Pintando em azulejos

São doze os azulejos, doze os meses dum ano

e de janeiro a dezembro

só me lembro de em cada amanhecer

colher a Luz para viver

e neste ato de pedinte e de sentinela

digo, Amigo, - «a vida é dela».

Madrigal

Num labor de ave que como que constrói um ninho

eu construo este Caminho

e recorto cada verso do livro do pensamento

infinito e ardente

como Alma que sente.

E se a Palavra viaja como num barco à vela

eu vejo e viajo com ela.

Página em branco

Um traço e outro traço na página em branco

e é com uma caligrafia nova que se escreve o poema

tanto assim devia ser também no Mundo

um outro semear

para um outro fruto colher

de uma outra natureza e de um outro ser.

 

Bruma sem forma

Ao acordar, um banco de nevoeiro

cobria este chão

e era um clarão nascido da terra

que por Mim acima subia

nada via, mas sentia

que por entre os homens

um coro pela Paz

é como um arco-íris lilás.

 

Os passos

A marcha começa logo ao amanhecer

ter um dia para viver

sem tumulto nem desgraça

e ver que no tempo que passa

as horas são úteis e têm nobreza

enche de júbilo o meu Ser

e deixo o destino acontecer. 

Natal

É num presépio que há no teu Coração

que nas palhas deitado

um menino sem pecado

estende humanamente a sua mão

abençoa como só um deus sabe

antes de adormecer

e enternece o teu Coração ver.

 

Noite de Consoada

Néons e na noite a neblina que cintila

e me conduz

como no escuro um foco de luz

à derradeira Verdade

parece que é tarde mas não é tarde

uma ânsia firme em Mim arde.

Apressa-te

O pensamento da gente

é como ovelha sem rebanho nem pastor

que sempre anda perdido

e desconhece

que pensar também se esquece.

 

Janela de esquina

Caminha que a estrada vem

e a cada passo

não queiras adivinhar o trilho

ele é como um filho

crescido

e de ti nascido.

O Triunfo da Luz

É inverno e vence o Sol.

E, se me espanto,

nesta singela grandeza,

vejo no homem a natureza.

 

Lugar lindo

Lugar lindo é o Sonho na noite

que através da escuridão

é Luz é Clarão

nesta imensidão.

Água correndo na areia

Se a água sempre corresse

e eu nunca adormecesse

nem quando a noite cerra o dia

então no Tempo o meu Ser

poderia a si mesmo se conhecer.

A ponta do véu

Redesenho a Palavra

e ela é agora flor, planta, estrela de Natal 

e no meu mundo sem igual

não há mácula nem desterro

nem há homem que persista no erro.

Coisas leves

Choveu brevemente na tarde

e eu saí a procurar nesta água do céu

um batismo que me livre do meu pecado

desta ilusão

de correr como corre a multidão.

 

Fio invisível

Tocam os sinos às trindades

e a cada badalada

na minha Alma corre um rio

- fio invisível -

que não é de ninguém

nem do Mar que está Além.

Como se os deuses

Não veio o inverno ainda,

mas parece que a minha vida se esvai

como se chegando próxima àquele cais

os deuses, os imortais,

aí estivessem e fossem a Mim iguais.

 

Ler muito devagar

Leio muito devagar

e as palavras ganham o contorno físico de pérolas

e são singelas na sua pura Beleza

e como na natureza da Amizade

nelas um lume brando arde. 

A cada um dia

A cada um dia e não mais

um mote para a errância na vida

e será tristeza será saudade

o mote que agora me sustém

nesta ânsia que da Alma vem.

  

Matéria mágica

O pensamento em sua nudez

lembra o puro firmamento

o céu anil que vês

e se honrares o mistério

do tempo que um dia virá

não importa o hemisfério

a Paz contigo será.

Dos pássaros

Dos pássaros que o infinito amam

te direi, quando no mais branco da cal

tudo for na minha memória igual.

Entre o anoitecer e o amanhecer

Entre o anoitecer e o amanhecer

é o tempo todo meu

e nunca nada se perdeu.

Esta é da vida a suprema Beleza

repousar como repousa a Natureza.

 

Despedida do outono

Despede-se o outono lentamente

para que o inverno

entre dentro destes versos

que florirão

mais tarde talvez 

como numa primeira vez.

Photoshop

Num deserto sem água,

desenhei uma fonte

e jorrando como um rio

essa água que corre a fio

lembra-me que nunca sede haverá

quando um homem se refaz.

Tambores poéticos

No rufar de um verso

cada sílaba tem o seu valor

tanto quanto na vida uma dor.

De um lugar da terra

À nossa janela chega o amanhecer

e é um regalo para os olhos

essa Luz ainda ténue e muito frágil

que nos enche de Coragem.

 

Ecce Tempo

Aqui está o Tempo em que aguardamos

e em que esperamos

Esperança Amor e Paz

que uma Criança nos traz.

 

Do avesso e às cegas

É no lado de dentro do Coração

que o Sol, divina Luz,

com a sua reverberação,

à Alma nos conduz.

Dezembro

O frio de dezembro chegou

e a manta e o cobertor

que não há no presépio de Belém

são o conforto que um ser humano tem.

Ausência

Deixem correr o Tempo

como uma folha de papel rasgada

que já não vale nada

mas tem uma memória nela gravada.

 

As musas

Algures na esfera nebulosa

se tece uma prosa

e um verso

e pode ser um canto de outono

em que uma a uma a palavra vem

como folha que cai

e que não regressa mais.

Coffee for you

Pego na chávena e tudo é automático

e mecânico -

o fio de líquido negro e aromático de café

enche a xícara -

e, então, eu penso que não me apetece beber

e que a minha sede do viver

a minha ânsia da vida

é como um sopro livre que vem

e passa e não se detém.

Adventus

Ó tempo de vir a ser,

Ó tempo

que sabes aquilo que é

e aquilo que será

nascido dum instante profundo de Paz.

Verso antigo

Um verso antigo veio ao meu encontro

e fez e desfez o poema de agora

onde a Saudade se demora.

