Novo Palimpsesto
Digressão Poética
sábado, 31 de agosto de 2013
Nunca é tarde
Virá o outono, virá,
e estes dias de ainda verão
serão esquecidos
como se nunca acontecidos
no inverno mais cinzento.
Mas nunca é tarde demais,
mesmo na mais difícil estação,
para florir um coração.
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
A Verticalidade
dos pinheiros, calmos e mansos,
lembra-me que na vida
é preciso, primeiro,
serenar
antes de procurar amar.
Pois, na lonjura dos céus,
é que se encontra a face luminosa de Deus.
quinta-feira, 29 de agosto de 2013
O tempo certo
Como quem cuida de uma planta
em flor,
sei, agora,
que não conta só o amor,
há ainda o tempo
da gestação
próprio de cada estação.
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
Artifício
Tão serena
a ondulação do mar
parece apenas um pretexto
para procurar
na vastidão dos oceanos
a fonte dos meus desenganos.
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Por estes dias
a incidência do sol
vai-se despedindo da minha janela
e eu abandono-me
à fatalidade
deste norte pelo fim da tarde.
segunda-feira, 26 de agosto de 2013
Sobre um lugar
Amanheço em Évora,
quando a cidade ainda dorme
e nas arcadas o rumor dos passos
é só o meu.
Fresca solidão,
longe daquele mar,
que me ajuda a despertar
para a compreensão de cada ser
e que me dá viver.
domingo, 25 de agosto de 2013
A última palavra
talvez não seja a derradeira;
talvez exista uma outra barreira
que nos separa
no umbral.
Assim como na vida,
quando numa tristeza amanhecida,
vem, mais tarde, brilhar o sol.
sábado, 24 de agosto de 2013
Limiar
A velha fotografia
encara-me
e já nem sei mais
se aquela juventude
é mais real
do que a minha velhice
agora.
Assombro do mistério
de quem cristaliza em sépia
antes do advento do tempo.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
Movimento
À noite, na estrada escura,
o caminho faz-se a tato,
para que, na beira do regato,
se encontre a margem segura.
E, neste volteio de movimento,
minha alma
colhe o alento
mesmo sob um céu sedento.
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Montado
Na cercadura da planície,
o montado desponta
a coberto do sol
do meio dia.
Quem dera ser o pastor
da alma em flor
apascentando o rebanho,
no campo cerrado,
como quem guarda um ser amado.
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
Torpor azul
Sem a ceifa,
o campo rasga-se em amarelo
até ao cúmulo do céu
e eu, minúsculo ponto na paisagem,
atravesso o espaço
como se dele fosse apenas um pedaço.
terça-feira, 20 de agosto de 2013
No meio do fruto
só no meio,
em torno da semente,
brilha a verdade
da gente.
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Em sândalo
Irrecuperável é esta manhã
de fogo e luz
que se esvai na lonjura
da tarde.
Por isso, de tudo quase me esqueço,
se adormeço,
na quietude da Casa
como se no quintal ainda houvesse
aquela trigueira rosa.
domingo, 18 de agosto de 2013
Dormência
A tarde corre sem queixume
e as flores
que adormecem de dia
aguardam pela penumbra
para guarnecerem
de vermelho e amarelo
o arbusto;
assim eu aguardo e espero
que uma brisa suave me acorde
para eu deixar de ser tão pobre.
sábado, 17 de agosto de 2013
A Sul
Atravessa a paisagem
o calor tórrido de verão
e é insuspeito
o clamor
das almas angustiadas.
Mas e o limoeiro perdido
jamais será esquecido
enquanto promessa
de árvore refrescante
que me acolheria a todo o instante.
sexta-feira, 16 de agosto de 2013
Memória antiga
Calma e doce é a memória
da paz, porque esse tudo já é passado.
E se agora solitariamente
rememorio
é apenas porque tenho a certeza
que a humana natureza
se apraz nos laços idos
ainda que
não fossem sentidos.
quinta-feira, 15 de agosto de 2013
Pequeno milagre
Nestas horas diurnas,
em que brilham mais as folhas
das copas das árvores,
é fácil acreditar
que a Vida toda é um milagre
e a luz infinita
com seus raios me incita
a nunca dizer que é já tarde.
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
Como um regato
correndo, nos socalcos,
das pedras,
assim caminhamos, nós,
os deserdados,
sem acreditar no paraíso
nem no dia do Juízo.
terça-feira, 13 de agosto de 2013
Apontamento
Lembrança do Sul.
Lá onde a planície majestosa
parece uma branca rosa
sem a mácula
da guerra no mundo.
Talvez os deuses te preservem
livre dos drones, da fome, e da morte
e de todas as ficções
tão reais
que separam os filhos dos pais.
segunda-feira, 12 de agosto de 2013
Horas incomuns
Quando ninguém
preencher este vazio
do silêncio absurdo das horas,
terei, enfim, encontrado na minha vida
a perfeita, exata, medida
do Ser.
E, então, nessas horas incomuns,
florirá talvez uma palavra
posta em verso
como se não houvesse senão, em tudo,
um começo.
domingo, 11 de agosto de 2013
Horizonte
Como um fio distante,
e inquieto,
o horizonte parece desperto
nesse longe
que o espaço devora e esconde.
Mas, porém, não há saudade,
se, na correnteza da tarde,
do dia que já foi manhã,
o caminhar não for coisa vã.
sábado, 10 de agosto de 2013
Outro dia
Naquela praça,
creio que há uma fonte,
que, se vista de um ponto distante,
parece um jorro de luz,
e já nem sei o que me seduz
se o foco brilhante
se a água
regeneradora.
sexta-feira, 9 de agosto de 2013
Palpável
é a distância,
quando
o pensamento é o único lastro
do tempo
para descobrirmos
que estamos sós.
E, se numa multidão nos reconhecemos,
parece que vivemos
como estranhos
até mesmo dentro de nós.
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
Terra queimada
Joeiro o tempo da lembrança.
Nesse passado, havia a esperança
e uma vida para viver.
Foi isso antes do anoitecer
dos sonhos no caminho,
um caminho
que me leva cada vez para mais perto
daquele humano destino
inglório
como se assistisse a um velório.
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
Limiar
Há uma janela aberta,
como coisa concreta,
que percorre a minha vida;
mas, se me debruço,
antevejo
só os caminhos que deixo
ante a madrugada adormecida.
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
Vagueando
Como quem da memória se esqueceu,
vou vagueando,
na mão de deus,
à espera
que não seja tarde demais
para tomar um navio neste cais.
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
A colina
Inusitada paisagem urbana,
a colina, que se projeta da minha janela,
deixa-me a pensar como é bela
a mancha que, sem sobressalto,
sempre me eleva para mais alto.
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