domingo, 28 de outubro de 2012

Alpendre


Muda a hora, mudarei eu?,

como se estivesse sentada à soalheira

num alpendre imaginário

a ver passar gaivotas tão rentes

que o esforço de pensar

se diluísse em prosa

subtil.


Goteja lentamente

o tempo e nas horas esquecidas

debaixo do alpendre

a Vida

escorre por entre os dedos

sem lembrança nem esperança.






sábado, 27 de outubro de 2012

Na volta


do caminho fiquei

à espera que o dia amanhecesse

tanto, que não houvesse

nunca mais na vida

senão um alegre canto.



sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A...deus


                          para o Abel


Palavra sem letra

sente o fim de jamais

te tornar a ver

nesta jornada em que a solidão

encarcera e agrilhoa

tão fortemente

que morre em vida tanta gente.


À mesa do café,

o infinito dos possíveis caminhos

traça, contudo, uma distinta e outra

caminhada - aquela, justa e perfeita,

que Coração a Coração estreita -

e, como se o passado fosse nada,

e o presente, súbito, florescesse,

caminharei, agora, tendo por lição de vida,

a tua tão solitária e silenciosa partida.






domingo, 21 de outubro de 2012

Outonal


Tristeza suave é melancolia

breve - tão breve como o decorrer

do dia - perante um Céu

inclemente,

cinzento cinza,

que toda a Dor não sente.



sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O ciclo da folha da árvore


Do verde

que desponta

ao amarelo dourado

que cai,

tal a minha alma conta

a jornada por onde vai.


E sempre alegre

me incita

a Vida

na sua caminhada infinita.



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Outono


Rareiam as folhas das árvores

no meu quintal

tão longe de mim

que é um assombro esta chuva que cai

aqui, caminhando para Sul.


Quando voltar o Sol, também eu caminharei

e não sei se não vou encontrar uma árvore robusta

em cada esquina

lembrando-me a vida de menina.


 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Errante


na cidade, qual ave que se despede,

meu coração

evoca aquele tempo

- anterior a esta guerra -

em que feita de esperança, a vida

só tinha as durezas

e as alegrias do subir a uma serra.



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Andamento


O rio que não vejo da minha janela

não corre para o mar, mas antes fixa-se

na linha do horizonte a ver despertar gaivotas

tão esguias

que são os alicerces das casas.


Por isso, num desalinho como num poema

desfeito, não espreito

o rio

nem as gaivotas,

porque sei que as palavras que se soltam

navegam para além

dos boqueirões e das esquinas

tão gráceis como meninas.



domingo, 14 de outubro de 2012

Ligeiramente


O músico na calçada

anima o coração de Lisboa à noite

e, como se não houvesse senão o caminho

de morrer e estar sozinho,

cada um que passa escuta

o ritmo da batida mero sonho que é a vida.




quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Parcela


Lá onde o limoeiro está

há uma calma tão fria

que se sente o cheiro a maresia

na solidão de cada momento.


Pudera atravessar o tempo e saberia

do futuro

a breve história

em cada limão que desponta, que desponta na memória.





terça-feira, 9 de outubro de 2012

Casa na areia


Branco mar, no cinzento do Céu,

goteja na distância

tão perto

que é possível esperar-Te

na areia.



domingo, 7 de outubro de 2012

O abrir da janela


Estranho é o destino dos textos.

Passados tantos anos, alguém se recorda

de algo que foi escrito e até apagado por mim.

E eu que, de todo, esqueci...


Em cena estarão as palavras

a encontrar reflexos de oiro nas vozes

préclaras de jovens de diferentes raças

que soletrarão a ideia

nobre olvidada

por tanto tempo

que é como se tudo acabasse

de ser escrito num momento futuro,

aquele em que amanhecerão as árvores

vestidas de verde e Tu chegarás

dizendo apenas «bom dia» como se nunca

tivesses senão estado sempre presente.



sábado, 6 de outubro de 2012

Movimento


Mar para onde se escorre

toda a saudade, vem ao meu encontro

vem libertar a verdade.




sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Território


O meu espaço é a Casa

ou é o Mundo? Pérolas soltas

à espera de serem enfiadas num fio

aguardam pela minha libertação.


Toca o piano cá dentro de mim,

dizendo-me que é a hora

da verdade sem nenhum deus

ser um novo desafio.


Medo de quê? Dos degraus das alturas?

Mas a branca linha me pede

que outra coisa diferente faça

como destelhar a minha Casa

e deixar que o clarão da lua

me mostre outra vida no bréu.






quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Tinta fresca


Queria dizer-Te

em segredo, muito em silêncio,

que o meu Coração balança entre

a Esperança do entendimento

e o Desalento do fado das horas,

como se só a cada dia encontrasse a renovação

e a coragem para seguir de margem para margem.






quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Tão longe


o Sul que é a paz.

Mas o desalinho por dentro

desnorteia o intento de partir e de chegar

lá tão longe, onde a Casa aguarda na distância

pela habitante insegura.


Troco, talvez, a ida por uma chávena de café.

Por isso a memória do futuro é triste

falta-lhe, talvez, a inteireza

de uma mão cheia de certeza.






segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Ideal


Sem nome

de oculta identidade

todo o que segue caminho na estrada

encontra mais fácil o lamento.


Mas a porta está fechada.


Por isso, G., epicamente

deixa rolar a gigantesca pedra

até que na areia

possas escrever aquilo que medeia

tão fragilmente entre o real e o ideal.