Dá-me a mão. E de mão dada vamos até à última vereda da vida. Amantes inocentes e crentes.

É na noite que um encontro é mais profundo. Insónia na dor do mundo.

Raízes. Que se perca tudo, menos a raiz de cada ser.

Dos deuses imortais nada sabia. Mas, tal como no levante do sol nascente, via no nascimento e depois na morte a universal sorte.

Procurava em cada sonho os sinais das estrelas do céu. Rasto perdido quando o dia amanhece e o sonho esquece.

Todos os dias desenhava no papel uma existência perfeita. Esboço sempre inacabado, como se a vida apenas morasse ao lado.

Às vezes, no instante antes de acontecer, é que ela colhia a vida e o viver.

Primeiro dia de inverno. Amanhecem os deuses nascidos. E, como criança brincando e sonhando, que colhe uma flor, brilha o sol e há uma réstia de cor.

Mesa de café. E a espera pela mesma hora do dia seguinte na mesma mesa do café.

Na distância, até onde o pensamento alcança, a Mulher lança-se na correnteza do passado. Cortina densa de neblina. A saudade é na pele que se sente.

O copo que se partiu. Como pedaços de coisa morta, vagueando pelas ruas da manhã chuvosa e fria, os vagabundos perturbam com a desgraça. Triste sina. Humana condição.

Laboriosamente, a Mulher faz e desfaz o novelo. E traz mais significado para a vida esta busca que se repete. Outra e igual.

A roda da vida gira, gira, num eterno movimento; luz, penumbra, sombra. Compassamento da existência. Prisão em liberdade.

E cada passo no caminho deixa um rasto. Pedra a pedra. Mistério da vida.

Um grito rompe na noite silenciosa. É um louco que, na desventura, procura a palavra mais certa. Grito. Ânsia e ferida.

A aguardar pelo manto de neblina, como quem aguarda por uma vida renascida, a Mulher observa cada um dos seus passos. Caminhando. Bordado do futuro no presente.

Horas errantes. Quando o homem constrói, missanga a missanga, todo o fio que o agrilhoa.

Vem, caminha a meu lado. Deixa que o dia, que a noite, sejam os guias. Orvalho da manhã. Primavera fugitiva.

Na azáfama do tempo de ser, esqueço-me de viver. E, como eu, tanta gente apressada cruzando-se, e entrecruzando-se, e mais nada.

Os ruídos das grandes cidades ecoam em nós. Ruas. Praças. Avenidas. O burburinho do que é prestes a desfalecer, quando a cidade se cansa e adormece.

Nas gentes que se entrecruzam, de manhã e ao entardecer, não há senão um mesmo rosto. Máscara de ser. Multidão.

A antemanhã. O anteclaro de ser dia. E a memória da noite fugitiva abraça-nos, por um instante, no antes do despertar.

Atravesso o rio e na outra margem encontro o outro em Mim. Silêncio.

Neblina e Luz

Minha eterna paisagem!,

que Paz imensa

em ti eu encontro,

quando, no cimo da colina,

nasce a neblina,

e, num recorte perfeito,

o horizonte cabe todo no meu peito.

Abel

Nem mesmo no olvido,

da sombra do que é a morte,

saberão os deuses desta minha loucura?,

de reviver o instante passado que não dura.

A forma das coisas

Na sua arte, o artesão

dá forma e cada vime

se entrança

tal como cada palavra

é tecida

na poesia da vida -

e apenas sonhou a semente

ser de um Sonho ausente.

No outono

Sempre que nasço,

há um canto de primavera

e dele jorra a luz

a iluminar o meu nascer -

que estranha é esta vida assim,

em que brotam,

sem haver fim,

mil pedaços de Mim.

No Coração

Dispo as vestes

já velhas e usadas -

as vestes das longas caminhadas -

a acorro a um instante de mar

para te Amar.