 

Oh, destino dos homens

Amanhece e a alvorada esquece,

e vem a noite e já não lembra o dia,

oh, vida sombria,

perde-se o tempo em nós

e ninguém ouve a nossa voz.

O sol nasce

O sol nasce no Caminho

e é sozinho

que ilumina e conduz

cada homem com a sua cruz.

 

Guarda-chuva

No meu ombro molhado, serena e quente

a tua mão da mão ao coração

encerra uma lição.

Coisas inúteis

Espaço a espaço se iluminam os andares

e o meu olhar demora-se neste entrecortado de luz

que a uns seduz

mas que a Mim revolta como uma desgraça

ser o sinal que o dia passa.

Coisa inútil é o pensar,

o partir e o chegar. 

Pura ilusão

Deixei que a realidade,

esses palmares à beira do meu rio,

viesse ser o Sonho de um breve instante -

um mundo que pulsa em Paz para diante.

A casa em novembro

Antes que chegue o frio do tempo de Natal,

deixo que o murmúrio das fontes

que só existem na magia do pensar

ecoem pelas salas e pelos quartos perdidamente

como num amor sempre presente.

 

Face oculta

A lua tem duas faces,

a que resplandece com o brilho do sol

e a que se oculta e vive em segredo -

assim é também no homem

esse supremo desafio

e tanto que já nem sei se hoje choro ou rio. 

Lugar da escrita

As palavras do caderno viajam

na espiral do pensamento

e não há cansaços

em cada um desses passos.

 

Refúgio

De oriente a ocidente, caminho

por estas ruas enegrecidas,

e nelas deixo a minha vida

como se o destino ditasse um fim

fora e dentro de Mim.

A arte no silêncio

Passamos indiferentes

a estas gentes

que nas noites habitam as cidades

e que são sempre velhos e pobres

sem nobreza nem distinção

dentro do nosso Coração.

Cores de outono

Por onde caminhas Tu sem bordão

quando o cansaço te quebra o andar

e as rugas da tua mão

te lembram o muito procurar

é outono na vida bem o sabes Tu

é outono e até o olmeiro está nu.

 

A palavra

Rainha e Imperatriz

do tempo,

é a Palavra mais bela

a que traz o silêncio com ela.

 

Oceanos

Não termines o dia sem desfazeres a grinalda

que ergueste na manhã

para humanamente te coroares

herói desta viagem

que atravessa todos os mares

que está em todos os lugares

onde um homem ganha o pão

com o trabalho da sua mão.

 

Cinzento e luz

Primeiro o meu espírito

no caminho se perdeu 

(e foi uma noite de breu) 

até que ele regressou

à luz inteira do que sou. 

Breve estátua

Havia na chuva um silêncio

quando jovem eu adormecia

e aquela musa distante

no Sonho para Mim sorria.

Tempo foi. Tempo passou.

E a musa não se quedou.

Reflexão

Cada Flor tem em si o mistério

da Vida - floresce

e mergulha no Silêncio

e torna a florescer

até um dia em que não pode mais morrer.

 

As coisas mundanas

Do mundo é o despertar a cada manhã

e percorrer aquela estrada do viver

sem entristecer

de desalento por ver a desgraça

de quem a meu lado passa.

 

No labirinto da memória

O prodígio de viver

e de ter dentro do meu Ser o imenso Fado de homem

que é pensamento a pensamento

renovar a dor e a passada

dum tempo que hoje é nada.

Um pequeno dia

Na noite, prendo com um alfinete o Sonho

à cabeceira da cama e levanto-me.

O mundo lá fora é um mundo lá fora.

Todos dormem sem saberem da Magia

que nasce, quando nasce o dia,

mesmo na noite cerrada,

antes da alvorada.

Back stage

Só a Paz é capaz de estar onde Tu estás,

saltimbanco desta jornada,

teu é o Mundo e não tens nada.

 

Algures por aí...

Algures por aí o Silêncio

é o sinal portador da esperança,

porque é mais puro e natural

e não está revestido de qualquer mal.

 

Sem sombra

A Sul há um rio que não morre

e que corre

alheio e indiferente

à angústia que há na gente.

 

Ausência

Busco, nas impossibilidades da vida,

aquela Flor que brota do asfalto

e que brilha mais alto.

 

Enquanto a água de outubro

Enquanto a água de outubro

resgatar a infância que há em nós,

seremos por instantes felizes

chapinhando e caminhando molhados

como se no nosso Coração um eterno sol

fosse um eterno farol.

Sou esta rua

Sou esta rua despida

por onde as pessoas a passar passam

sem olhar

e sei que o fulcro derradeiro da vida

nesta marcha comprida

é o ser e o estar.

Acordado no escuro

Acordo na noite

e vejo que é indiferente

sonhar ou viver a gente

quando a este mundo chega um frio

e na verdade tudo é sombrio.

Travessia

Trazes no Coração a vontade mais querida

a do fazer e do refazer da vida. 

Refresh

Trazes o tempo agarrado à tua pele

como quem num poema

de tanto repassajar as palavras

as vê envelhecer

tolhidas na desgraça

de serem inúteis a quem por elas passa. 

No meu bairro

No meu bairro ao entardecer,

tudo é silêncio

e vem-me, então, uma vontade de morrer

como se findando eu fitasse,

estático e indiferente,

este absurdo mundo da gente.

Dentro de um sonho

O dia nasce devagar

e a cor que o mundo sustém

verde-água verde-verde verde-anil

domina a imensidão

dos lugares onde os homens estão.

Sonata para um dia de outono

Trazes nas Tuas mãos um tufo de folhas

colhidas do chão

e é dourada e vermelha a cor

do nosso Amor.

Regresso

Dentro do tronco da árvore,

um outro tronco -

e dentro do meu pensamento,

um outro pensamento.

Assim se multiplica a Esperança,

quando se é Criança.

Corpo e realidade

Brevemente me esqueceu aquele verso

de outrora - o verso onde toda a tristeza mora.

