Soleil

Rigoroso o mapa do Céu

no meu desvelo dos dias e das horas

mostra-me que mais um ano chegou ao fim

e tarda porque deve tardar

uma tarde límpida à beira do Mar. 

De coisa em coisa

Parece, 

homem, 

que te esqueces

que estrepidam as estrelas do céu,

e que no breu da noite há a Verdade,

quando se lembra a mocidade.

Espreitando o anoitecer

Saio de casa no crepúsculo da luz

e deixo que os meus passos

me guiem

na Tua direção

ó Noite no meu Coração.

 

Equilíbrio

Entre Mim e o mundo há o horizonte.

Eu estou do lado de cá e o mundo do lado de lá.

E ainda que me mova, será sempre assim.

Tenho o horizonte ao redor de Mim.

Por isso, sem revolta,

nem amargura pois que dura,

sou uma ave na planura.

Reflexos

Nas águas do rio, miro o meu rosto

e vejo-o passar

na correnteza para o Mar.

 

Simples assim

Esta brisa que sopra devagar

e este amanhecer

são o universo 

do Sonho que persigo

ter o teto do Céu por abrigo. 

Natal

Nasceu um menino deus

num dia

de eterna graça

e aqui passou porque tudo passa

a alegria de uma infância

com mãe e pai e avós

como qualquer um de nós.

 

Noite de consoada

À noitinha, por esses caminhos e estradas

vão raiar as madrugadas

e os esplêndidos alvoreceres

nascerão em todos os seres.

É quimera talvez,

mas sonho-Te como na primeira vez.

 

A promessa de luz

Mansa Musa, me desperta

agora que a Luz venceu

e a Terra toda completa

vive a promessa deste céu.

E o inverno chega enfim

tão perto tão perto de Mim. 

Beautiful soul

Caminhei

e apenas encontrei

a pérola do brinco perdida

quando no face a face do meu rosto no espelho

vi numa nudez

a essa pérola como pela primeira vez.  

Cântico a um deus desconhecido

Trouxesse eu enxutas as mágoas dos dias

e seria este lugar

outro e sempre igual

um mundo ideal

mas, porém,

falta ainda algo que está Além.

Chão com musgo

Esta passada me alegra e me entristece

na lentidão

do movimento.

É um dentro cá fora

onde a solidão mora.

 

Algo minúsculo

Uma vela acesa na escuridão da casa

ilumina

e até parece aquecer

por dentro o nosso Ser

agora imagina mil velas que iluminam

no firmamento o breu

e cada passo que os homens dão

na sua humana condição.

Quando uma porta se abre

As memórias são histórias

que contamos baixinho ao Coração,

quando se acredita que o passado nos fita

e que em nós vive também

um tempo de um outro alguém.

 

As coisas e os dias

Antes que anoiteça deveras

e esta parte do mundo mergulhe nas trevas,

deixa-me dizer-Te um verso simples -

aquilo que se colhe em botão

é da largueza duma imensidão.

E a noite chegou.

E a escuridão avançou.

Avistamento

Demoram os deuses o seu perdão

ao homem humilde,

que moureja

e é bem que seja assim

também um beijo só se dá no fim.

 

As cidades

Desenho a carvão a cidade no meu caderno

e, assim, negra e brilhante

parece um postal

de Natal.

Terá sido um sonho talvez

mas uma obra que um homem fez

é apenas uma peça num jogo de xadrez.

 

Em qualquer lugar

Um sonho passa devagar pela noite

como que iluminando de sol essa escuridão

que precisa tanto de luz

quanto a Terra

onde atroam os mísseis da guerra.

 

Improviso

A florista tem ramos de azevinho

espalhados à porta da loja

e quem passa sorri

e demora o passo mais devagar

como se esse pedaço de rua fosse o seu lar.

Outras rotas

Por caminhos andei perdido,

tanto de espanto,

e tanta a hora,

era sina de outrora.

 

Quase nada

Perecível, a Flor ensombrece no jardim

e aguarda

pelo Silêncio absoluto que tarda.

E nada mais importa senão que uma Flor é coisa morta

mesmo que na Beleza dela

viva para Sempre a cor mais bela.

 

O outro lado

A régua de medir as alturas

é curta

e não chega da terra ao céu

é precisa outra ciência

irmã mulher amada

nesta vida amargurada

Linha de água

O verso em letra impressa aguarda por Mim

numa página branca e pura

como se sozinho

ele ensinasse o caminho.

 

A bailadeira

Antes que o tempo fosse tempo,

só havia eternidade

e o movimento da lua pelo sol iluminada

era uma pura jornada

de uma dança sempre bailada.

Silêncio em Mim

Fecho a porta e deixo o burburinho do mundo

lá fora,

é, então, que se faz um grande Silêncio no meu Coração,

não de coisa morta, 

mas, sim,

de uma união que exorta.

Fábula

Subitamente, 

o espanto

da metamorfose do ser -

é borboleta o bicho da seda -

na caixa de cartão,

e é essa a grandeza da solidão.

 

O mar que não pode ser visto

Pregas o botão no casaco,

com uma linha preta de cor,

e a agulha corre ligeira à tua maneira.

Mas aonde paira o teu pensamento,

que voltas e voltas como onda do mar,

aonde vais buscar

a mestria do laborar.

Adventus

Na sombra dos deuses de bronze, nos criaram

e somos hoje viajantes sem destino

procurando um deus pequenino.

 

Linha reta

O tempo que passa não volta

ao meu regaço

bem sei - esta é a lei.

E se até a pedra da montanha

se quebra e se parte 

assim também é na arte.

E de repente já é dezembro

Um arco-íris fugaz iluminou o céu

e me lembrou

o lugar onde estou.

Aqui - entre memórias e esperança -

entre um mar bonançoso e a verdade -

nunca é tarde. 

Ofício

Um castelo de areia é do ofício

de quem constrói

na efemeridade

um instante de verdade.

 

Eterna âncora

A Palavra parece esquecida

mas no retorno

da vida

Ela aparece e vem

como se fosse um sopro do Além

Degrau por degrau

Aqui, no turbilhão dos pensamentos,

sou por um instante feliz.

Sei que a escada por onde subimos

também se desce

e que até quando se esquece

a memória volta a prevalecer.

E em tudo como em nada

neste viver

só a esperança não pode morrer.

 

Café da tarde

Acredito na palavra verdadeira,

como estas árvores, nua

e esta é a minha lembrança tua.

Quietude

Sei que serás o obreiro da Paz,

neste longo entardecer

do mundo.

E que da noite virás

sendo o meu Sonho profundo.

E na 'sperança do teu Ser

minha Alma de dores despida

é uma chama nesta vida.

Horizontes

Pouso a mão sobre a mesa

e deixo que nessa lassidão de abandono

o presente seja aquele agora

em que o instante se demora.

 

A nuvem que passa

Quando escurece, os prédios iluminam-se devagar,

são pequeníssimas estrelas

em cada esquina

como no céu de Além

de onde toda a Luz vem.

E eu, entre estas duas paisagens

emparedado, em silêncio me mortifico

por a luz do meu Ser não ser.