Olhar a paisagem

Um manto de nevoeiro

cobre a colina -

névoa também no amanhecer

a cada dia

deste viver...


... mas mais lúcido

o olhar se firma,

quando, do manto de nevoeiro,

eu vejo, em sonho,

o verde do outeiro.

The perfect place

É de seda

esta chuva que cai

desde o início da tarde -

e, embrulhada em silêncio,

minha Alma medita

saudosa

do dia que há de amanhecer

trazendo, ao Mundo, um novo viver.

Outono junto ao Tejo

O rio corre

na largueza entre margens

e o meu Coração

floresce de outono -

castanho doirado

amarelo e verde prata

e um silêncio a que sou grata.

Trees lose their leaves

... e o manto

de folhas que cobre

o chão faz lembrar um imenso

mar colorido

e, por isso,

tem a Vida mais sentido.

Pensamentos

Neste recanto a ocidente,

florescem e são mil os Poetas -

que extraordinária Maravilha!,

que Multidão de pensamentos,

vivos, puros, sedentos,

que iluminam este Céu,

e tão profundo,

que aqui é o cabo do Mundo.

Outonal

Sonhar-te é a arte

que me resta -

quando, letra a letra,

silenciosamente,

desenho no caderno

o era uma vez

de um sonho outonal

tão simples e mortal.

A boa memória dos poetas

20 de outubro de 2018

Frame a frame,

desgravo toda a recordação

que não é oiro e Luz -

e seduz-me só a boa memória

dos momentos

que vivi

de alma luzente

que, em Felicidade, pensa e sente.

Ogygia

Correm os dias, calmos

e sossegados -

e, como num olimpo

de serenos deuses,

quebra-se e vai morrendo

a vontade da inspiração

no pensamento e no Coração.

O rumo dos ventos

A memória da tempestade

é um pensamento

que me invade

e sufoca

a minha essência -

não floresce a consciência

e a alegria

morre ao nascer

no fundo do meu Ser.

Poeiras

Atravesso o silêncio

da noturna hora

como ave que sem abrigo

procura na imensidão dos Céus

o destino dado por um deus

que de Mim se esqueceu.

Paisagem

No tanger das horas,

chora o meu Coração,

mas tão de mansinho,

que encontro sempre Caminho,

na longa distância

da Imensidão

da Vida,

mesmo quando perdida.

Epifania

E um dia, tão inesperadamente

como um aguaceiro de verão

acontece,

vi ao Amanhecer

uma nova claridade -

meu novo mundo e verdade.

A lição

A lição aprendida

vale mais do que a vida -


por isso, serenamente, encara

de frente toda a experiência que se repete

como uma estação de outono

ou como um ciclo de sono.

O quotidiano

Para trás ficaram as alvoradas

vazias, como um nada,

e da noite rasgadas -


e, sempre, longe da multidão,

vivo no meu sereno Mundo

onde o meu olhar

é como uma gota do imenso mar

perdida

e que procura a Vida.

Aniversário

Tempo é passado,

e na distância do que já não é,

florescemos como a Vida

floresce à sombra das árvores

mortas e renascidas -

é este o corolário de uma existência:

morrer e renascer

em permanência.

As duas águas

Existe um momento,

calmo e silencioso,

todo repleto de mistério,

em que o tempo

do futuro germina

no tempo do presente -

oceano de duas águas.

Furtivamente

Passam os dias, um após outro,

furtivamente.

Abrem, para a Luz, as últimas flores,

da orquídea.

É o verão que se desvanece

como se chegasse ao fim uma prece

de uma multidão angustiada

que vê que o tempo é um Nada.

Sempre Aqui

                                     para o meu Filho

Nesse lugar eterno

do Coração,

nada se quebra, nada se perde,

não há senão um contínuo alento

que torna até o Céu sedento.

Nos caminhos a Sul

Perplexidade de Paz! -

quando escuto

a batida do meu Coração

nesta Imensidão.