E, agora, neste instante,

salpicado de orvalho

e de Luz,

pesa menos a minha cruz.

De uma janela

Da minha janela vê-se a encosta

e este mundo aqui a meu lado

é tão perfeito

que o meu Coração se satisfaz

neste brilho de Paz.

Trova da saudade

Caminho na tarde e sonho

que este trilho infinito

conduz àquela ilha verdadeira

onde o Rei sitiado vive em prisão

e compassivo espera

por um sinal desta nova Era.

 

Ali

Ali, aonde a encosta se vestiu das cores da noite,

parece que o mundo adormeceu

e que dorme, nesse breu,

o sono justo de uma alma triunfante

este meu mundo errante.

 

Harmonia

 

É de Paz este momento.

É como um sopro gentil de vento,

que no rosto sabe tão bem,

e que vem só porque vem.

No fim de setembro

Sento-me no sofá e esqueço o absurdo do mundo

neste momento em que a minha voz

neste lance que há em nós

cinzela e esculpe aguerrida

cada silêncio da minha vida.

 

Dia de recordar

É um fio de espuma de uma onda do mar

este meu pensamento

que ora vem e depois se vai

o passado lembrando -

e para colher da vida a lição

a mão toca o Coração.

Ofício

É arte cravar no chão as suas pegadas

e deixar um rastro de Alegria e de Inquietação

no caminho por onde os outros também vão.

 

O maestro

Pela grande Harmonia e Beleza

da Natureza,

acredito

que em Tudo há um fito.

Na esplanada do café

As estantes estão vazias

e as Almas mais frias

na solidão do seu pecado

vêm sentar-se ao meu lado

como se o romance das suas vidas

fosse um folhetim

que numa tarde de domingo tem um fim.

Bem-vindo, outono

Um pouco mais do azul puro e límpido do céu

no meu desenho em Ti sustido,

meu deus,

e talvez, talvez,

o homem não tropece outra vez.

Entre o viver e o ser

Murcharam já as flores na orquídea

e a alegria que eu sentia

desapareceu também

e vivo a cada dia como alma que porfia

no tempo que a vida tem -

não ser como a orquídea que refloresce

e sempre se engrandece.

 

De mãos dadas

O tempo é vindo

e nos pátios, por entre os velhos plátanos,

passeia a mocidade

que, distraída do segredo da vida,

grita a eternidade sem fim

e o seu grito entra dentro de Mim.

 

Rota do ouro

O petiz tem um coração feliz,

brinca ao pião,

e dorme e acorda

como se sempre saltasse à corda.

 

Serenidade

Sei que sonho no sonhar

como se se abrisse de par em par

uma janela na imensidão da noite

e suave viesse ao meu encontro

com a delicadeza de um anjo

a Luz perfeita

na qual a minha alma se deita.

Regresso ao poema

Regresso ao poema como quem regressa a casa

e reconheço nos recantos dos versos

a minha Alma entristecida

que quase sopro de cansaço

que quase suspiro de agonia

tomba e esfria.

 

Sentir a casa

A raiz de Mim mergulha num céu

de paredes brancas e silêncio

onde o anjo que vela

e que toda a noite está desperto

acalma e acarinha

toda a desesperança minha.

 

Em viagem

Era longa a estrada

e mais distante era o destino

por que eu ansiava desde menino

e cresci. E sou agora nesta viagem que demora

a pessoa que já não brinca ao pião

no sem fim de uma ilusão.

 

Quase outono

Memória de chover

e, no entanto, que brilho o deste sol

no meu Coração

perfeita imensidão

do tempo e das Eras

na certeza de que me esperas. 

Vale do silêncio

Trazes no cântaro a água viva da fonte

e caminhas como se encontrasses em cada passo

uma certeza e um fim

e tudo isto tão longe de Mim

que me parece que a vida se esquece

quando a noite desce.

 

Manhã

Atravessa a paisagem o fio de luz

deste verso

e vai pelo universo

e será claridade talvez

e grandeza e pequenez

como o destino que deus fez.

Possivelmente

Sonhei-te, mas não vieste.

Possivelmente havia um Mar a separar

na eterna distância

e o real entra pela minha Alma adentro

nuvem desfeita

em que o meu corpo se deita.

 

Mais além

Esta água de beber

e que em Mim permanece

é como um verso lido e relido

tão perfeito de sentido

que não pode se pode esquecer.

 

O céu de setembro

Pousa a mão sobre o Coração e espera

que essa nuvem branca

venha ter contigo

e te leve, tão leve, pelos ares

em busca de um jardim

que seja o princípio, o meio e o fim.

Plural

No oiro da tarde, agitam-se altaneiras

minhas tristezas

e quase chegam ao céu

e são lembrança de um Poeta que chora

aqui aonde mora.

Olhares

À noitinha, nessa hora de meditação,

corro os olhos pelo caderno

e vejo um D. Quixote e um dragão

e na luta que eu imagino a começar

cercam-me as ondas de um alto mar.

 

Um dia virá

Um dia virá em que por um momento serei

o infante e o rei

e nesse instante mortal

minha Alma descoberta se liberta

e, de súbito, desperta.

Pequenas coisas

Uma vela acesa um barco no mar a navegar

um arco-íris na linha do horizonte a estrela da manhã

e o meu corpo imóvel

sentindo os braços as pernas as mãos os pés os dedos

e indo Além dos medos.

Tempo de vindimar

É com a palavra madura que eu colho

em cada esquina

que escrevo o livro da vida

e uma a uma cada página se solta

e parece que não volta.

Fio solto

No espelho, o rosto não tem idade

é como uma Alma que se fita

e nela a Esperança é infinita.

 

Sem pensar

O sopro do vento desaparece e vem

assim como uma dor que se tem

e oscila, neste movimento do mundo,

o meu pensar,

onda perfeita num Mar.

Regresso a casa

É outro o céu de estrelas

e é outro este chão

que sustém cada passada

e a estrada que leva Além

com a força que a Vida tem. 

