas,
e nesse jardim sem sombra
nem escuridão
eu te entrego o meu Coração.
Cada hora tem o seu cuidado
e não deixes para trás
o fazer
que é parte do teu Ser.
Atravessa esta paisagem
o som de uma flauta campestre
e a escutá-lo
talvez apenas eu na mansarda
seja aquela que no Coração o guarda.
Era uma lua matinal,
branca e efémera
como a vida,
que eu vi de fugida,
antes de ser no Céu aquela Luz
que tudo clareia,
e é uma Alma cheia.
Somos terra
e o mistério assombroso -
e em nós tudo nos fita interiormente
qual caracol que sente
uma Dor como a da gente.
O dia amanheceu cinzento e chuvoso,
mas depois a cor do sol
rompeu
e, nessa luz, poli os talheres de prata
que guardo na memória
e foi um dia de Glória.
Apenas ser na viagem
quem
nascendo também
no olhar se sustém.
Perene, o dia se alonga,
balseiro no meu Coração
- Alma que caminha -
e o canto límpido da voz límpida
soa
e ecoa
no meu pensamento
a todo
o momento.
É sempre na margem do rio
que o espanto
perante a vida é estonteante -
porém tudo é um instante
e a corrente do rio passa a diante.
Escuto o compasso da respiração
e o ar que sai e o ar que entra
numa suave cadência
mostra-me aquilo que eu Sou
e leva-me como quem
sabe o Caminho para Além.
Cada passo ao Mar o dou
pois não sei
para onde eu vou.
Como dizer Poesia?,
se do alto desta frágua
a minha voz sente a mágoa
e o silêncio
é pesado - e a dor está ao meu lado.
Algures na memória posso enfim encontrar
o nu o belo e o radiante
da singeleza
da humana natureza.
Nesta linda aguarela, vejo um barco a velejar
e, por entre o ondear,
na pintura eu descubro
que todo o gesto de Coragem
carece além de um porto seguro
e nisso eu vejo um futuro.
Dentro do sorriso, o riso
que é o clarão
de ser Criança
e de brincar com a Esperança.
Revisito a encosta e procuro
aquela tarde
que um dia existiu -
era abril
havia sol e uma clara luz
e pareceu-me que eternamente
nós fomos breve toda a gente.
Na agenda dos dias, assinalo os instantes
em que posso pensar
na imensa largueza do Mar.
A linha reta é uma descoberta
de quem procura
a suma lonjura
e é loucura o trajeto completo -
o destino de raiz
de que sou um aprendiz.
Neste inverno há flores no vaso das flores
e, nessa epopeia de florir,
sinto a Verdade do meu Ser
como flor que anuncia
a simplicidade de cada dia.
Abro o leque, que seguro na minha mão,
e encosto-o ao rosto,
num movimento para além de Mim;
deve ser assim
o instante de silêncio e de escuta
que os deuses ousam oferecer
como uma água que se dá a beber.
Só a Poesia liberta,
porque só ela vela na longa noite
do Ser;
e não há um momento em vão -
cada instante é uma graça
por onde a vida passa.
Chove e eu escrevo
e as palavras gotejam num canto nu
e querem-se tão puras como as águas do céu
que tombam sobre a colina
e lembram
que cada um tem a sua sina.
Como as águas de um rio,
assim a vida corre
e nada é igual
nem a vida nem a voz
nem tudo o que é em nós.
Percorro as ruas estreitas e escuras
e oiço os meus passos
na calçada
e ecoa
- assim se anda em Lisboa.
Abro o Caderno numa página qualquer
e é luz a Verdade nua
de cada palavra
que, como num campo, se lavra.
Vai dizer àquela estrela
que eu sonhei e não foi em vão
com a mais bela Canção.
Há nos pequenos gestos uma alvorada
aquela madrugada inteira
que, semeada na noite, se pode colher
logo no amanhecer.