Ao longe

As flores que colhi

esmoreceram

na jarra de vidro antigo.

Pu-las num papelão

e atei-as

- talvez que presas assim

me lembrem que tudo tem um fim.

Uma vontade

Dir-me-ás que é sempre 

este clamor

como uma pedra de calçada

irmanada no passeio

ou como uma rosa num roseiral

tão diferente e tão igual

 

Prendendo pássaros

À hora da tardinha, por um pouco

eu pensei nas aves

que cruzam os céus

voando livremente.

Mas e o homem, que forças o domam

para não perceber

que  sem Sonho se pode morrer.

O início da descoberta

Passo a passo, sem segredos,

pela vida caminho agora

e o chão que piso

e o hemisfério em que estou

são a linha por onde vou.

Neblina

Todo o dia o céu foi de névoa fria

e eu meditei

na Palavra e na Lei

talvez meditando eu consiga

ver um mundo justo

e sem mal

e que isso seja real 

Os passos em volta

 

Regresso como quem viajou

até àquela praia

na outra margem do mundo

sabendo e sendo uma ave vivendo

Celebrar o mundo

De mãos dadas, corremos o mundo

e é bela a descoberta

vozes cores 

e a flor da Paz

numa miragem fugaz.

Aqui

Neste bosque de faias, não há senão o outono

que me desperta deste sono,

quando as folhas inquietas das árvores mais esguias

tombam ao vento nas tardes frias.

De fora para dentro

Como argonauta que regressa à pátria

assim eu regresso

do amplo universo

e atravesso a planície infinda da memória

e é essa a minha vitória

A brisa a passar

Qual é o nome deste pássaro

que da minha janela 

eu vejo

e que também de voar me dá desejo

A árvore do pensamento

Que te leve o silêncio,

na hora em que pensando passas

de uma margem para outra margem na vida -

e nesse silêncio tu terás a quietação verdadeira

e a hora será a primeira.

 

Dias de chuva pedem ócio

Parei de mirar a chuva

e retomei

a leitura deste livro fatal

que é a vida

e que não tem igual.

 

Instantes

É agora que a hora se demora

num capricho

de borboleta inquieta

que volteia e torna a voltear

em redor de uma luz

tempo, que instante a instante, seduz. 

As cidades

Descubro a passada do Caminhante,

na terra lisa e negra do asfalto

e entonteço

pois cada recomeço é um sobressalto

e a cidade cresce para o alto.

Moinhos ao pôr do sol

Trago da infância a memória breve

de um rio, ou talvez, 

de um ribeiro,

que eu sentado vejo a correr

como quem olha para o seu próprio ser.

À entrada de novembro

A colheita não é perdida.

E dessa bruma de espanto que esconde

o meu Coração,

Tu virás em esplendor

a seres o Salvador.

 

O inexprimível

É uma pedra e eu digo pedra,

mas, se houver um sol

agigantado na vidraça,

eu digo alegria

ainda que a manhã esteja fria.

Do lado de dentro

Ao arrepio do pensamento

no lado de dentro

é que minha Alma amanhece

e tudo esquece

até o pranto

de quem não tem um manto.

 

Intensamente

 

É preciso abrir as janelas da casa,

quando o vento

empurra a chuva para cá

e, neste chão molhado, reflete-se a minha lágrima

no rosto escorrendo

por esse Sonho que pudera ser

o Mundo em paz viver.

Círculo de luz

Às vezes, na escuridão de um dia,

uma luz nascida do pensamento

doira o momento.

 

Tarde de domingo

Regresso à paisagem da encosta,

uma e outra vez, sempre,

sem cansaço,

e me espanto que este laço perdure,

como se, em milénios de uma existência,

aqui, sempre aqui,

nasci e morri.

 

Lugares distantes

Aonde, no teu Coração, é o lugar

do silêncio mais profundo

o Silêncio

de uma prece

que ao homem esquece.

 

Quando vierem os ventos

Ouve o canto e a história,

contada pela memória

de um mestre

que os ventos amansou

e que disse «eu sou o que sou».

 

Pacificação

Chega o sono

como chega a Mim

o aroma das flores no jardim

e, nesta pacificação da noite aqui,

parece que já tudo vivi.

 

O mar ao longe

Adentro-me no nevoeiro

como quem procura um caminho desconhecido

para ele me levar

a um lugar à beira do Mar.

 

As linhas do tempo

Não dances que dançar cansa

nem rias

nem te alegres

que um dia a tristeza vem

do mais fundo de um Além.

 

A viagem

Só em Sonho é firme a distância

entre o homem e a sua infância,

pois pudera não ser assim,

mas a Saudade está dentro de Mim.

A arte do encontro

Caminho por entre a multidão

como se caminhasse numa rua deserta

e paro e reparo 

em Ti

Tu és a multidão que sempre pressenti.

 

Sinais do sol

Por esses cantos do mundo, procuro

o teu rosto

límpido e suave

e amanhecido

como um sonho que tivesse sido.

 

Pó

Um dia serás pó no canteiro das flores

que também elas murcham

e morrem

como se do infinito de cada hora do viver

nada pudesse permanecer.

Grafias

Desenho o contorno de cada verso

como se num veludo

eu guardasse a palavra e o som

num único tom.

 

Terra molhada

Choveu. E eu

na minha prece conversei conTigo,

deus das pequenas coisas,

como se tornasse a enfiar cada pérola

no fio do colar que se rompeu,

e no mundo tudo fosse Teu.

 

Crepúsculo

Estende as asas para voar

a ave

e no Céu onde habita

a guarda dos anjos a fita.

O tom da luz

Abro os olhos ao amanhecer

para a momentânea

saudade

de ser mentira esta verdade -

injustiça morte guerra

é um cenário da terra.

O chão que piso

Neste soalho de madeira de acácia,

é que eu firmo os meus pés

e verticalmente, sonhando um céu,

ergo-me à altura da linha do horizonte,

para descobrir

o que só eu posso sentir.

 

Do fundo do tempo

Correm estes dias de outubro

como uma água

que se colhe numa fonte

e que dá de beber

à sequidão do nosso ser.

 

Algures

Fecho os olhos

e não os quero voltar a abrir

até sentir

que na morada do homem

também os deuses dormem.

 

Descobre-te

Se trepares o cinzento da sombra,

num dia claro,

chegarás ao cume de ti

e desse alto não serás visto pelo mundo

nem nenhuma multidão te celebrará

porque o teu ser estará onde ninguém está.

 

Partituras fáceis

De onde vem a música que desperta

na minha alma os sentidos,

será brisa,

será a pausa entre as notas,

o silêncio daquelas ilhas remotas.

 

Paisagem

Olho a chávena pousada em cima da mesa

e penso que se caísse

e se partisse

talvez eu nada sentisse.

 

Linhas dispersas

O sinal que crescemos

é quando a nossa altura não se mede por metros,

mas pela geometria simples de uma ocupação,

nascida no Coração.

 

Na tarde

Memória justa de ter sido

talvez um sopro

na firmeza do teu rosto.

 

Rabiscado na parede

Era um mote decerto.