Tarde de domingo

A música que passa e o tempo que se escoa

é como um pensamento que voa

e se perdeu a voar

mas na minha Alma até parece

que na lógica da Razão

só manda o Coração.

E diz o Coração pequenino

que és ainda um Menino.

O fio de Ariadne

Regresso ao tempo das descobertas

e das coisas sei os nomes

ilha pássaro onda mar

e aonde quer que o Caminho me levar

farei por sempre me encontrar. 

Como água que corre

Como uma água que corre,

neste chão,

meu pensamento caminha para a imensidão,

e, na hora primeira da noite amanhecida,

há marés de Mar na minha vida.

Antes do outono

Quando o outono vier,

e de prata e oiro estiverem as árvores vestidas,

recomeçarei

como recomeça a Natureza

libertando-se de toda a certeza.

 

A arte de fazer nuvens

É de oiro este instante

em que toda a paz profunda

a Natureza inunda

e entardece e é belo

e sabe-se que a noite vem

e o sono também.

 

A brancura deste cais

Porto de abrigo, este cais de pedra

reverbera como ponto de luz

e colhe da infinita distância

as estrelas e o luar

que estão também aqui neste lugar.

  

Renascente

Sem pressa,

como um mundo que começa,

se dá um primeiro passo

e é tão grande a aventura

que o Caminho ainda dura.

 

Outras geografias

Acendem-se as luzes dos apartamentos,

e há de velar, como eu, pela noite,

esperando um amanhecer,

gente que sente,

mas que tem uma alma diferente. 

Escrito no chão

É um poema escrito no chão que pisamos,

por isso está, como o mundo,

desordenado

e, sem futuro nem passado,

nem presente que da má sorte o resgate,

não tem vida nem tem arte.

Quem sonha que sonha

Quem sonha que sonha, sem despertar,

vagueia como numa onda que é o sopro do mar

e nem a muralha dos rochedos,

gigantes de medos, perturba este sonhar completo

como se um deus estivesse por perto.

A praia

A praia tem rochedos

e tem segredos também

e minha Alma vagueia

nessa orla de areia

onde um dia, louca, procurou

um tesouro que nunca encontrou.

Quando eu tinha uma árvore

Cansei de ser criança.

Cresci.

E esse pedaço puro de Mim se perdeu

no aglomerado de gente também crescida

o este e oeste da vida.

Branco mate

Folheio as ondas do mar

como quem procura na marca de água

um cavalo marinho

ou a imagem de uma sereia

presa numa teia.

  

Onde a paz começa

Murmúrio do vento

lá fora,

onde toda a paz profunda mora

nos campos e arvoredos

numa natureza de segredos. 

Via da prata

Acende-se um fogo no céu

e o meu pensamento é chama de luz

onde cada um dos meus passos faz o grande eco

de ter na bondade e na esperança

uma Alma de Criança.

Depois...

Não agora quero viver

nem quero neste instante permanecer

apenas depois

quando o mundo for como uma rosa em botão

florescendo na minha mão.

 

Contemplação

Mistério do silêncio que é orvalho

e goteja límpido e puro

no meu pensamento ao amanhecer

como se o Mundo fosse acabado de nascer. 

Um campo de margaridas

É um longe sem fim

onde parece perder-se a esperança

e está dentro de Mim

como um campo muito branco que balança.

Revisitação das coisas

Na minha quietude de estátua,

repercorro o trilho desta encosta

íngreme e sinto-me audaz

e nem penso que tantas vezes fugi

numa ânsia de não estar aqui.

A preto e branco

A preto e branco vejo o mundo,

árvores negras, céu de breu,

e a fonte clara

de onde jorra aquela água de beber

que é a esperança do meu Ser.

Voltarei a esse lugar

Por entre as persianas, a luz.

Que belo poema do entardecer

é permitido aos meus olhos ver.

 

Breve morada

Descansa a rosa no meu colo

e nesse hausto breve

o meu caminho é mais leve.

A nuvem que passa

Em todos os passos que deres,

procura a firmeza do chão,

não tropeçarás assim

mesmo perto do fim.

 

Atrás do tempo

 

Corri. Caminhei,

mas não te alcancei.

És furtivo como a noite mais escura,

Tempo incerto,

minha  eterna lonjura.

Do outro lado

Do outro lado estás Tu.

Não sei das tuas forças 

nem das tuas incertezas.

Mas sei, porque essa é a lei,

que és um viajante como eu

neste caminho que um deus deu.

Vastidão

É dentro de Mim que o oceano é vasto

e há marés e neblinas

e há também um pensamento que é nau

e que parte à descoberta

quando é a Hora certa.

 

Como um corpo que dança

 

Como um corpo que dança,

e, suave, balança,

sem nenhuma inquietação,

assim este verso te procura,

musa de ternura.

O mundo num abraço

Corre mundo a nau das descobertas

e cada porto de paragem

é como aquela margem  do Tejo

simples e fugaz

mas que traz um Abraço de Paz.

Pequena história

 

Sem princípio nem fim

o universo

vive dentro de Mim.

À conversa

 

Com as estrelas conversei

sobre filosofia e arte

mas não pôde ser discutida

a humana forma de ser

de fazer guerra e matar e morrer.

Fragilidades

Num momento,

o céu sedento do meu Coração

encontra, por entre búzios e corais,

uma lágrima esquecida

neste Mar da vida.

Dispersão

Ó Vida das mil faces desfeitas,

vem, antiquíssima e Bela,

trazer-me o cálice do absinto

para eu esquecer o que minto. 

As folhas de julho

O caderno de escrevinhar

contém a verdade de cada dia

e se um verso em Mim confia

e jorra formoso nesta imensidão

é porque um deus me dá a sua mão.

 

Frágil

Mora no passado a eterna esperança

onde em tempos fui Criança

e, brincando, via entardecer o dia

sem medo nem temor

como um anjo bento num andor.

Reencontro

No centro do Coração, aqui,

a minha Alma é raiz

e brotam mil ramos de vida

quando o pensamento sente também

o caminho daqui e d'além.

