terça-feira, 31 de julho de 2012

Moldura


A espera exige arte,

como se em qualquer parte

o tempo fosse mais lento e severo.


Por isso o caminho na tarde

balança sem saber se é por saudade

que a mandala desfeita

permanece

no meu pensamento

tão de Sul sedento.






 

sábado, 28 de julho de 2012

Dia pré-claro


Do cinzento do céu move-se o meu dia

já quase próximo para Sul,

onde encontrarei aquela outra luz

mais quente

e também a outra gente,

gente de trabalho sem oração,

que vive do silêncio do coração.


Mas não há uma quebra na minha vida.


Lá no Sul, no mês de agosto,

o canteiro cultivado,

tão próximo das ruínas do Templo,

aguarda pelos frutos da colheita

tão breve, mas que a todos sujeita.



sexta-feira, 27 de julho de 2012

Tormenta


Quis o destino que me cruzasse com ele,

ou, dito de outra forma,

ele forçou o cruzar-se na ampla estrada comigo.

Olhei-o inicialmente como quem se vê

a si no outro, num espelho,

onde tudo se reflecte ao contrário;

mas essa sina tão distinta - necessária e justamente -

poderia ser a minha: numa mão sempre a pena...


E tudo isto, hoje, faz-me pensar que o ato criativo,

seja ele qual  for, não é possível sem uma ampla

margem de Tempo e Liberdade, porque ninguém

desponta perfeito e acabado, cada um apenas segue a jornada

e a labuta do agricultor, sendo a colheita tão sempre incerta e imperfeita.







quinta-feira, 26 de julho de 2012

Passa cada ano


como passa cada dia

e, às vezes, é com surpresa

que entendo como é voraz esta linha

que sem descanso nos encaminha para a despedida.


Pudera ser tão perfeita e clara,

como uma fonte para um rio escorrendo,

não foram os descaminhos

sem sentido,

os verdadeiros e os falsos perigos,

a comédia trágica do homem...

E, para além desta secretária, frente à qual estou sentada,

escrevendo no teclado do computador, fica o mundo,

então penso: «que mundo é este

que acorrenta, espanca, viola,

como se a vida fosse uma migalha e uma esmola?»


Da minha janela aberta,

a linha corre para a meta.




quarta-feira, 25 de julho de 2012

Cristal


Algures em Sintra, amanhece mais cedo,

como se num qualquer rochedo

se desenhasse estival a hora da aurora

para o despertar do caminheiro.



E no cristal líquido,

que não morre,

vejo em ti a temperança

como uma esperança que sempre escorre.


Troço a troço, sei, já saberás, que o caminho,

cumprido ao amanhecer,

é mais fácil de viver.




terça-feira, 24 de julho de 2012

Tão longe


dos deuses é a morada

que, neste sítio onde eu vivo,

a terra dos rios, dos lagos, dos continentes

e dos desertos e dos mares, tudo é sujeito à imperfeição.


Por isso, nunca à noitinha

me surpreendem as notícias na televisão:

da resenha do dia,

meu rosto nem vibra de comoção;

antes me deleita saber dos deuses tranquilos,

bebendo da ambrosia, imortalmente,

na sua morada, tanto como se aqui,

neste sítio, nunca não se passasse nada.






domingo, 22 de julho de 2012

Estrela


'It's a turning point', acredito,

e o eterno verão do ânimo constante

chegou, enfim, caminheiro, àquela esquina

da tua vida que assim jamais será perdida.


E do labirinto das ruas de Londres

para o Mundo

despontou a mais rara qualidade:

a dádiva aos outros

daquilo que nos falta a nós,

«sir, one penny, o oiro das neblinas».





sexta-feira, 20 de julho de 2012

Olhando para trás


às avessas, de contra o tempo,

anoto sobre o joelho

cada momento

protegido

sem que a alma sentisse o perigo.


E para mais me espantar

observo que na curva da sorte

o resultado foi igual seguindo para Sul ou para Norte.