Era um poema completo,

mas ninguém o leu ou consigo o levou,

e a corrente do tempo o apagou.

 

Nó cego

Pedinte, como Poeta que pede às Musas

a graça da inspiração,

peço aos deuses do jugo a libertação

desse caminho

onde vagueia um homem sozinho.

 

A árvore que se vê

Pensar as raízes da árvore,

como quem pensa

e medita,

e desditoso não vê

de tudo descrê. 

O agitar das águas

 

Acordo na noite e o Sonho não tem pressa

e permanece até que se esquece

do que o sonhar queira dizer

talvez ante sopro de um prazer.

Tanta estrada

Na minha morada, tenho tudo o que é eterno,

a alvorada, e o entardecer do dia,

que ao Coração confia,

no gesto e na cor,

que na vida não há temor.

 

Ocaso

O ir e vir das coisas,

como nas entrelinhas um outro texto,

repousa no movimento

de quem se conhece por dentro.

Move-te em silêncio

Quando o dia chega ao fim,

há em Mim,

um ancoramento de navio,

como, se tendo navegado em águas revoltas,

não houvesse senão o fito

de ver o infinito.

 

Abrigo

É na casa que as estrelas querem morar

e a luz delas à noitinha,

nítida e nua,

parece-me tão natural,

como em sonho um pensamento

que dura por um momento.

 

Horas vagas

Os petizes vivem a eternidade em cada dia,

um pião e um cordel,

um avião,

e as cartas de jogar

fazem a magia - e eu, neste jardim junto ao mar,

aos poentes vou buscar

a perfeita liberdade

num tempo sem idade. 

O espaço prometido

Sem distância nem o longe nem o perto

aqui neste agora tudo é

e até parece uma promessa cumprida

a urze o leite e o mel

escorrem por milagre dum papel 

As cores de outono

É igual cada dia que nasce diferente,

pois no coração dos sentidos

o que se vê

é apenas o que se crê.

 

A jornada

Deixei as letras à solta por entre as ondas do Mar

e as palavras com cheiro a maresia

em emoção eclodiram

e talvez, uma primeira vez,

um verso se desfez.

 

O outono a chegar

Esta é a palavra mais certa,

a palavra completa,

que inteira,

perfeitamente anuncia

um pregão

a palavra ilusão. 

Sombra perfeita

Realidade e sombra da realidade

na vida a metade

e neste viver genial 

não há dor nem nenhum mal.

Vindima

É a esperança perdida,

quando se colhe um fruto belo

pois é passageiro todo o momento

em que eu trinco esse pedaço

e não fica nenhum laço. 

O domínio da palavra

Pela fresta da janela, a brisa é uma música de sopro

que me sustém

e a brisa não é de ninguém.

Também assim é um verso incompleto,

como um sopro levantado,

que se espalha por todo o lado.

 

Pequeno olhar

É de malvas este jardim

e de sonhos

inquietos, quando estamos despertos -

mas o ver uma pequena criança brincando

que parece o mar respirando

enleva e demora

o meu pequeno olhar nesta hora.

 

Matinal

Toda a manhã dum céu cinzento escuro

caiu uma chuva miúda

como se saudasse o caminho e a hora

em que a gente chora.

 

Tinta da china sobre papel

Brilha o sol neste pensamento de esperança,

se do tempo em rigor eu sei,

que justa é a lei.

 

Novas vozes

Quem dera fosse primavera

e um sopro desse além

aqui estivesse à espera

como se esperasse por alguém. 

Assombro

Escorre pelas páginas do livro

o negro dos caracteres

e nesse charco de negritude

é que o Poeta adivinha

a Dor que é tua e minha.

 

Espaço livre

Entre um e outro pensamento,

há um espaço

que teima em não pensar

e, sem memória,

aí vivo infinitamente em glória. 

Gravura

Sentado sobre o rochedo, procuro

na linha do horizonte

um vislumbre do amanhã

navio que do outro lado do mundo partiu

e que, a chegar, ainda ninguém viu.

 

Frente a frente

A eternidade passa e o que fica

é este instante imorredoiro

também no sono à noite há oiro

por um momento experimentas a morte

e acordas mais forte.

 

Na travessia

O canto do pássaro atravessa as paredes deste quarto,

onde só o sonho habita,

e o meu olhar esse canto fita. 

Poente

Não acaba o dia sem que a neblina

se cole à vidraça

e baça

não deixe florescer

o pôr do sol no meu ser. 

Romaria

Que festa é esta,

que o meu espírito sente e fita,

agora que cada bocado de um caderno desconjuntado

rima e verseja

sem que Hipocrene o veja.

Mistral

Sopro de cristal sobre a encosta,

e gélido e frio

o ar

dos desencontros nas mesas dos cafés

onde há um instante

puro e singular

na quietação dum verão

eu te confiei a minha mão.

 

Quietude

Serão mil os sóis no universo galáctico,

que infinitamente luzem,

mas o meu Sol, nesta minha fronteira,

tem a Beleza primeira.

E assim é também com tudo o que está perto de nós

que nos lembra que não estamos sós.

 

Chove

Da ave, branca e pura,

que habita o Coração de Mim,

te direi - que onde está agora não sei. 

Pequena casa branca

A pequena casa branca para sempre perdida

é um sinal da própria vida,

que esquece, quando entardece,

o tempo do amanhecer,

assim também no nosso ser. 

Página nova

Entre o não ser e o ser,

há uma avenida de áleas floridas que se abre

num único momento

que nasce dentro.

 

Libertando os sentidos

O tanger dos sinos e o tempo a passar

remotamente,

roçam este instante 

como se uma multidão numa estrada

caminhasse para nada.

 

Ainda agosto

Percorro a praia sem fim

que há no interior de Mim,

e até parece que sem nunca acabar

é neste areal que eu vou sempre estar.

 

Escadas de mármore

É mágico o clarão na noite,

quando se desdobra a lua no chão do quarto,

e eu penso flutuar

como navio nas ondas do mar profundo

que navega para um outro mundo.

A âncora

Um verso é uma âncora no chão deste mar

onde encontro os corais e as medusas

e onde habitam as musas

que são como as gentes, alegres e descontentes,

alegres e tristes, 

e que no tempo ao passar

só nelas tu, poema, existes.

 

Horizonte

Quando busquei uma fonte,

foi no cume do horizonte que achei de beber

uma água pura e cristalina

e, no instante de agora, não tardarei em voltar

a esse cume na encosta

a esse tanto de que a minha alma gosta.

 

Solar

Leio no movimento dos ramos das árvores

pelo vento batidas

que é sempre incerta a hora

se o sol se vai embora

 

Da terra

Há sulcos na terra ressequida

que lembram que por ali já um regato correu

também assim a memória,

terra ondulante,

conserva o que é distante.

 

Lugares

É bem difícil sim

sair do lugar de mim

e escarpar a pique a montanha

de uma natureza estranha.

 

Respiro-me

Respiro-me e é uma brisa suave

que de mim de dentro vem

Sonho de Ave

que o tempo lave

no coração de alguém.