O tempo que falta

Ponho sobre a mesa de mármore

o caderno das horas

e vejo que é pedra reluzente

a dor que a minha Alma sente.

 

Dia de São Pedro

No meu beiral, vigiam as aves celestes

e noite e dia, ao seu cuidado,

cada passo é mais amado.

A raiz da pele

E o caminho a Ti me conduz

cinza oiro luz

e um dia que nasce inteiro

mesmo no meio do nevoeiro.

Mar noturno

Espero a noite ainda

aquela noite que não finda

e que virá um dia mansamente

ser o mistério da gente.

Em voo

Dança o meu pensamento

e rodopia sem parar

como se só na força do vento

se pudesse encontrar.

Quase um novo dia

Ignoro o movimento do tempo,

quando me sento

a olhar

as nuvens a passar.

E nada mais importa nem um grito

se solta

se tenho o céu à minha volta. 

Fugaz

Fugaz é o dia, a noite e a manhã fria.

E aquele caminho da esperança

de que me não lembro hoje já

também não sei aonde está. 

Poema dos sentidos

Passo a minha mão pelo ramo da roseira

e, como quem afaga uma futura flor,

toco ao de leve nas branduras

dum orvalho matinal

procurando nesse lento gotejar

a rosa perfeita

numa cruz desfeita.

Tarde de domingo

Talvez seja eterno o instante

em que este verso como pão repartido

alcança no mundo um sentido.

Um rasto de oiro

Um rasto de oiro no cimo das árvores

é o sinal de que a tarde chega ao fim

e perto e longe de Mim

aquela névoa no pensamento

que como a noite chega e vem

é minha e de mais ninguém.

Bem sei

Bem sei que as flores nas jarras

murcham e secam

e que numa vida humana se contam os dias.

Bem sei que tal como amanhece

também entardece

e que não há sempre o sol do meio-dia.

Bem sei todas estas coisas da existência,

mas o mais que tudo, eu sei,

é que no mundo há uma lei.

 

Nuvem ou música

É do cimo da encosta que vejo nascer o sol

e nascer a lua e nascerem as estrelas

e só assim o meu universo fica completo

como se o céu estivesse sempre perto.

 

No dia de Santo António

Um tostão, apenas um tostão,

e assim se celebrava a festa do santo,

quando eu era criança e pedia na rua

um tostão, apenas um tostão,

a cristão e a não cristão.

 

O primeiro voo da andorinha

Um amuleto da sorte

e o anjo da guarda salvador

são a salvaguarda da morte

e um caminho de amor

por isso confio e me entrego

e meu coração sossego 

A Sul

Far away é a terra do exílio

a terra da planície

despida

miradouro da vida

 

Louvor aos dias

O tempo é um caminho que não volta

nem se repete

ainda que após uma primavera venha um verão

e nisso pareça que a emoção

se iguala numa mesma medida

mas não é assim na humana vida

 

Alba

Quando o que é real

não for desigual

então poderás caminhar

de pés nus sobre este chão

como numa mansidão 

Penso mar

Penso mar e é o teu perfil

engastado nos rochedos na orla da praia

que se desenha nesta claridade da espuma

que traz sempre de novo

a força heroica do meu povo

Menino crescido

Perdeu-se o bibe e o brinquedo de corda

e agora neste tempo

em que os sonhos azuis

nunca mais virão

dei-te mesmo assim a minha mão

Noturno

Vestígio da noite ainda.

Uma noite que não finda.

E, por isso, neste noturno matinal,

não encontro da luz um sinal.

 

Esboço

Na minha Alma nova

como num cantar de cotovia

há o encanto

do Sonho e do Espanto. 

À roda das palavras

Por um instante, não mais, fica, Amor,

nesta roda das palavras

que são grito estridente

daquilo que um homem sente

na larga travessia

por um instante, Amor,

vê, neste puro rumorejar da hora,

que o meu Coração parece que chora

quando a palavra demora

e o tempo de Mim se vai embora.

Jacarandás

De lilás, em suave manto,

se cobre o meu Coração,

tal como ruas, praças e avenidas

se cobrem destas flores floridas

que anunciam um novo verão.

 

Dia da espiga

Só no tempo da infância

é possível

a graça

de acreditar que a dor passa.

Por isso colho o ramo,

tal como o colhi no passado,

e já nem sei se há dor ou pecado.

Ars mobile

A alma repousa neste lugar de Mim

e espera, oh, como espera,

pela aurora

neste sítio onde agora mora.

Abrigo

A casa flutua no meu Sonho de mar

e é navio transatlântico

que procura na suma lonjura

o eterno porto

também eternamente sonhado

que é futuro, presente e passado.

Com as palavras

Recantos de silêncio entre as palavras

e o mais que dizias que uma vida são dias

e que é no agora que um homem chora

me lembra em recordação

o meu futuro Coração.

Ondulações

Assim balançam os ramos 

da árvore

como balança na vida 

este Ser

que perece

como na noite o dia se esquece.

Pensar

No momento de alinhavar o poema,

antes de o pespontar,

o pesadelo do presente,

mesmo em frente da gente,

é a linha que cose e que costura

esta realidade tão dura.

Por isso neste verso não há alegria

nem neste poema há um hino à razão

que nos conduzam ao centro do coração.

Regresso às palavras irreais

Regresso às palavras irreais

como Instante, Sonho, ou Coração

quando ponho minha mão na tua mão.

Patamar

A tarde de domingo requer a arte

de Amar

como se ama o segredo de cada dia

na madrugada fria.

 

Janela aberta

Página gigante

do gigante poema

do céu liso e branco,

mostra-me a Tua face verdadeira

para eu me revelar inteira.

 

Como de areia

O castelo de areia

também envelhece

quando as ondas lhe desgastam as ameias

e no sol da tarde

o turbilhão da maré

não mais o deixa de pé.

 

Na esquina das palavras

Como palavra num verso

que nos chama para a vida

assim eu também

clamo 

com vívido ardor

por aquela Paz

que no coração nunca jaz.

