Noturno

Vestígio da noite ainda.

Uma noite que não finda.

E, por isso, neste noturno matinal,

não encontro da luz um sinal.

 

Esboço

Na minha Alma nova

como num cantar de cotovia

há o encanto

do Sonho e do Espanto. 

À roda das palavras

Por um instante, não mais, fica, Amor,

nesta roda das palavras

que são grito estridente

daquilo que um homem sente

na larga travessia

por um instante, Amor,

vê, neste puro rumorejar da hora,

que o meu Coração parece que chora

quando a palavra demora

e o tempo de Mim se vai embora.

Jacarandás

De lilás, em suave manto,

se cobre o meu Coração,

tal como ruas, praças e avenidas

se cobrem destas flores floridas

que anunciam um novo verão.

 

Dia da espiga

Só no tempo da infância

é possível

a graça

de acreditar que a dor passa.

Por isso colho o ramo,

tal como o colhi no passado,

e já nem sei se há dor ou pecado.

Ars mobile

A alma repousa neste lugar de Mim

e espera, oh, como espera,

pela aurora

neste sítio onde agora mora.

Abrigo

A casa flutua no meu Sonho de mar

e é navio transatlântico

que procura na suma lonjura

o eterno porto

também eternamente sonhado

que é futuro, presente e passado.

Com as palavras

Recantos de silêncio entre as palavras

e o mais que dizias que uma vida são dias

e que é no agora que um homem chora

me lembra em recordação

o meu futuro Coração.

Ondulações

Assim balançam os ramos 

da árvore

como balança na vida 

este Ser

que perece

como na noite o dia se esquece.

Pensar

No momento de alinhavar o poema,

antes de o pespontar,

o pesadelo do presente,

mesmo em frente da gente,

é a linha que cose e que costura

esta realidade tão dura.

Por isso neste verso não há alegria

nem neste poema há um hino à razão

que nos conduzam ao centro do coração.

Regresso às palavras irreais

Regresso às palavras irreais

como Instante, Sonho, ou Coração

quando ponho minha mão na tua mão.

Patamar

A tarde de domingo requer a arte

de Amar

como se ama o segredo de cada dia

na madrugada fria.

 

Janela aberta

Página gigante

do gigante poema

do céu liso e branco,

mostra-me a Tua face verdadeira

para eu me revelar inteira.

 

Como de areia

O castelo de areia

também envelhece

quando as ondas lhe desgastam as ameias

e no sol da tarde

o turbilhão da maré

não mais o deixa de pé.

 

Na esquina das palavras

Como palavra num verso

que nos chama para a vida

assim eu também

clamo 

com vívido ardor

por aquela Paz

que no coração nunca jaz.

A estrada que começa

Ser de um outro lugar

inexistente

e começar aí o caminho da vida

sem tropeções

nem errância na voz

apenas com a Coragem que há em nós.

Movimento

Não tenhas pressa.

Não corras como corre este tempo

que nos diz

que não há uma raiz.

E se puderes vê no ciclo das estações

que há primaveras e verões

depois de no inverno anoitecer

o homem no seu ser.

Colhe então devagar

o sol e o luar

a prata e o oiro

e acharás um tesoiro.

 

Nova rosa

Um dia virá em que este instante

de silêncio

e de serena verdade

encontrará a eterna mocidade

e então como quem num canteiro

de um jardim

encontra a rosa acabada de nascer

assim este instante em Mim

nunca chegará a morrer.

Ode

O meu pensamento é disperso

quando o dia chega ao fim

e eu fico mais perto de Mim.

 

Algures... não sei

 

Hora de ponta. A multidão não ouve e não vê.

E eu procuro apenas um sinal

do que é a vida nesta condição mortal.

De pés assentes na terra

Cá fora, e por dentro de Mim, um jardim

imenso, sem fim...

mas é sonho por certo

de quem não vive desperto.

No meu bairro ao anoitecer

No meu bairro ao anoitecer,

é que apetece viver

como se dos confins do Universo

a Paz descesse

pura e natural

e dela nascesse um mundo original.