Para onde foi o Sol?,
diz-me, se souberes, incauto transeunte
como eu, que no espaço da Cidade,
entre agiotas e fariseus,
procuras a liberdade
e um Sol brilhando nos céus.
É de prosa este verso,
ó Musa
que a neblina esconde a Poesia no quintal
e as Rosas, se as há neste inverno, tremeluzem
no cativeiro
sem perfumarem este instante em que eu canto
e serem meu mor espanto.
Seria o Silêncio entre as notas tocadas
como a minha escrita
nas entrelinhas
ou seria o rufar dos tambores
ao Longe -
não sei -
mas despertei.
Tanto Caminho ainda para andar
que me esquece
o tanto de imaginar
e matutar naquela tristeza
que está na minha Natureza.
Não sei dizer «não» a Bóreas,
quando invernal
invade o meu espírito
e todo o pensamento tem arestas
como o vento
e gela a minha mão sempre fria
tão Longe da Poesia.
Se eu te vir dançar,
na onda
de um Mar,
saberei que és Luz -
sem nada te prender
às paredes do meu Ser.
Brilham, muito ao longe, as vidraças dos prédios
tão distantes - são sóis e diamantes
se penso
nesta Criança que brinca ao pé de Mim
e que passa
como tudo deve passar
como um rio até ao mar.
Ó noite, Imperatriz das vigílias
que os insones
carregam nos braços brancos e gelados,
vem e mostra-me
que ainda
a Dor não finda.
Talvez viesses numa outra hora,
num instante
que passasse de fugida,
mas virias e não vieste
e agora o meu Sonho é celeste
por que não vieste.
Revisitei as coisas da Alma
e trouxe uma mão cheia de areia -
praia-mar
aonde um dia fui buscar
aquele búzio de cós
que nos lembra que não estamos sós.
Se eu pudesse me lembrar
de todas as coisas
que já pensei,
não sei se seria alegre
ou se seria triste,
- o pensamento existe
o esquecimento também -
não sou alegre nem triste
sou para Além.
Tudo será serenidade
quando,
quando a flor no vaso renascer
numa primavera futura
quando no Longe do caminho
a flor for sem espinho.
Então, a utopia em que o mundo vi caminhar
é o caminho onde eu quero estar.
O café derramado sobre a página branca
do caderno
é a mancha escura que a noite lança
sobre a colina -
e, nesta arte real, também a escrita anoitece
e é nobre a mancha que se vê
e que também se lê.
Há um lugar nos outros onde perfeitamente
não há mácula nem impureza
tudo segue a lei da beleza
e é justo e singelo esse lugar
que se firma quando nos distanciamos
e de mais Longe observamos.
A Estrela guia no Céu
quem percorre os Caminhos da terra
como peregrino
ao encontro de um deus-Menino.
Agora que choveu, há um sortilégio
na cidade
e, na tarde, o cinzento do céu
define o contorno
das coisas: o prédio alto a flor sedenta
no parapeito da janela
e tudo embrulhado em cinza escura
é com um mal que sempre dura.
No tropel das palavras, há uma mais límpida
e pura - é a Esperança
que quer voltar à clareira dos mistérios
onde havia pinheiros velhos
e onde por entre a neblina
brincava uma Menina.
Aqui, onde o Silêncio corre devagar,
é que o Pensamento se abriga
da chuva quando chove
do frio quando faz frio
e por isso se sente a Alma contente,
alegre, porque sim,
eternamente em Mim.
Três estrelas vermelhas brilhando no Céu sereno
e uma lua lilás -
tudo no meu olhar tem uma nova cor
como a terra dourada
onde está
plantada a Flor mais amada.
Por esses campos, vamos lá, Irmão,
vamos lá colher a ventura
que é a Fortuna do haver
dentro de nós
um Sol sempre a nascer -
e, por isso, nunca tarda
na jornada
a primeira luz da alvorada.