A estrada que começa

Ser de um outro lugar

inexistente

e começar aí o caminho da vida

sem tropeções

nem errância na voz

apenas com a Coragem que há em nós.

Movimento

Não tenhas pressa.

Não corras como corre este tempo

que nos diz

que não há uma raiz.

E se puderes vê no ciclo das estações

que há primaveras e verões

depois de no inverno anoitecer

o homem no seu ser.

Colhe então devagar

o sol e o luar

a prata e o oiro

e acharás um tesoiro.

 

Nova rosa

Um dia virá em que este instante

de silêncio

e de serena verdade

encontrará a eterna mocidade

e então como quem num canteiro

de um jardim

encontra a rosa acabada de nascer

assim este instante em Mim

nunca chegará a morrer.

Ode

O meu pensamento é disperso

quando o dia chega ao fim

e eu fico mais perto de Mim.

 

Algures... não sei

 

Hora de ponta. A multidão não ouve e não vê.

E eu procuro apenas um sinal

do que é a vida nesta condição mortal.

De pés assentes na terra

Cá fora, e por dentro de Mim, um jardim

imenso, sem fim...

mas é sonho por certo

de quem não vive desperto.

No meu bairro ao anoitecer

No meu bairro ao anoitecer,

é que apetece viver

como se dos confins do Universo

a Paz descesse

pura e natural

e dela nascesse um mundo original.

La Luna

Quando um manto invisível de tristeza

lança dor no teu olhar 

e a noite vem,

procura um fio de luz

que ilumine a tua cruz.

Pedra sobre pedra

São graníticas estas mãos que embalam

na noite um filho no regaço

e que sem cansaço nem tremor

são eternas como o Amor. 

Equilíbrio

Longamente corre um fio de água desta fonte

límpida e verdadeira

a lembrar que também o tempo corre

e que de sede também se morre.

A liberdade

E a liberdade é assim um desejo sem fim

de ser na mais justa medida

uma estrela brilhando na vida.

E se o céu por um momento escurece

na Tua voz clara, meu Amor,  ela permanece

como do Oriente a Luz que ao Bem conduz.

 

Arte poética

Aconchego a chávena de café nas minhas mãos

e observo em silêncio o alto da colina

e talvez seja então que o poema brote no meu Coração

nesse momento vago sem lucidez

assim como o mundo quando deus o fez.

 

Em alto mar

Uma vida não chega

para Abraçar

o fundo do mar

nem para despertar num amanhecer

e ter uma nova natureza num novo Ser. 

Por isso em cada instante que nasce

numa eternidade

procuro a minha Alma sem idade.

Dia da Terra

À janela um pequerrucho rega

uma trepadeira azul

e o sol brilha orvalhado nesse momento

em que não há miséria

nem fome

nem a dor nos consome.

Tarde de abril

Quero falar-te do vento

numa tarde de abril

mas subitamente penso no paraíso

sentindo o teu sorriso

e nada mais é preciso.

Cada sílaba

Retorna a Alma ao caminho da peregrinação

e os dias apressados

e as gentes de todos os lados

são o labor

que a Vida consente

neste tempo presente.

 

Páscoa

Na Beleza ascendemos

e na Paz perfeita florescemos

qual coisa no seu exato lugar

a cruz na terra e o Coração no céu

e o olhar desse homem que não tem véu.

Aqui

Para  além daqui há o Longe e há o Mar

e há países, guerras e fronteiras,

e  há palavras verdadeiras

e sonha o que em Mim sonha

sem se deixar levar

nesse para além daqui por achar.

 

Meu mar

Meu mar é meu silêncio de onda que não volta

nem torna a passar

como a água do rio que não pode recuar.

A Sul

 

A minha Alma habita aquele Sul 

que não se pode encontrar

na simples geografia

e que é um lugar

onde tudo o que tem princípio e fim

nasce e morre dentro de Mim.

Poema da primavera

Todos os dias eu espero por um entardecer

que seja uma alvorada consentida

e que no sopro da vida

esse instante derradeiro

seja para Mim o primeiro.

Nem a verdade

Nem a verdade me conduz

por entre os caminhos da existência

nem a sapiência é meu mote

por entre os homens

o que escolho na vida é uma Alma compassiva

e singela

como se a humildade vivesse sempre nela. 

A flor

No pousio do pensamento, medra e floresce

como uma flor de jardim

a ideia tantas vezes repetida

de que há o sonho além da vida.

Matriz

Um verso que sai de dentro de outro verso

sem inquietação e sem dor

inunda a vida de cor

e viva, então, a palavra

parece o arado de quem lavra.

Viagem

Aqui, tão longe das águas deste mar que nos cerca,

viajo em pensamento feito proa de navio

e lido com todos os medos e pavores

como marinheiro em trópico desconhecido

procurando, e procurando, da vida o sentido.

 

Instantes

Um olhar que demora

e um tempo sem regresso

por isso, meu Amor, te peço

sê como a brisa do amanhecer

e corre pelos recantos do mundo

para me despertares do meu sono profundo.

Para que serve a liberdade

Lava o teu prato sempre com um sorriso

porque é preciso

repetir gestos diariamente

ou então rega uma sementeira e aguarda pelo colher

e é isto o que é viver.

Diálogo com a brisa da tarde

Não procuro, no movimento do mundo,

a Alma da Vida,

antes a colho na vide seca da videira que não deu fruto,

assim como eu que deponho as armas e não luto.

Relógio d' água

É incerto o tempo que se escoa

como se não houvesse outro tempo

que este acabado de nascer

num Coração que bate, bate, até morrer.

Desafio da primavera

Os meus passos em redor da casa

levam-me

àquela estrada que conduz ao antípoda do mundo

e onde aí serei um vagabundo.

Todos os momentos

Não chorar pela multidão adormecida

nem pela crueza da vida

nem pela fome guerra e atrocidade

não chorar pela devastada mocidade

e será consolo em todos os momentos de dor

apenas um Sonho redentor.