E, atravessando o silêncio,

momentâneo, um grito de Criança

desperta em mim

uma esperança.

Um lento caminhar

Uma lição a cada dia

e ia desfolhando o livro,

página a página -

porque o cúmulo do Saber

aprende-se até morrer.

Poesia

Da linhagem antiquíssima

daqueles que joeiram as palavras

compondo um ou outro verso

no seu pensamento,

prossigo, mas errante,

pois a Beleza de cada instante

escapa-me em fios por entre os dedos

e não me desvela da Natureza os segredos.

Grace

Do sono da vida,

acordar!, e encontrar,

qual Minerva de gesto perfeito,

a consciência acabada

como chegasse ao fim uma jornada.

Arestas

Cantará, de novo,

este pássaro,

por entre os pássaros mil

que vagueiam na multidão

das estrelas.


Cantará e será um pássaro brilhante

de uma cor de diamante

que há de vir pousar no meu beiral

perdoando até o mal.

Pequenos milagres

Degrau a degrau

e florescer -

é um lótus,

é um viver,

é um Caminho

que tem a sua raiz no Coração

e o fruto na Imensidão.

E tão perto o mar

Desventrar a casa

e achar um búzio, uma pedra

luzente, uma concha branca,

e um sussurro

do que há de vir a ser

no aconchego

de uma brisa momentânea.

Como um cristal

No verão, entardece

o ano,

e é um bom momento para

a despedida

do passado de uma vida.


Quão longínquo é o ontem.

Que serena quietude.


E sempre devia ser assim um fim.

Labor

Agarra esse instante, se puderes,

e deixa que a musa da eterna razão

tome conta do momento -


e, então, cada simples palavra

será um verso inquieto

e de Amor repleto.

Que magia

Que magia

encantou a solidão

que senti na minha mão

outra e outra mão -


e, num dia de entardecer,

quando o silêncio mais nos compraz,

nem o Tempo é esse gigante voraz.

Letting go

Qual árvore

que despe os seus ramos

no tempo certo,

assim devia ser na Vida -


medida a medida,

movimento a movimento,

a cada dia um novo, novo, rebento.

Todos os caminhos

Por um tempo me esqueci

das Palavras

e então tive a angústia

da urgência de chegar a uma meta -


quando na verdade

é o Caminho que se percorre

que sempre vive e nunca morre.

O grande lago

É junto ao grande lago

que te encontro,

e pedra a pedra

de infinita distância percorrida

vejo que o Sonho

não é menos que a Vida.


Como tardaste!, minha Alma querida,

minha bela, bela adormecida.

Horas mortas

Silêncio e estrelas,

na noite,

e perto o sino da aldeia

recorda a passagem do Tempo -

mais lento

cada vez mais lento

na distância do adormecer

o sino é a sombra dum certo viver.

A Sul

Límpidas águas.

Suave travessia de um rio...

Longe aqui tão à minha beira

como se não houvesse espaços siderais

nem sinais

de que somos mortais.

Sunset

E, de súbito, trazidas

do escuro do Sonho

para a realidade clara do dia,

as borboletas esvoaçantes

lembram-me que nada é como dantes

e que a vitória numa vida

requer uma madrugada e um entardecer

na metamorfose de um ser.

Tiempo

É mais certo quando a vida

vai florescendo

e é apenas gentil a passagem do tempo.


É esse o recado

das minhas duas borboletas -

que me despertaram do meu Sonho

ligeiro, sinalizando

que tudo é passageiro.

Letargia

Na noite, à janela iluminada

da casa em frente, joga-se no écran

do computador o jogo da vida: e o herói do jogo

sou eu!, Sísifo, a que se acrescenta

vida, e outra vida, vida tão eterna

como a lei que o jogo governa.