 

Voando ao sabor do vento

Os papagaios em folhas brancas de papel

são na imaginação

gaivotas de muitas cores

e quando eu olho apressado e vejo o papel no ar

sinto cá dentro do peito que também eu sei voar

Artes ao largo

Pinto um Sol na palma da mão

e deixo que essa Luz

toda e imensa

percorra cada palavra que jorra inteira

nesta vida verdadeira. 

No íntimo da sombra

Árvore que morres de pé,

na tua sombra,

colho e desfaço

as pegadas dos meus passos

e sem rasto de lonjura,

sempre ao redor de ti,

da tua sombra vivi.

 

Caminho

Não sei se por esta estrada

de terra e de pó

nela caminho eu só

ou se outros por ela vão

como eu procurando a imensidão

a cada passo que dão

 

Fim de tarde

Ao longe, a nesga do mar

faz-me Sonhar

com essa terra distante

onde, sem nunca entardecer,

numa exata eternidade,

está o meu Ser de verdade.

Breve apontamento

 

Na tua janela, Filho,

nasce a estrela

da manhã

e tanto de céu na triste terra

me enleva -

e por isso colho também eu

da sina que deus me deu

um prazer que é teu.

Passo a passo

Será o que os deuses nos destinam

a sua Consciência

e é isso em nós a essência.

 

A luz liberta o voo

Tanto o espaço. Tanto o espaço.

Voa a ave na imensidão

da luz tanto

que desce sobre estes meus olhos que veem

uma névoa de bondade

de também voar sem idade.

 

Duas vozes

O assombro de ouvir o vento soprando

no silêncio da casa

onde os passos do meu pensamento

ecoam longinquamente

puros e de cristal

sem mal.

 

Começar

O fio de linha de bordar é da cor amarela

como o sol

e como num campo de trigo

no pano cru

onde o homem joeira a sua penitência

a agulha colhe a suma ciência.

Hora tardia

Esta é a brisa

que os campos lavra

e semeia

e pode ser que dela nasça o pão

que alimenta o coração.

Pensamento livre

É uma onda que se desfaz acolá

e na espuma na areia

é por onde o meu pensamento coleia

vagueando pelas coisas do mundo

como as conchas e os búzios e as pedras do mar

pérolas verdadeiras ainda por encontrar.

Estrada sem fim

Os passos que dou

me levam aonde eu sou

peregrino que resiste

na mesma morada

esperando cada alvorada.

 

Na tarde

Mistério, para além da linha do horizonte,

haverá uma fonte

e um ribeiro a correr

que nos deem de beber.

 

Felicidade

Parece que se esquece,

mas a minha Alma amanhece,

quando um profundo silêncio indizível

feito de contentamento

me desperta por um momento.

Ainda ontem

Floriu a orquídea

e os passos mais inteiros

desenharam mundos verdadeiros.

 

Monólogo

Na solidão da mente,

os pensamentos são imensidão -

rio que corre com pressa

nesta vida diversa.

Cor e fantasia

Nada é demais,

se for aquela Luz que a alma encanta,

e se for o Sonho de uma criança

guardado numa concha húmida de mar

ainda por encontrar.

A colina do encontro

Peregrinos do mundo,

que por aqui vindes e passais,

sede em Alegria nesta hora,

em que, estrela no céu,

a lua ilumina na escuridão

e tem o sol como irmão.

 

A planície

Na vastidão sem abrigo,

campo grande,

há um regato que dá de beber

e por aí passei

procurando na memória do tempo

o paraíso da graça

de quem pela vida passa.

 

Havia girassóis dentro de ti

Havia girassóis dentro de ti

quando brincavas simples

uma caixa de cartão era um avião

e uma boneca de papelão era uma princesinha

e eras como uma avezinha

nessa vida sozinha

Camadas de verde e azul o céu

À beira da estrada, colho urzes e giestas

e deixo que estas arestas

com que cismo

se suavizem nestas flores

num ramo de muitas cores.

 

Círculo imperfeito

Trouxe de tanto pisar a terra

um jeito singular -

ir e vir e sonhar.

 

Recomeçar

Atravessa o meu sonho 

este jeito real

de me esquecer

desta dor do viver

e recomeço assim

no encontro de Mim

Stella maris

Que silêncio no mar é agora,

nesta hora,

instante de meditação,

pura e breve oração,

tecida no coração.

 

O lado de dentro

Nessas horas leves da madrugada,

é que as minhas mãos vazias sonham com nada

pois nada é real

neste mundo desigual.

 

Aguarela

A praia tinha búzios e rochedos

e dourava o sol a areia

e era isto a minha teia.

O lugar

Vestiu-se de asas

e esperou esperou esperou

que um verso trouxesse

cândido e puro

na noite e na escuridão

uma outra imensidão

 

Devagar

Sê como a brisa suave

ou como o voo de uma ave.

 

Semelhante a um sonho

Procuro a palavra inicial

como quem pisa um chão de uvas maduras

e extraio um pensamento puro,

em botão,

que só florirá

no peito de quem virá.

That kind voice inside

A paisagem dos prédios faz-me pensar

que neste lugar não há tempo para amar

uma flor como Aquela

que eu tenho junto à janela.

 

Retalhos

O rosto envelhece,

mas a Alma permanece

no centro de nós

múltipla, serena, alerta

como um sol que nos desperta. 

Viagem para algum lugar

Sento-me no banco de pedra dum jardim

que só existe dentro de Mim

e observo a Criança a brincar

com o meu Coração

que tão pequeno lhe cabe na mão.

 

O declinar da tarde

À tardinha, brilham as folhas da árvore

enquanto se aguarda

pelas estrelas e a lua e o sono

é um mágico abandono.

 

Não buscar

Olho as vitrines

e nelas apenas me vejo a Mim

qual objeto

que não está longe nem perto.

 

A realidade das coisas

No longe, um mar de sal e tão perto de Mim

essa maresia

na manhã que é fria.

É essa a realidade das coisas que de longe e de perto

desperta o meu Ser

e não o deixa adormecer.

Quimeras

Passa um pensamento e vem outro também

no torvelinho que a vida tem

e a Ideia sem mal

que nos visite a cada instante

tem uma natureza tal que se move confiante.

O branco do muro

Em cada lugar, estou

e sou

uma ausência de Mim que voou.

 

Firmeza

Ainda que no teu caminhar resvales

por um terrível precipício,

não temas,

pois é infinito o Amor

acima de toda a dor. 

Um amanhecer normal

O sonho da noite extingue-se

agora que é o amanhecer

e o dia nos dá o viver

da escravidão, da fome, da guerra

do passo a passo do corpo na Terra.

Folha de papel

Rasgo a folha onde escrevo com ligeireza

que apenas eu sou

um sino distante que um dia soou.

 

O longe e as palavras

É da natureza dos dias serem sombrios às vezes,

e a palavra ser um eco longínquo

e sem valor

que desdenha, musa, o teu alvor.

 

É assim o caminho

Há nos campos estrelas e nos céus flores,

que eu vejo na fantasia,

quando me sento a olhar e o tempo não quer passar.

É assim no caminho também,

uma estrada para Além.

