Cisma

Chove a flor do jacarandá

nas ruas da cidade

manto lilás

e, noutro tempo, eu colhia

nesta chuva a alegria

singela

de me molhar nela.

 

Domingo

Nas ruas, é sagrado este silêncio

em que nada, na tarde, se inquieta

e a minha Alma desperta

ascende mais alto

até àquele Céu da bem-aventurança,

bela lembrança.

Mas, no puro instante da  Felicidade,

sei, porque achei, mora também a Saudade.

O marinheiro

Erguem-se as velas no grande mastro

da inquietação

e baloiça este Ser

da manhã até ao anoitecer.

 

Canção

Ao sol do entardecer,

não há outro viver para Mim 

do que procurar sem fim

a frágil Luz com que se alumiam

os anos e os meus desenganos.

A fragilidade da sombra

Corrupio de Mar nesta enseada

do pensamento

que, numa roda viva, parece fenecer

nesse para Além do ser.

 

Prodígio

Não é da morte o insondável mistério

que me perturba -

é o prodígio da vida,

de alma rasgada,

na busca do Nada.

Quando amanhece

Quando amanhece

e há um Mar de Paz à minha volta,

há uma brancura 

que de um imenso horizonte se solta

e que é límpida e pura

como o ser feliz sem amargura. 

Das estrelas

No compasso da noite,

a insónia é a perturbação

de quem sabe que vive em vão.

E nem as estrelas, refrigério da Alma,

a dor da existência acalma.

Oferta de Paz

Pesa na Alma a lassidão

silenciosa deste tempo crepuscular

em que, em vez de se Abraçar como filho

e como irmão cada ser,

se mata e a vida se perde

como se não houvesse um campo verde

de viço e de alegria também

que se oferecesse a alguém.

 

Dia da espiga

Memória de sol e de campo

e de toda a coisa singela,

simples e Bela.

Sobre o silêncio

Em busca do silêncio, aos deuses

ofereci a seiva da minha vida -

e, agora, com um Coração que ora,

encontro nesse recato

a lembrança do meu ato.

Onde a luz

Onde a luz é natural e mais pura

renascem os dias e é feliz o momento,

nesse onde de graça tanta,

que o Mundo espanta.

 

Metade é silêncio

Na voz das Crianças,

há um enredo de Mar límpido

e secreto

que é justo e que está tão perto

do Coração

que nada é em vão.

Mas, nessa justa medida,

metade é silêncio na minha voz

como um rio que perde-se na foz.

O vento lá fora

Quando o meu Coração chora

é porque o vento lá fora

numa inclemência desmedida

sopra mais forte do que a Vida.

 

O gesto

Tarda o verão

hoje no meu Coração -

angústia das horas inquietas 

que só um gesto ardente,

mostra o que a minha Alma sente.

 

Poema breve

No desalento, não há paz

nem há conquista 

apenas uma tristeza à vista

costura um pano rasgado.

Mas, no meu deleite, só encontro

no dia horas nobres

e bordo com uma linha muito fina

o manto de cada verso

pois a viver começo.

A cor oiro

São águas profundas

as deste rio

que vejo correr desde o nascer.

O grande mistério que é o Sol,

estrela do dia,

em assombro e espanto

refulge também no meu ser,

e é sempre oiro, sem anoitecer. 

Inicial

 

O desafio é balouçar ao vento

como as árvores

e na vida permanecer de raízes ancoradas.

Este é o segredo da jornada,

dia a dia, passada a passada,

e tudo o mais é nada.

Retalho

Viajo ao amanhecer

e, no rosto de cada desconhecido,

vejo a terra, vejo o chão

e sei que a cada um podia dar a minha mão.

Dizer poesia

Vem do Longe,

vem daquele tempo que é eterno,

o poema que dizes tão bem:

estou nos braços da minha  mãe.

Arte gráfica

Cinzelo na dura rocha

o cântico do permanecer

e cada palavra revela a sublime certeza

da maravilha da Natureza.