Vizinha a Mim

A orquídea floriu!,

e, neste aqui e agora, foi um momento

de um instante - tanto que a minha Alma

errante tão subitamente

sentiu

que o Coração

sorriu

no flagrante

da existência

e magicamente

descobriu

um vislumbre da sua essência.

Viagem

Outrora viajei

nos incertos caminhos

do meu pensamento constante -

mas agora

chega a hora

de calcorrear Mundo fora

e deixar acontecer

e ver na azul distância

a lembrança duma infância.

Oráculo

Vagamente, como numa memória

esquecida,

encontro-me de novo

num jardim e o compasso é sempre

de espera...


Ainda assim, neste instante, meu olhar cintilante

rebrilha no alegre vaticínio

de que quem sua mão estende

pode tocar céu e terra

e todo o mistério que aí se encerra.

Momento a momento

Momento a momento,

algo clareia,

talvez seja esta ideia

que povoa a minha mente

de que o Universo também sente.

Em Mim

Em Mim, observo e vejo

o quanto Caminhar tem escolhos

e pedras que são penedos -

e é tal o meu Caminho e o teu, Homem,

que atravessas a distância

e honestamente procuras

o teu fiel rosto,

o mais verdadeiro,

tão igual ao de um dia soalheiro.

Andamento

Ágil e exata,

a linha do pensamento

constrói

modela

amplifica

e tudo, à volta, se compraz -

isto é o de que um homem é capaz.

E um Ciclo termina

Décadas de Caminho.


E, como num bordado,

direi «Obrigado».

O fundo do mar

O salto no abismo

e longe, longe, o fundo

do Mar...

Quem pudera lá chegar!


Para encontrar na mais simples

areia a concha, o búzio, a voz,

e a imensa condição de nós.

Na outra volta da espiral

Enfim, Caminheiro,

chegámos àquele tempo

que mais importa - tudo o que passou

é já coisa morta.


E, então, neste momento que se inaugura,

não há senão uma imensa ternura

como quem a quem dá a mão

rompendo o grilhão

da humana e eterna prisão.

O lugar

Aqui, onde estou,

é o Lugar.

O Lugar de Mim e em Mim,

sem mar nem cume de montanha

nem uma planície tamanha.


Aqui, é aqui, o Lugar

do sofrimento, da angústia, da dor

- o Lugar do desterro

de cada homem que já nasce preso.


Aqui, onde estou,

é o Lugar.

O Lugar para encontrar

o mar, o cume de montanha,

a planície e aquele tamanho rochedo

igual ao tamanho do medo.

O Despertar

É primavera enfim

quando é a Alma dum ser

o Alento do seu viver.

Lugar de sempre

Sobranceira a mim

a encosta

é a minha eterna imensidão

e é o lugar

onde o Tempo passa mais lento

mesmo que sôfrega e sedenta

a minha vida

procure uma outra paisagem

como se existisse

aqui um rio e uma outra margem.

Vinho velho

Longuíssima estrada,

que na cegueira e na embriaguez

percorro,

procuro um tempo novo;


mas haverá um deus que escamoteia

toda a minha prece

e aqui, neste Mundo,

tal como o tempo, minha procura envelhece.

Olhar em volta

Aquieta, meu pensamento,

Olha como passou a força do vento,

e a ira da tempestade.


Olha, e mira,

e vê, como quem sabe porquê,

porque há, e existe, tamanha impiedade

no mundo, que todos habitamos,

longe, tão longe, da Paz que não alcançamos.

Na morte de um pássaro

Onde cantarás agora,

desfeita a teia da gaiola,

quebrados, enfim, todos os laços...

Para onde te levaram os teus passos?


E, no dia que hoje amanheceu,

rente à tua morte silenciosa,

floresceu talvez uma simples rosa

de uma matéria de Coração mais corajosa.

Estrela

É um presente de Silêncio,

o instante calou todas as vozes,

e apenas no Céu

desponta a Estrela

- que sina tão inclemente

que a dor que se sente

é afinal a dor de toda a gente.