Novas flores

Harmonioso é o pensamento cá dentro,

quando, por entre as páginas do livro da vida,

uma flor é esquecida,

mas não perdida.

 

Oficinas de verão

Entre a luz e a sombra, 

e entre o ruído e um café,

fico de vigia, olhando o horizonte

onde há barcos e marinheiros

e onde os adeuses são derradeiros.

Onde está o pássaro

No meu Coração o vento

é nortada

que só se apazigua

quando a Alma fica nua.

Através do nevoeiro

Quando a noite vier trazer-te o descanso,

confia-te ao sono

e deixa que nesse abandono

teu Ser vença a morte

como se fosses um herói forte.

Dia de São Pedro

Tão de ver somente a quietude das horas

me evadi e parece que senti

desde um outro tempo e lugar

a mesma imensidão chegar

partir e voltar.

Templo da verdade

A floresta escapa-se da minha fantasia

e as árvores são azuis e reais,

quando as abraço, procurando na seiva da sua vida,

a memória esquecida

de um Amor

como quem encontra um esplendor.

O rosto do poema

Uma ave pousa num ramo, outra voa

e tudo está certo

no poema

cujo rosto tem do mar o sal

e o olhar é universal. 

Estranho céu

Ninguém viu, senão um deus,

a muralha levantada

entre o poeta e a multidão

e até parece que na imensidão

Todos aqui estão.

 

Desejo de habitar

Desejo de habitar, largo e profundo,

o Mundo,

onde o chão é de terra

e o teto, ondulado,

cobre-me por todo o lado.

 

Neste caminho

Não há regresso.

Não é possível parar no tempo

para colher as papoilas vermelhas do ramalhete da vida.

E eis que me lembra o dia de São João

a Tua e a Minha solidão.

 

As ruas distantes

Há um arraial longe e tão perto

que arrisco a dizer

que enquanto num só homem houver Alegria

reina por mil anos cada dia.

Água a correr e a flor ali

É um tempo mais silencioso agora,

tempo larvar,

tempo de espera,

tempo da imensidão da hora,

em que o Ser se demora.

Aí está o verão

Agora que os dias começam a diminuir,

parece-me sentir

um desejo de entardecer como a Natureza entardece

e a glória do Sol se esquece.

 

A brancura das aves

A brancura destas aves fugidias,

que atravessam o ar,

espanta

e encanta

tão alvo também é o Coração

no branco amanhecer

que nele voa o meu Ser. 

A hora que flui

Solene a hora mostra-me que é perfeita

uma vida desfeita

pois até nos mares a tempestade

favorece o intrépido herói

e a dor não dói.

Há na memória um sopro de vida

Cresceram as árvores

e da raiz à copa

se mede a altura

de uma semente pura. 

Coisas da tarde

Olho a linha do horizonte

e imagino, no cimo do monte,

um Gigante que esbraceja

e não há mais quem o veja, senão eu

com um olhar que não esmorece

e que uma visão não esquece.

Claustros

 

Nesta prisão escura,

não há sopro de vento

nem há ternura

por tanto que a noite dura.

Mas não esmoreças e não te esqueças

que não há só uma estação

e que está prestes a chegar o verão.

A mercadoria do mundo

Corro com o olhar as linhas das minhas mãos,

tentando encontrar um afluente e um rio

que destinem

sem procastinar

uma vitória inteira

na hora derradeira.

Regra de vida

Parece até que descaminho,

quando regresso ao ponto de partida,

mas é a justeza da vida

que, quando ensina alguém,

se não aprende, não segue para Além.

Do avesso

No avesso de cada verso,

há uma estrela imorredoira

que como o Sol também doira

as folhas ao vento

da árvore do meu pensamento.

 

Cidadela

Altos são os muros de que me debruço

por sobre a paisagem

que jaz

e é pois o homem capaz

de tanta destruição infame

sem que um deus de nós reclame.

 

A colecionar o tempo

Na caixa de cartão, guardo cada grão de areia

que ficou

daquilo que eu sou.

E grão a grão, pareço reconhecer em Mim

que sou um trilho sem fim.

As aves voam para o Sul

Leva o vento o brinquedo

como leva o tempo que passa

e nada fica

é essa a desgraça

e o martírio também

de seres alguém e ninguém.

 

O ruído no silêncio

Chove. A chuva vem quebrar o silêncio

doce e subtil

agora que o meu céu tem a cor anil.

 

O espírito da tarde

Vêm-me ao pensamento fragmentos 

de coisas que um dia li

e tudo isso me parece tão perfeito

e tão completo no meu peito

que o meu espírito se esvai

na tarde

como pavio de vela que não arde.

 

Vendedor de flores

A orquídea floriu nas Tuas mãos

de Poeta triste

como se todo o Universo coubesse

na tua prosa

e fosse uma flor gloriosa.

 

Coisas longínquas

Escuto os ruídos nos andares do prédio

e os passos que oiço

lembram a longa caminhada

da minha jornada

quando parti à descoberta

com apenas uma janela aberta.

 

O tempo certo

Havia em Mim uma bruma clara

a toldar o meu regaço

e até um beijo era cansaço

e então a Mim voltei e combati o nevoeiro

como quem luta consigo

e enfrenta qualquer perigo.

Cantando o silêncio

A paisagem imóvel e silenciosa

que tenho pela frente

como é diferente

de tudo

neste mundo rudo.

Roda infantil

Vem brincar à roda, Criança,

não percas a tua infância

e roda e salta

mesmo homem maduro

sê um lampião do futuro.

 

No céu deste lado do rio

Quem dera ser nascido a cada momento

em que o céu é mais sereno

e o rio corre devagar

aqui neste lugar.

A véspera do voo

 

O pensamento que voou a um alto lugar

não tinha senão um fito -

buscar para Si o infinito.

Atelier

No écran luminoso, um verso

é ainda mais efémero

do que a aurora que não dura uma hora

e o seu caminho

é ser um verso sozinho.

  

As formas

Caem do céu as pepitas de ouro,

tesouro na alma em Mim

pousado no regaço

neste tempo e espaço.

 

Olá, noite

Na morada da noite, nos canteiros

florescem os Sonhos

belos  puros  sempre iguais

como se fossem imortais.

 

Esta voz é frágil

É um canto destemido,

mas frágil,

tão frágil que a voz se pode quebrar,

quando um verso não quer rimar.

 

Uma tarde linda

Pudesse esta imensidão,

guardada na minha mão,

ser a Flor

do teu Coração.

 

Pequeno gesto

Procuro a Palavra, teu gesto puro,

mais do que a tua nudez,

no poema das mil faces visitadas,

que tu amas

como se para a saudade

não houvesse uma idade.

 

Na minha rua

Há um horizonte possível

que da minha imaginação se vê

e é de um infinito Mar que tem marés

e está aqui mesmo a meus pés.

No mundo do tempo

Começa e acaba o dia.

Da manhã se chega à noite.

E, entre o começo e o fim,

cada instante

que é tão passageiro

tem um lugar inteiro.

