É este o movimento do Mundo
ou é a minha mente
em torvelinho -
agora é a hora deste instante que passa
e no Mundo e em Mim
em tudo haverá um fim.
É este o movimento do Mundo
ou é a minha mente
em torvelinho -
agora é a hora deste instante que passa
e no Mundo e em Mim
em tudo haverá um fim.
'Spera que o prodígio não é em vão -
e de quantos Caminhos são
de jornada primeira
escolhe aquele
que se abre à Claridade
como uma árvore sem idade.
Um som de água levezinho
eu oiço
no meu Caminho
como se se enchesse uma pauta de música
com colcheias
e delas brotasse
um clarão de ideias.
Entre uma onda e uma onda,
respira
profundamente o Mar
e eu, sílaba a sílaba,
movimento a movimento,
soletro a Palavra
e respiro
num momento e num momento.
Lá fora, é o Mundo
e a angústia a cada momento
- sofrimento.
Mas há um recanto na vida
que fica entre a tormenta e a bonança
- a Esperança.
A exigência do Sol é que o dia corra devagar
para a Luz chegar a cada lugar.
Por isso, abre bem o Coração
para que a Luz toda entre
nesses Caminhos de toda a gente.
Os ciprestes velam os deuses
mortos na batalha
e, nessa dor,
estão vestidos do verde da cor -
mas ao entardecer
quando a luz é mais rara e antiga
são no recorte do Céu uma velha espiga.
Toda a noite não dormi,
viajei
e se em algum lugar me demorei
foi porque aí me confundi
lembrando-me de Ti.
Infinitamente real
o meu Ser
é como um pano vermelho
no estendal de uma janela
- coisa que se fita
e que o vento agita.
Imorredoiro,
este tesouro tem oiro -
e não quero prata nem bronze
nem safira
pois brilhante, confesso,
quero ser inteiro como o Universo.
Morre o Poeta -
aonde estão os versos?,
que de Saudade, na despedida,
se calaram como a vida
de quem repartiu
cada coisa que um dia viu.
Chegou a primavera,
mas, como um rio correndo,
as lágrimas deste dia
lembram o inverno agreste
sem o ímpeto celeste.
Tropeço primeiro na sílaba frágil
e dócil, sem ter caído,
estremeço este novo sentido.
O orifício da agulha faz-me pensar
na linha de bordar
na linha de coser
e no pano de alinhavos
que os mais pobres sabiam ter
no abrigo para viver.
A fadiga dos dias e o cansaço
das horas sem fim
são a semântica da evasão
deslumbre na imensidão.
Quase silenciosa, a chuva tomba na calçada
e eu pressinto que é capaz
de nesse quase silêncio ser um rio
e eu como que à proa de um rochedo
navego sem medo -
estranho é este segredo.
Antes de partir, eu cheguei,
porque quem chega
sempre está nalguma parte
e essa é a minha Arte.
Na folha agora perdida,
havia,
e eu sabia-o,
o movimento dos astros no universo -
esperança em balança
dor em peixes
e eram puras a esperança e a dor
e no homem o seu esplendor.
As gotas de chuva nos meus cabelos
e o ar gélido que me toca
são no silêncio o silêncio de coisa morta -
e, sim, importa, sim, perceber
que tudo o que nasceu
também um dia morreu.
Um livro arrumado na estante
guarda o Sonho
mais distante -
não guardes Sonhos senão em ti
- abre o livro
- já abri.
A luz está em ti na madrugada,
no amanhecer,
e no tempo que tens para viver -
por isso, não procures,
ilumina a tua natureza
e não haverá assomo de tristeza.
Sê tu hoje,
hoje mesmo, hoje agora,
sê sem distância de ti,
nem na alma nem no tempo,
vai sem inquietação
a essa praia branca do Coração.
Entre luzes e sombras leio
nas linhas das mãos
como no empedrado da calçada das ruas
que há um tempo que é o meu tempo
de dissolver na mansidão
uma e outra ilusão.
Vem repleta de Poesia
aquela Mulher
de cabelo negro entrançado
e por isso eu cismo (talvez sonhando)
que por onde ela passa
tem o mundo uma outra graça.
A chuva não espera
pelo guarda-chuva aberto -
cai, quando tem de chover
dentro do próprio Ser.
Nas horas há a Beleza
do tempo
que como rio corre devagar
e como rio navega para um Mar
- mas, ó deus, que a hora última da vida
seja como a primeira, agradecida.
Gigantesco assomo de Luz
no Mundo
eternamente o Sol
quando o instante que escorre entre os dedos
está liberto de todos os medos.
Amanhã serão as cinzas lançadas
mas hoje será o canto
sem pranto que remoça -
e de verde-musgo vestida
a Vida
encontra na folia
um intervalo de alegria.
Apenas o entardecer chegou agora
neste dia lavado de chuva
e os caminhos de terra molhada
cheiram às húmidas giestas
e mostram-me para onde eu vou
a ser quem eu Sou.
O pássaro entra por Mim adentro
e enche-me
com um gorjeio de ramos
árvore onde se dessedentou
na seiva da raiz
como um rio na foz
a oração de todos nós.
Desenho a quietude
e parece-me perceber
que há nisso um milagre
um gesto sossegado um rosto discreto
e vejo assim
uma esperança sem fim.