quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Em Atenas


só apenas poderia ser a democracia

nos tempos de Sólon, porque só apenas

submetida a homens livres e por eles governada.



terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ligeiramente


Ligeiramente, depois da chuva, chega o claro

da tarde já quando quase anoitece. Como numa iniciação,

fala-se do sebastianismo - clara imagem de um povo que desde

o século XVII aguarda e espera por si mesmo -; e os rostos ainda

muito frescos sorriem ante a ideia de um salvador. Contudo, nisto mesmo,

alguns ficarão a compreender melhor a pátria: misto de saudade de um passado

e de fé e confiança num futuro que sempre há de ser. Hoje, embora,

seja «ninguém».

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Photomaton


Como num trapézio, num circo, vivemos

na iminência da queda. Contrafeitos no balanço

das cordas, olhamos o abismo

dia a dia anunciado, e preparamo-nos para mergulhar

num espaço sem rede.

Em câmara lenta, photo a photo,

cada instante é fixado no cartão de memória

digital do photografo: se a meio da noite acordar,

talvez sonhe que sonha um devaneio de realidade gasta,

recuperável pesadelo psicótico

que só os loucos sonham.


domingo, 20 de novembro de 2011

Espiral


Inadvertido começo rola e se desfia

ondulando,

rola tudo desde o berço,

rola e se desfia

até quando?




quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Estória


Breve, no contexto, a estória

desenha a pessoa. É sempre assim.

A estória que cada um de si mesmo conta

diariamente mostra a natureza. E neste contar

e recontar definem-se os carateres

como personagens de um drama pitoresco,

que, como que à espera de Godot,

apenas insensivelmente aguardassem

pelo toque da campainha final.

E para que, então, ausentes do drama,

pudessem finalmente  e apenas Ser

longe da estória que noticia o quotidiano.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Novelo de lã


A meada confusa transforma-se aos poucos

num redondo novelo

com que se pesponta o painel;

nem tintas, misturadas com segredo, nem trapos,

nem latas, nem paus criam a nova imagem. O quadro surge

pois no pesponto da lã como um bordado grosseiro

que, no avesso, refunde a forma.

São assim duas as imagens: exatas e de medida igual.

Único duplo original indivisível. Arte!,

constância do ser e da vida.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Afinal


a menina recolhia caprichosamente na mica

as folhas gastas do outono espalhadas no empedrado

do passeio; afinal egipto já tem «p» de novo. Que bom!

Afinal só falta repor todas as letras apagadas

nos anos mil de civilização.




segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Volta que volta


Descer ou subir a rua.

Apanhar o comboio ou o navio.

Rever os rostos daqueles que partiram ou

desenhar a carvão as memórias quotidianas.

Pouco importa, pois, volta que volta,

a viagem, o reencontro ou a memória

luzem como uma esplanada

debruçada sobre o mar

onde, numa conversa de fim de tarde,

sem pudor se fala do início ou do fim.


domingo, 13 de novembro de 2011

Os indisciplinados


Variante nova de qualificação para países

à beira do colapso financeiro, a indisciplina aproxima-se

por vezes da atitude irreverente e questionadora daqueles que,

sendo mais jovens, têm mais arrojo e veem a realidade do presente

numa  abrangência de futuro. Não raro, os mais indisciplinados são

sérios impulsionadores de novas formas de procedimentos e obrigam,

também não raro, a que os outros, os que incutem ou os que acatam

a disciplina, se revejam a si mesmos sob uma nova perspetiva ou sob

um diferente olhar. Assumindo-se que tudo isto seja verdade,

encontro a síntese da ideia perfeita nas palavras

ouvidas a frei Fernando Ventura: é necessária uma mudança

de paradigma, a partir do eu solitário temos de construir um nós solidário.

Será esta nova consciência uma voz  indisciplinada

da razão?


sábado, 12 de novembro de 2011

Dia de São Martinho


castanhas e bom vinho! Quentes, acabadas de assar,

foram-me ontem oferecidas à porta de um supermercado,

em Lisboa, e que penso que somavam oito; tantas quanto o número

mágico do dia... E em toda esta maravilha

sonha-se um extraordinário devir,

apenas quebrado

pelo vento, pela chuva e pelo frio.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Miserere


A crise... não é económica nem financeira;

é, antes de mais, uma crise de valores.