 

Guia

Tantas nuvens

e sereno o milagre da ascensão

brilha no Céu

e, sem eu perceber,

tudo está a renascer.

 

O ritmo das coisas

Caminho lentamente

sem saber

do para quê do frenesim constante

desta gente tão distante.

E quanto mais vejo e observo a multidão

mais tenho a sensação

de que o meu passo não é em vão.

  

O rosto no meu espelho

Transeunte do tempo presente,

este rosto de agora

na minha Alma chora

e podia ser apenas a Saudade

da outra idade do meu parecer,

mas é, na verdade, a Saudade

da novidade de um outro Ser.

Pequeníssima beleza

Colho o pensamento

e abre-se uma janela à minha frente

maior do que a minha imaginação de Ti,

deus dos pequeninos,

que fazes e refazes os destinos.

 

A uma árvore

Talvez as tuas folhas sejam passageiras

e os teus ramos frágeis

mas vertical aspiras ao céu

e nada mais importa

uma raiz te eleva e te suporta. 

Fortaleza de pedra

Assim vai o meu Coração,

balança como Criança neste baloiço da vida,

e, sempre sem parar de balançar,

num balanço eterno 

ele quer estar.

 

O grande voo

O mundo lá fora é o mundo lá fora,

mas eu voo dentro

e lanço as asas nas alturas

e vejo mais longe na imensidão

da minha solidão.

 

Pedaço de papel

Os altos mastros dos navios

pousados neste pedaço de papel

são o meu merecimento do Mar

e o meu único lugar.

 

Na quietude da jornada

O tempo é quase nada,

novelo de lã

em mãos laboriosas

que se esvai e desaparece

como quem a si mesmo esquece.

Rumo aos sonhos

Talvez tenha perdido, no curso da vida,

a constância e o labor,

mas nunca foi o Sonho desfeito,

o Sonho que é meu por direito

de ser  num Mundo perfeito. 

The bird and the cage

Acordar é pouco,

é preciso um clarão como o do luar,

que toca o rebordo da janela

e depois entra na casa,

luminoso,

a atear com a força do coração

a força da razão.

  

Manhã de maio

O tanger dos sinos e o silêncio que depois resta

é o mais que na minha vida tenho

em cada hora

em que até parece que o Tempo se demora.

 

A água da vida

Na cidade choveu por um breve momento

e eu pensei no campo ressequido

a ansiar por esta água que sem ribeiro nem cais

se escoa pelos beirais.

Diante duma flor

Tudo é passado vivido,

pois o instante do que é já não é

e, neste torvelinho sorvedor,

numa jarra, vai morrendo sem cor

uma flor.

 

Os maios às portas

Cinzela o Coração e aprimora

que neste instante que é agora

o sopro de vida que te sustém

não é de mais ninguém. 

Peaceful garden

Piso a terra inteira numa passada

e é isso quase nada

na viagem ao redor de Mim

que não tem um fim.

 

Silêncio, mar e pinheiros

Até o mar tem lágrimas

que escorrem pelos pinhais,

e é passar o Bojador dos homens

a dor a que não se volta mais.

Noturno

Nem sempre é azul o céu no meu olhar

e nem sempre vejo estrelas

na noite,

quando me deito a imaginar

mas sempre o meu pensamento

se detém

perante as léguas que existem para Além.

 

Latitudes

O paraíso não está num lugar

a que se possa chamar

um sítio

ele está dentro do Coração

e há quem o encontre e quem não.

A poesia saiu à rua

Avança os teus pés na estrada de abril,

Poeta que procuras

a Liberdade

pois, nesse assomo de verdade,

és eterno, não tens idade.

 

Lúcido entardecer

À luz de abril, ao entardecer,

colho pétalas

guardadas por entre as páginas dos livros

e olho para cada uma delas

como se aí se encerrasse um grande mistério

a vida e a morte

que acontecem à sorte.

 

Memória feita de pérolas

Como um colar de pérolas que se rompeu,

também o meu Coração perdeu

o gesto da Paz

que um sorriso traz

mas a memória o canto da Alma glorifica

e cada pérola pura na minha mão

encerra um condão.

 

O labor das mãos

 

Desisti de procurar no labirinto

daquilo que sinto

um verdadeiro caminho

escavo, agora, com as minhas mãos

no terreno fértil do pensamento

e planto nele cada emoção

com o rigor de um agricultor

que tudo semeia com Amor.

A via da montanha

Nas alturas, com as aves,

é onde o meu Coração está

e, neste instante do fim,

a terra e o céu

aparecerão em Mim.

 

Leque oriental

Dança e rodopia na grande altura

de ser gente,

a bailarina inocente

até que passados os verdes anos

desenganada da notoriedade

sente que É na verdade.

 

Um tempo para respirar

Vem do poente a luz com que o dia se encerra

e muito baixinho, com carinho,

soletro sílaba a sílaba

um verso

como quem procura num gesto de ternura

num ato de compaixão

olhar cada homem como um irmão.

Na jovem primavera

As árvores, nas traseiras da casa,

permanecem inteiras almejando o céu

e, de ramos nus,

ainda sem folhagem,

são do homem uma bela imagem.

 

Dias de domingo

Meio céu era azul e puro

e metade da terra estava sombria e gasta

assim também nesta caixa de cartão

onde está guardada a minha imaginação.

 

Canção de barro

Os outros têm lembranças

como tranças de crianças guardadas

em caixas de papelão -

mas não têm imaginação

nem fé

nem suavidade nem esperança

para aguardar o sim

do Sonho que vive em Mim.

Janelas abertas

Podem os deuses

a sombra tornar em luz

e os pássaros silenciar

que nesse gesto tão diverso

cabe todo este meu verso.

A outra beleza

No jardim da primavera,

um tesouro de flores

está pousado à minha beira

são belas as cores

são sedosas as pétalas

mas de entre todas as coisas que vejo

aquela única Rosa é o que eu mais desejo.

Talvez uma elegia

O dia que nasce

e é renascido

no seio da noite encontra abrigo

é de onde há de florescer

tal fio de vida

sem se desvanecer.

Ser um lugar

Ali é em Mim o sítio

onde mora o belo e puro entardecer

e nesse vislumbre do viver

um lugar eu poderei ser.

 

Domingo de Páscoa

O respirar do centro de Luz

em nós,

peregrinos na suma distância dum céu,

traz ao Coração

a lembrança da Redenção.

Impressões

De tanto caminhar num só lugar,

minha Alma entonteceu

e em Mim anoiteceu.

Marcadores de páginas

Das folhas à raiz, da árvore à substância,

tudo parece ser e conhecer

o movimento infinito do viver.

E, se a manhã é mais fria,

se a tarde é mais quente,

lembra-te todavia

que moras entre gente.

 

Palavras com arte

Há mosaicos no meu Coração,

pisados desde antes da minha vida acontecer

e nessa ardósia agora reescrevo

um outro movimento de Palavras

onde há me-do coloco amor

e o caminho é libertador.

Todas as rosas

A casa permanece na penumbra

deste tempo

e ela que foi aconchego e deserto

no meu Coração

acolhe agora aqueles que virão.