Destiny

Atravessei o oceano do passado

e encontrei em cada concha,

em cada alga, em cada rochedo,

apenas um vislumbre de um medo.


Segreda-me, então, a crua distância

a palavra mais sentida

no vivo movimento da vida -

destiny.

Outras viagens

Viajei, por um instante,

e nesse enlace

uma tarde correu, um ser terá amanhecido,

e desse meu tempo nascido

guardo

a memória de haver

sempre algum Sonho para viver.

Just be still

Permanece imóvel,

não te mexas,

deixa que o mundo à tua volta

se transforme e envelheça

e que os dias e os anos passem e que cada homem

de si mesmo se esqueça.


Just be still... e talvez, desse modo,

mais silencioso do que uma noite calma e sem vento,

apagues em ti todo o tormento

e vivas, e permaneças,

num eterno Alento.

Casual

Esta luz da primavera

me encanta e a minha Alma

espanta - tanto que nem entendo

porque a cada dia

vou morrendo

e nascendo, afinal,

como um ser imortal.

Vinte e cinco de abril

Quatro décadas se passaram -

mas o Sonho

que é mais, que é maior, do que o tempo da vida

permanece e é a medida

de toda a justa

luta perseguida.


E sem mais

são os cravos os sinais...

Memória fugaz

Na folha pautada,

a primeira prova da vida

parecia uma longa e interminável

lição... - mas, agora, vejo que não.


E quem dera, não era,

a carteira hoje tão velhinha

onde me sentava menininha

sabendo sempre com a razão.

Ser Palavra

Pensei em Ser

apenas Palavra -

apenas um Verso e um Poema -

mas a brisa despenteou os meus cabelos

e os pensamentos em novelos

rasgaram de novo a imensidade -

e a tarde foi apenas mais uma simples tarde.

Um tão simples momento

É o silêncio o húmus necessário

a todo o Caminho da Paz...


Por isso, o verdadeiro Amor brota

apenas do Ser

e dum momento do viver.

Em redor

Poderás calcorrear o mundo,

mas, e em redor a ti?,

que Caminho

atravessas? - que ampla estrada

inauguras?, sem pressas -

e, como num Sonho, a viver começas?


É esta a grandíssima viagem -

em redor a ti -

há sempre uma e outra margem.

Regresso ao passado

E, por um instante,

na tarde, brilharam as mil estrelas

do Céu - e a tua infância e a minha infância

cruzaram-se no umbral da eternidade.


Que belo e sublime

foi este momento -

momento roubado ao Tempo -

momento para além de qualquer instante.


Mas, agora, acorda-me a Voz do tempo presente

e é ela que, de repente,

me diz que a vida apenas segue em frente -

ainda que no engano de um instante

o Céu possa ser de uma cor de diamante.

Divagação

Sem melancolia,

sem uma triste melancolia,

suave,

doce,

quente,

não haveria afinal um verso

nem um deus construtor

de um mundo

teria tido o seu Sonho profundo.

Sina

Musa, esta é a sina!

À dolorosa Luz se escreve,

sabendo apenas que a vida é breve.

Do não pensar...

Num momento de quietude,

quis anular o meu pensamento.


Mas, mais forte do que o vento,

o meu pensar

irrompeu vibrante

- como um parceiro de cada instante.

Eternidade assim...

É de chuva e de neblina

o Coração da tarde,

mas encontro nele

uma chama viva que arde.


E, então, em Mim desperta

a confiança

de que, neste Mundo, exista a Esperança

de uma Eternidade sadia -

como quando nasce cada dia.

No outro e em Mim

No oásis da Paz, dentro de Mim,

mora a aceitação

de que, quando o Universo entende,

a paisagem em redor

é varrida pelo vento gélido da Dor

e que de nada vale o clamor

nem o pedido de piedade,

porque não há senão uma Verdade.