Em Portugal,

tal como pela Europa e pelo Mundo,

hoje, a assembleia hasteou uma bandeira singela de calamidade

para quem honestamente malbarata os dias

ganhando um insuficiente sustento.

E, parca e rara, a Justiça,

no dia a dia do quotidiano das gentes,

é um simulacro

do desassossego.



quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Agora presente


No interior, o planeta movimenta-se em convulsão.

Nos céus, o alinhamento é quase perfeito.

E entre os céus e a terra, o homem,

na sua superior dualidade

de ser pensante,

vaticina a fratura

dos Tempos.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Projeção


que aguarda a espera em contagem

decrescente das Horas. O segundo primeiro

do acordar desfia o ror de tempo até ao adormecer.

Só o Universo tem as Horas

concretas

que na eternidade

se movem sem se saber.




terça-feira, 8 de novembro de 2011

Filas vazias


Tarde triste: sem história.

Nem a incursão sobre os ideais românticos,

do início do século XIX, me aliviou a estranheza

de observar as longas filas

de automóveis no Saldanha,

que apátridas, se movimentavam vazias.

É como querer compreender e não entender.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Sempre


o longe é tão longe... Manchúria! fica nesse longe;

e, no entanto, toda a história de opressão é um longe

que devia ser sempre perto.



domingo, 6 de novembro de 2011

Joeiram


estrelas aqueles que, nas cidades, e ao redor, no mundo,

pacientemente aguardam pelo levedar dos frutos

e de todas as coisas que demoram a nascer e a crescer.

Aprimorar a paciência é tal arte

que, mesmo que secas as fontes,

sempre há água p'ra beber.





sábado, 5 de novembro de 2011

Breve instantâneo


Pasmada, ao sol,

a árvore toda

enobrece

como se alma só tivesse

e não um corpo

a perecer.

Onde a raiz,

seiva dos ramos?

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Cesto de papéis


Atravessa o tempo cada folha que se rasga

e que se despeja: também na memória o deletar

apenas não é possível.

Encontro, por isso, entre todos os papéis

inexistentes, uma novela,

opereta bufa,

sem dimensão de grandeza. Espantosamente,

nem eu sei porquê, recupero

cada linha perdida de cada folha rasgada

e cruzo-me de novo com toda a história

no curso do dia a dia da  jornada.

Melhor seria apagar tudo o que É,

mas a mente engana e diz:  mais outra vez.








quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Ponto por ponto


Aguardando. Esperando.

Jazendo passivamente num enleio.

Ralanti de gestos e mais chuva que cai,

súbita e instantânea, por um momento apenas.

No território onde moro - tão distante dos picos

mais altos do planeta - ouve-se o troar de longínquos

tambores, que anunciam não sei que nova forma de guerra.

Talvez que sempre todas se iniciem assim, dominadas

pela inércia dos gestos dos que mais lucidamente pensam. 

Por isso, ponto a ponto, bordo

um desenho raríssimo:

um mundo inteiro novíssimo.







quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Purpurina


Quando o céu é de neblina densa,

e a chuva outonal se espalha arrastada pelo

vento, a natureza convida ao silêncio mais interno.

Contudo, assim não se passa. Cada vez mais alto

soa a brados o clamor... talvez que, às ilhas gregas,

Ulisses tenha regressado da aventura marítima,

ansiando pelo repouso de guerreiro.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

No jardim


dos caminhos que se bifurcam, corre, agora,

na máxima larga medida, o jogo da quietação...

A máscara de olhar no espelho, o vestido de renda,

as fivelas nos sapatos, tudo isso é despejado como lixo

indiferenciado. E quietamente, sem anseio, como quem dá

tão só e apenas um passeio, no jardim,

procuro eu e a multidão

uma saída.

Mas, o que deixa, a Vida?; nos caminhos

dos  futuros incontáveis.