 

Cidades inesgotáveis

Movimento, movimento, e um ruído

que parece trazer

o futuro a acontecer

por entre a amplidão das pessoas

gigantes na roda

do devir

e do Ser a cumprir.

 

Universo poético

Em cada degrau da escada, um verso

rescende em luz

e é cada um deles que me seduz

quando no cimo do horizonte

eu vejo correr a água de uma fonte.

A flor da pereira

Das mil maravilhas da vida, um sorriso

num rosto

e a confiança no Coração

são tão belos como uma oração.

Abril

 

Há no meu pensamento um lugar

onde sempre é o que era

e é sempre nele primavera.

Agora

A palavra perfeita nasce do perfeito silêncio

em que é gerada

tal como quem vagueia por uma estrada

e numa pedra encontra

uma morada.

O sonhador

Pedra a pedra e o castelo se agiganta

porque foi sonhado

e amado

naquele instante em que o Coração

a Verdade atinge

e já não finge.

Diálogo

É o canto de uma cotovia

o que entre nós existe

não é nem alegre nem triste

mas seduz 

como um raio de Luz.

Na cidade

Pausadamente caminho por entre gente apressada

de que me servem passos de gigante

se o caminho eu sei qual é

se a estrada é a mesma de sempre

e se na monotonia da vida

eu sou aquela jarra com uma flor colorida

pousada no móvel do corredor

à espera de um momento de esplendor.

É primavera, talvez

O primeiro momento desta primavera florida

acrescentou vida à minha vida

e, talvez, o anjo que me embala cale

para sempre

o medo que é um mal.

Tomar refúgio em Ti

Sento-me e aquieto-me,

pensando nessa profundidade do Mar

que há em Ti,

deus homem mistério vida,

transcendência e rigor,

sem dor.

 

A primeira frésia

Orvalho no mundo e no meu Coração,

e é de paz e de espanto

ver os campos enfim a florir

e eu que não sei se hei de chorar ou sorrir.

 

A arte do sonho

Ao longe as luzes dos prédios vizinhos

recordam-me vagamente

que há gente

e neste mistério do outro que é

viajante como eu

guardo aquele Sonho

que nunca me esqueceu.

A hora visitante

Visita-me esta hora no entardecer

como se o dia

ainda não quisesse acabar

e nele eu pudesse encontrar

um novo verso

que inteiro e sem dispersão

sustivesse a minha mão na tua mão.

 

Em louvor da poesia

Que possa faltar este chão,

mas um verso não

que tem a medida da tristeza e da alegria

e que é o pão nosso de cada dia.

 

Bem-vinda primavera

Renasço em Ti e acredito

nesse espírito infinito

que em redor do que é eterno paira

primavera, ó primavera,

quem dera

poder renascer quem eu era.

Dia do Pai

Não são só os pássaros

que chegam às alturas do céu

há homens que são gigantes

e que têm dentro um coração pequenino

onde eternamente vive um menino. 

Lugar do tempo

É junto ao grande lago que te encontro,

e minha esperança aí vive e é

enquanto tu não estás aqui ao pé.

Presente ao pensamento

Se não fosse esta harmonia, eu diria

que há uma tristeza no dia

em que o frio, a chuva e o vento

são no meu pensamento.

Olhando em volta

As árvores como os homens sonham o Céu

e mesmo de ramos ressequidos

e de raízes sedentas

crescem num perfeito rigor

a que os homens chamam dor.

 

Sopra um vento gélido

Sopra um vento gélido, quando a tarde

chega ao fim

e, ao redor de Mim, só o soprar do vento

que eu sinto no pensamento

é a inteira companhia

de um momento de magia.

O paraíso pode esperar

O paraíso pode esperar, mas não a urgência

de recomeçar nesta terra

e a cada dia

tendo a Alma de vigia.

 

Aqui é o lugar

 

Aqui é o lugar da ferida da Vida,

ponte das muitas cores

anel das dores

e quem viaja e chega aqui

de espanto sorri.

Ouve dentro de ti

Ouve dentro de ti aquelas ondas na distância

do mar incerto

que tu, Mulher, sem te perturbares,

conquistas lucidamente

com uma Alma que tudo sente.

 

No meio dum gesto

No meio dum gesto, a Palavra

encontra o seu destino,

quando inteira

é prenúncio da terra verdadeira.

 

Regressarás aos deuses

Regressarás aos deuses,

quando a madrugada for mais lúcida e firme

e, sem medo, desbravares todos os caminhos.

 

Para além da onda

No meu regaço, repousa frágil

a onda

que não quer ser onda

e neste sem mar

aconchego-a enfim

gota que se esgota em Mim.

O chão da poesia

Vislumbre de cor num céu cinzento e negro

é o Sonho a rasgar as nuvens escuras

e a aquietar a tempestade

e nessa dimensão irreal de Verdade

nasce a glosa

como quem na fonte a sede sacia

à Luz clara do dia.

Beauty cleans the mind

Aquele cuja Beleza resiste

à impiedosa passagem dos dias

é feliz nessa condição

da vida não ser em vão.

A praia

Amanhece mais lentamente sobre os rochedos

que o Mar vergasta

mas é do Alto que melhor se vê

a obra que deus fez.

Liga-te à palavra

Do ventre da terra, a palavra nasce

redonda e silenciosa

como uma Rosa

e assim em botão a flor

ou a palavra Amor

nunca se afastam de nós

mesmo quando estamos sós.

O visitante

Sei-me de um outro lugar

onde ainda nunca me encontrei

e onde a minha Alma espera

para saber quem era.

 

Caixa de madeira

A infância está guardada num nicho de luz

é a caixa da vida perdida

mas que luminosa irradia

para cada dia a ousadia.

 

Da irrealidade

O precipício seduz tal como o sonho

de matéria irreal

onde não há o bem nem o mal.

Regresso a Ítaca

Regresso de onde nunca saí

regresso a Mim

e, nesta inteireza 

de quem sabe o Caminho regresso,

faço a desfaço o pensamento

a todo o momento.

Ateliê de escrita

A folha de papel passa pelas minhas mãos

e transforma-se numa ave em prosa

talvez cante talvez voe

talvez como o dia amanheça

e em Mim se reconheça.

 

Sonho para além da luz

Não existe a imensidão senão no Sonho

tudo o mais na sua finitude

é pequeno e ilude.

 

A majestade das águas

A música, muito suavemente, desliza

pelas paredes da sala e pelo meu corpo

num afago de concha 

aberta ao murmúrio das águas

as águas vindouras que uma lua traz

sempre que no céu se refaz.

  

Vindo do Mar

Há um silêncio vindo do Mar

e há um troar de onda

mas tudo isso me é indiferente

quando rente à Esperança

perdi a Alma de Criança.

 

Ao entardecer

Ao entardecer, há lilases e outras flores no céu

dum jardim que está no meu pensamento

e que colho quando é de colher

e este é o meu viver.

 

Verso novo

No silêncio, medito um verso novo

e ei-lo fermoso

eis a alma do meu povo.

 

Dia sem sombra

Dia sem sombra.

Dia de movimento e de Luz.