Invisível

É invisível esta dor no peito

fosse ela uma mancha sépia na pele

e seria como do tempo um sinal

que mostraria ser igual ser e não ser imortal.

Domínio da poesia

Não é vã a palavra de que se constrói

no poema uma certa arquitetura do mundo

e quando as aves vêm pousar

ou quando as estrelas vêm brilhar

um mundo justo ganha uma forma plena

vinda dessa canção pequena.

Ser primavera

Fica a minha Alma mais leve

quando a eterna Criança da Esperança

vem habitar o meu Coração.

E então caminhamos e conversamos sobre a Beleza das coisas

e tudo é tão puro e natural

e tão vibrante de espantosa magia

que no mundo por um instante é sempre e apenas dia.

 

Lado a lado

É noite. Acende-se de estrelas a minha janela

e eu penso que a imensidão do céu

me visita por um momento

em que ainda desperto

eu acredito que a Luz está mais perto.

Ode à memória

Lembra-te 

e não esqueças

que para que amanheça no teu Coração

nenhuma noite será em vão.

 

Quando voam os pássaros

Quando voam os pássaros

e eu os vejo a voar

algo fundo em Mim começa a se alegrar

e nessa inteira e sublime Liberdade de se ser

mora em Mim uma saudade de ter tido esse viver

mas na minha humana condição

livre é apenas o Coração.

 

Urze

Na grande cidade, ao anoitecer, iluminam-se as ruas

e esta luz elétrica abafa a negra escuridão

mas, no meu Coração, de urzes e giestas agrestes

há apenas Sonhos campestres

e a lua e a estrelas apontam a imensidão.

Dia de mar

Mergulho no movimento da onda e escrevo

um hino a este dia

e Tu, apenas Tu, saberás

que é tão lúcido quanto o espírito da Paz.

 

Sopro

Há um horizonte que me cerca

uma muralha invisível no sopro da noite

aprisiona e me emudece

como se não houvesse uma prece.

 

 

Evidências

Não adies o abraço nem o beijo

que como um canto de ave num beiral

é a cada instante sem igual.

Madonnas

De permeio no Coração

um cofre bem guardado que contém

a paz o perdão o sacrifício e o amor

que santificam toda a dor.

Logo será primavera

Agarro com a minha mão todo o céu

e não deixo que nem uma gota se perca

desse azul silente

assim a minha Alma se sente

plena dessa cor de mar

por onde tenha de passar.

Imagine Peace

Se puderes, imagina um barco à vela

e um triciclo cor-de-rosa

e de Paz será o caminho

num regalo de muita e muita cor

que nem a escuridão esquece

mesmo quando é noite e escurece.

Namasté

Se tiveres uma jarra com flores,

renova a água desse vaso

e verás florescer

o que está condenado a morrer.

 

Tarde de março

Este é o meu mural num prédio em ruínas,

esta é a minha canção de silêncio

numa tarde em que sós 

somos mais do que apenas nós.

Através da Paz

Atravesso a Paz de olhos abertos

e encontro, nesta claridade inicial,

o rosto da humanidade irmã da minha.

E, felizes, e irmanados,

pomos no regaço da Esperança

a semente do tesouro

de um novo tempo vindouro.

O ramo de sabugueiro

Dá-me as tuas brancas flores

que junto ao ribeiro florescem

e farei uma grinalda festiva

para o dia da suprema Liberdade

aquele dia da Verdade. 

O guardador de silêncios

Basta um verso,

meditado dentro do meu Coração,

para voltar a ser um menino

pequenino

que roda o pião

na palma da mão.

Ternura

É o tempo, agora, de pousar a chávena de chá

sobre a mesa de vinhático

e de ler

e é de ternura este instante

uma pequena criança enfrenta um gigante.

 

As coisas simples

O caderno de escrevinhar

e a côdea de pão

sol e chuva no meu caminho

e cada homem, meu Amor,

numa estrada sem dor.

 

O azul do mar

Sem crispação, um mar muito azul e muito calmo,

um mar de paz, entrou, na quase madrugada, pela minha janela,

quando o motorista do autocarro fez um compasso de espera,

aguardando pela  minha vizinha que correndo se lançava para o transporte.

E, com esta fé na humanidade, aventuro-me no mar, na claridade da tarde,

e navego com a onda que vai de ilha a continente

lúcida por entre a gente.

Imagem

Deixá-las murchar as flores

se encantam enquanto é eterno

o momento da ilusão

de ser imortal

uma rosa num quintal.

Antemanhã

Medito agora ante o vislumbre da noite que vem

que nada supera a Luz

nem a Aurora

dum amanhecer quando é a Hora.

Pela arte

O comboio chega à gare de destino

e eu, alheio a este fim de viagem,

procuro uma nova paragem

que me leve, por entre a Beleza das coisas,

a esse Mundo justo e perfeito

e sem mal

que é o que na vida mais vale.

Entre as paredes brancas da casa

Aqui, onde há um silêncio mais profundo,

é o cabo do mundo

e é onde o mar dos meus pensamentos procura a Beleza

assim como quem procura uma Certeza.

Fragmento

Quando a cidade acorda para um novo dia,

me espanto de não encontrar

uma vontade renascida

em cada lugar.

Abro a janela

 

Abro a janela

e deixo que entre esta chuva inexistente

até encher o meu coração

duma água colhida na imensidão.

Tão cedo

Tão cedo clareia na noite mais escura

a lua branda da ternura

e o Mundo tal como é

ignora o que está ao pé.

  

Miradouro

 

O manto de neblina cobre o outeiro

e nada é mais verdadeiro

que este tesouro de prata e oiro

que os deuses

às vezes aos homens oferecem

quando da dureza do destino se esquecem.

Este chão

Vê, Irmão, este é o chão que tu pisas

e que eu piso também 

neste tempo que o tempo tem

e que sendo presente

nele o passado se sente.

A casa branca

Aí, aonde o tempo tinha labores,

aprendi que o silêncio

é essa união

de amor e paz no coração.