Here and now

São estranhas as vozes

da multidão,

nestes caminhos que atravesso

em busca

da Paz.


E são estranhas estas vozes,

porque não são conformes com

a Beleza desta Natureza -

planície verdejante,

sol resplandecente,

brisa suave e plangente.


Por isso, apenas ao longe, muito ao longe,

escuto o sinal dos quartos de horas,

e sei, tristemente sei,

que tu, ó Homem, demoras.

A imperfeição

Almeja a graça do erro,

do desconforto, da queda...


Almeja sempre que falhes

e que te desgraces - não queiras

uma coroa de louros

simples pelos teus atos.


Não! Vê que antes mora na desgraça

uma experiência,

que te conduz, sem dormência,

de imperfeição em imperfeição

ao fim de toda a Ilusão.

Educar os sentidos

A correta educação

tem inteligência e emoção.

Com o tempo

Com o tempo, aprendi a florescer

na primavera

como se não fosse senão uma árvore,

um arbusto, uma planta, uma quimera...


E, então, de primavera a primavera,

quem eu sou já não era.

Talvez...

Sim, talvez...

Talvez nos Caminhos do mundo

eu colha o meu Sonho mais profundo...

Primavera nova

É campestre e simples

este sentimento de inteireza,

agora, que choveu

e, nos campos e no meu Coração,

corre um rio de imensidão;

- ainda que seja verdade

que há uma tristeza

na tarde.

A Sul

Um passo atrás.

Sempre um passo atrás.

Como é estranha esta caminhada na vida!,

passo a passo, recuo, avanço,

como quem balança

num baloiço

de criança

e tem nele

toda a ação vivida.

A Arte

Pertence ao buscador

toda a Arte.

E só quem procura encontra,

na argila que molda

o verso, a pintura, o compasso, e a dança,

aquele raríssimo instante

- tão breve e tão raro de medida -

que dá o sentido à vida.


Por isso, cada um daqueles que inteiramente

se entrega a este buscar

(sem nunca achar)

possui, na singularidade da existência,

um pouco, muito pouco, da sua essência.

Na madrugada

É de silêncio este tempo

na madrugada,

quando as cidades ainda adormecidas,

buscam no sono e no sonho

a realidade das suas vidas.

Poeta sem voz

Não corras.

Deixa a distância ser o caminho

que hás de percorrer, muito lentamente.


Não morras no silêncio de cada hora.

Abre, antes, o teu Coração

e deixa que a Imensidão silente de cada eternidade

te mostre e seja em ti uma Verdade.


Não colhas da roseira a mimosa rosa.

Olha-a apenas e deixa-la ser

o triunfo singular

do que não pode permanecer.

No movimento do Mundo

Do átomo ao abismo!,

e nisto cismo,

tentando perceber

este Movimento do Viver.

E os plátanos...

Um tempo foi.

Uma e outra e outra estações correram.

E, também, um a um, ciclo após ciclo, se completou.

É esta a viagem da vida.


Por isso, sem Alegria nem Tristeza,

olho à volta a natureza

e os plátanos que brilham nas noites

mais escuras,

e julgo enfim perceber

que cada etapa do Caminho

tem sempre uma razão de ser.

Agora que é primavera

Agora que é primavera,

vem, enfim, Amigo; caminha comigo

e vem ver a cidade dos Homens.


Mas não entremos - fiquemos na encosta verdejante -

e olhemos apenas por um instante

o bulício.


E, depois, partamos daqui para outra cidade,

outra cidade,  infinitas cidades,

e, talvez, por fim,

saciada a dor e a pena,

descubramos, no limiar, uma primavera no mundo

que dure mais do que um sono profundo.

Imaginação

Inclemente, a chuva caiu...


E um rio transbordante eu atravessei

até esta margem.


Longa a viagem.


E qual peregrino de incerto destino,

aqui me encontro,

num caminho deserto,

imaginando que as estrelas estão afinal tão perto.