Dia em que acolho no regaço

o mais puro laço

que numa vida pode existir,

Te saber, depois de eu partir.

The wisest thing

O orvalho nas fontes é um gotejar

é um murmúrio

que não quer parar -

mas no canto da água que corre

alguma coisa vai para Além

dos limites que a vida tem.

 

Tarde de domingo

Sozinha na esplanada procurei,

mas não achei,

aquela multidão de gente

que, ao me olhar,

iria confirmar

a minha existência neste Lugar. 

 

Pequenas certezas

Do lado de cá, tudo é imóvel e silencioso

e nisso se congratula o meu Coração

na certeza dessa imensidão.

 

Balada

Corre, vizinha a Mim,

uma tragédia sem um fim -

e como um quarto vazio

com paredes de frio

é mais só

cada homem

hora a hora pensando

meu deus, até quando...

A falésia

Debruçada sobre o grande Mar,

que vai e que vem,

minha Alma procura um Além

e, se o horizonte da memória fita,

logo o esquece,

pois o grande Mar - última fronteira -

é a passagem derradeira.

No jardim

Corre um vento gélido,

mas, no jardim que há em Mim,

a Roseira floriu.

Tenuemente um botão de rosa se abriu,

agora que o temor partiu.

Poema

Em todos os momentos, cumpre-se a hora,

aquela hora fugitiva

que nos leva para a eternidade

e que tem um assomo de Verdade.

Crepitação de fogo

Procurar nesta crepitação de fogo

a inteireza do teu Ser

quando do Longe vens

e anuncias

serem agora mais claros os dias.

 

A face original

Tira a máscara e mostra-me a tua face pura

aquela que tem cicatrizes e bravura

e que se me aconchega ao Coração

mesmo longe na imensidão.

  

Vastidão

Entre mundos vivemos nós os deserdados

do grande campo do paraíso

e esse outrora, onde o eterno mora,

hoje, parece que chora.

 

Dentro da flor

Casulo do poema em Mim,

e  lentamente se desata

este verso de oiro e prata.

 

Imperdível

O espetáculo do entardecer

num horizonte de Mar

cinzela de infinito

o sopro e o grito

daquelas gaivotas que esvoaçam

quando o frio e a sombra por elas passam.

 

Retrato a sépia

Rumor de ave rente ao meu beiral

e o recorte da colina

e quase que me esquece

que o inverno

é um tempo eterno.

 

Como um barco

Como um barco que a navegar se lança,

assim meu Ser navega também

entre as margens que todo o Mar tem.

E herói da grande viagem

de cais a cais

de margem a margem

se cumpre esta passagem

- meu Senhor, meu deus, que coragem.

Aniversário

Errante, a minha Alma andou perdida

e nem o Sol a consolou,

mas uma brisa enfim passou

a despertar nos Sonhos irreais

as Belezas imortais. 

Paisagem

Agora que escureceu, só as luzes elétricas

no alto do rebordo da encosta

assinalam a linha de Horizonte

e parecem estrelas do céu cintilando na Terra

e guardando

e vigiando

com essa luz

o Homem com a sua cruz.

Um dia de inverno

 

Gosto do inverno assim.

Frio e sol.

E do canto do rouxinol.

Mas as notícias do Mundo são terríveis e dão pena

e nem ao sol de inverno a minha Alma serena.

Chão de mosaicos

Colhe uma flor

e abandona-a no teu regaço

esse é do Universo o sentido

esperar e aguardar

deixar o tempo passar.

Pequenos nadas

Saio ao sol da tarde

para aferir

se a existência e a vida

permanecem

nas corolas dessas flores

e se assim se desvanecem todas as dores.

 

O instante antes

 

Antes do poema ser

é preciso que amanheça no pensamento

tanto

que o pranto seja assim

uma roseira florida num jardim.

Manhãs claras

O Sonho tem a largura da realidade

e é nessa medida exata

que todo nó se desata. 

Ouve o vento

Para ti convoquei o verso mais puro

e teci o rendilhado de uma vida

sem fim

como se o Mundo fosse um jardim.

A luz acesa

Nada tão bem nos conforta

como uma luz solta

dentro de nós

a doirar a nossa voz.

Por isso há estrelas à noite no céu

que dos silêncios fazem canção

brilhando na imensidão.

 

Poséidon

Da Vida te direi que é mistério

o fundo do mar 

e os deuses

que às vezes provocam a tempestade

na humana realidade.

 

O observador de margens

Tu, que te sentas à beira do rio, vendo-o correr,

toma minha Alma pequenina

e a ensina.

Sê o Mestre que toca levemente a Flor

que há no meu Coração

sedenta de adoração.

 

Em linha reta

Talvez o melhor Caminho seja se perder

e voltear e mudar e tornar a errar,

porque a cada passada dada

se vê melhor a linha reta da jornada.

Objetos de decoração

A chávena vazia num recanto da sala

e o livro fechado na estante

olho-os com indiferença

como se não me pertencessem

e neste vazio das horas

eu penso que Tu, Vida, demoras.

Passeio pelas ruas do meu bairro

Escuto deus

como quem escuta no silêncio

o oiro de uma voz

que está dentro de nós.

E esse timbre de oiro me seduz

qual Criança

envolta numa centelha de Luz.

 

Aeternum

Homem, não queiras só um pouco de eternidade,

dessa que se perde com a mocidade,

antes procura na pedra clara do espaço

aonde gravares o teu rubro sinal

para assim seres imortal.

Sem nevoeiro

A lâmpada fundiu-se

e a névoa que havia dentro da casa dissipou-se

nessa escuridão de minutos

- para haver claridade,

sem nevoeiro, neste mundo,

é necessário um despertar profundo.

Os moinhos de Cervantes

Não são Gigantes de braços ameaçadores,

são casas onde se mói o grão

para fazer o pão -

e é assim também na nossa vida

os Gigantes que vemos

são os medos que temos.

As árvores na paisagem

Crescem as árvores e os ramos,

lentamente, devagar,

ao Céu hão de um dia chegar.

E, deste modo simples e se construindo,

de ciclo em ciclo, vão subindo. 

Memória

Como os bagos da romã, juntos e enlaçados,

vejo os pedaços do passado

presos a meu lado.

Mas eis que desfeita a romã,

bago a bago,

o pensamento é vago.

 

Dia de Reis

O luzeiro no céu

e o oiro no Coração

e a Esperança a que vão

de ir adorar um deus-menino

como homem nascido pequenino.

Geometria

O ponto que se repete e não se repete

presente em cada vida

é do Universo 

a medida

que permite a deus medir

o que o homem só pode sentir.

O que fica de um Poema

Pudera esse instante não se esquecer

e ser para sempre puro

e imorredoiro,

como uma madrugada tecida em oiro.

A montanha mágica

Cada prédio é um arranha-céus,

mas morar perto de deus

requer

uma outra coisa qualquer.

Ano Novo

Há um Gigante dentro de cada um de nós

alma, mestre, espírito,

companheiro,

deste dia primeiro.

E se soubermos dar-lhe a nossa mão pequenina

veremos que é sempre Bela a nossa sina.