 

Noturno

Entre a folhagem da árvore ressequida

há um Sonho de vida

que é a seiva de que se alimentam os poetas

quando o verso não vem

e o Caminho está para além.

O voo

Da sombra do interior da casa para a rua

para a luz

para o caminho que me conduz

nesta nobre viagem

em que estou de passagem. 

O rio

O rio das águas brandas

corre sempre devagar

mesmo da foz para o mar 

e, sem turbilhão nessa correnteza,

é mais firme no pensamento a certeza.

Um mundo novo

Um mundo novo

está dentro do coração da semente

daquela maçã muito vermelha

que o teu olhar espelha

e é tão real

um mundo sem mal.

 

A rota

Não sei desse Longe

que é caminho dos deuses imperfeitos

que, sem lembrança de terem sido um dia mortais,

aos homens destinam sinas desiguais.

Tertúlia

Antes de seres de Coração novo,

pisa a terra dura

das dores e da amargura,

e só então resplandeces

para que mesmo no cansaço

se veja a vitória de cada passo.

Crepitação

Contemplando a luz da manhã,

renova-se o meu Ser

como quem folheia um caderno antigo

e encontra nele o orvalho dum amanhecer

que é a força do seu viver.

 

Jardim do Sul

Quando olhares uma pedra branca e muito lisa,

pensa que antes já foi rochedo

e penedo bravio no meu Coração

assim como bordando em linho

a bordadeira da dor esquecida

desenha com fio uma beleza na vida.

 

Aniversário

Outrora os ramos verdes das flores

cobriam o meu regaço

e eram como um pedaço de planície vicejante

perfeita e inteira

e imorredoura

como quando o sol a lua doura.

 

Pela Paz

Canto a Alegria do Ser,

sem bruma na manhã renovada,

e percorro a humana estrada

crente que do milagre da vida

seja a caridade por todos repartida.

Simplicidade

A jarra com flores é onde poisam os meus olhos

cansados do inverno frio

e o meu olhar procura naquele instante

que sempre dura

(e por isso é eterno)

o florescer

que não possa morrer.

Chegando

O frágil ramo despido da árvore nua

é onde poisa o meu pensamento

ou qualquer outra coisa de Mim

que é tão íntima e certa

que é uma permanente descoberta.

 

Belo como o silêncio

Folheio o livro e página a página

pressinto a hora e o instante

em que o Poema foi uma alta-voz

deste mistério que há em nós.

Canção

Talvez seja de dor a travessia deste mundo

e nos magoe o Caminho a cada segundo 

mas ao teu lado, peregrino,

o Longe é uma Aurora

e é aí que a cor oiro mora.

Cimento e pedra

É de cimento e pedra esta floresta citadina

por onde caminho por entre esquinas e ângulos,

sem humanidade,

que dor!, e que queixume!,

minha Alma subitamente sente

por não encontrar aqui a Alma de outra gente.

Exílio

Quando me sento a escrever um verso

sei bem que há uma Verdade

que além de Mim cabe

no pensar de outro Alguém

e é neste vai e vem

que o mundo se sustém.

 

Moldura

Onde?, sem tela,

fica apenas a moldura singela

como uma janela sem idade

que se abre para a Liberdade.

 

Inverno

Não na alma que seja inverno,

mas, nos dias a passar por Mim,

eu vejo já próximo um fim.

E, no entanto, tanta é a estrada para andar

e tanto inverno sem acabar.

Bálsamo

Puríssimo rosto que os anos no tempo desfaz

não olhes senão na direção do futuro

e verás nisso um gesto audaz

e porque a alma se renova a cada amanhecer

sê primavera e verão

sempre no mais fundo do teu ser.

 

Ser diferente

Sê diferente, meu Irmão,

não queiras florir nesta imensidão,

sem que, sendo rosa em botão,

sejas único na multidão. 

Mar. Mar. Mar.

Vieste desse profundíssimo e vasto Universo

e trouxeste nos teus olhos o sinal

do Mar universal.

Cândida alegria em Ti,

doce Criança,

és o lugar da Esperança.

The wave of one sea

Era uma onda cristalina,

que pairava no horizonte,

e, translúcida e pura,

parecia um Abraço de ternura.

Névoa

A névoa entrou pela janela,

respiro agora essa neblina branca

e, por isso, flutuam os meus pensamentos

num corpo preso ao chão

que não vagueia como a razão. 

Entre folhas

Folheio este caderno do tempo

dia a dia, procurando o signo que seja sinal

de ser cada instante

um momento cintilante. 

Dia de Reis

Na hora mais sossegada,

eis que os Magos adoraram

Cristo, Menino Jesus,

e tanto que na manjedoura, 

quanto na cruz,

houve um brilho de Luz.

 

Compor

Revisito a Beleza nas coisas.

E, vassalo da lembrança, repercorro os dias deste breve inverno,

procurando quotidianamente recompor

aquela inteireza perfeita

que já existiu num passado,

antes de haver pecado.

Turismo

Lá fora o dia que finda lembra-me uma noite

sem estrelas no firmamento

então eu estendo as minhas mãos sobre esta mesa

e passo essas mesmas mãos sobre os papéis dispersos

como se visitasse num templo perfeito

aquela dor eterna no peito.

Graça

E finalmente é a promessa cumprida

no assombro de uma vida

desigual

mas sem que triunfasse o mal

o bem prevaleceu

e o Poeta viveu

como guerreiro do universo

em cada prosa num verso. 

Caminho de inverno

Passa e permanece

como a bruma que anoitece o dia

na imensidão esta travessia

tanto que nem os deuses com o seu poder

de dar a vida e a morte

nos podem livrar de tal sorte.

 

Ao meu redor

Conta-me de novo desse reino de ventura

onde as mães embalam os filhos no Coração

sem medo da perdição

diz-me secretamente ao meu ouvido

que esse reino é nascido

por mil anos

e que ao meu redor

eclode viva a semente

de uma nova humana gente.