Assim, no umbral em que sempre me encontro

procuro apenas o Bem e não o Mal,

mas aceitando o Destino,

para que, da clemência dos deuses,

nasça certo entendimento

para a Dor sempre eterna no presente.




quinta-feira, 19 de julho de 2012

Em festa


e iluminados os veleiros no cais de Alfama

não sabem do fogo que alastra;

rir e cantar tão próximos são de chorar.


Mais perto, nas vielas, o Fado

castiga toda a traição

dos fadistas

à memória, à amizade, e à triste verdade

de uma letra de canção

que una coração com coração.




quarta-feira, 18 de julho de 2012

The moor


Terreno instável.

Passo a passo prossegues o caminho.

Admiro a tua perseverança,

caminheiro,

neste novo tempo em que os jovens envelhecem

tão cedo

por não crescerem.









terça-feira, 17 de julho de 2012

O escritor


Surpreende-me, ainda, quando alguém

clama para si o estatuto de escritor como representando

o ato de uma façanha superior. E, nestes momentos, recordo-me

do escritor. Aquele que em tempos tão idos eu conheci, sentado no

seu sofá da sala, e falando do ato da escrita com a ligeireza de quem

valoriza, antes de mais, o facto de Ser. E um conselho deixou cair,

a meio da conversa, é preciso trazer algo de novo... Por isso, quando

folheio alguns livros de autores novos, procuro sempre a confirmação daquela

ideia: o que trazem de novo? E soa frágil o elogio, quando não vislumbro

uma nova qualidade. E, ao invés, quando descubro no caráter

tibiezas de uma fragilidade humana mesquinha. Não é, assim, grande quem quer;

só é grande quem pode. Faça-se primeiro o homem e só depois o escritor.



segunda-feira, 16 de julho de 2012

Ao lado, o outro


Tocam à porta. Num instante abro,

mas não há ninguém. A carruagem do metro

acelera entre as estações e, no Marquês, entra

o cowboi americano. Desacerto no ringue- toque do

telemóvel, que se silencia antes de eu falar.

E em tudo isto reside o universo dos outros;

daqui é tão perto para o longe,

que a minha morada

parece como um ninho de cegonha

eternamente alpendurado

na firme, sólida, esperança

de que fique na lembrança.



domingo, 15 de julho de 2012

Despertares


Quando, a cada dia, no silêncio, a cidade

desperta, nasce sempre uma nova esperança;

pena é que tão breve não dure mais do que um segundo,

a ilusão da aurora no limiar do mundo.





quinta-feira, 12 de julho de 2012

Nas ruas


logo ao amanhecer, o empedrado da calçada

lisboeta brilha como se água escorresse

por sobre os passeios.

Homenagem justa

a todo o trabalho e a toda a obra é qual

fio de água

que escorre da canseira e do esforço

de qualquer arte, como a do calceteiro,

sem triunfo nem alvoroço.


quarta-feira, 11 de julho de 2012

No


Se desenhasse, desenharia de memória

as formas arredondadas que marcam todo o corpo

da terra a sul. Grácil e feminina, a planície estende-se

e alonga-se como se o movimento das pequenas elevações

do terreno serpenteasse pelo espaço até no limite do horizonte

tocar o azul do céu. Mas não. No. Este é um terreno rasteiro. Não existem

os picos da alta montanha da reclusão e da ascensão. Por isso,

regressa-se igual ao que se é, apenas o vislumbre

de um certo sentido de infinito

fica em nós ao pé.




segunda-feira, 9 de julho de 2012

Epicurismo


Há dias com uma especial energia -

sente-se e quase se toca de tão densa que é.

Não raro,

nos dias aziagos,

tudo corre mal.

E neste entendimento do temperamento

instável dos meses e das semanas

solta-se tão leve, hoje,

a palavra impronunciada

como se dizer fosse nada.



domingo, 8 de julho de 2012

Que magia


para parar o vento, neste momento,

posso eu fazer?

O vento traz o lamento

de me lembrar, de não me esquecer;

como numa página aberta

onde a palavra e o nome se descobre

vem este vento num desalento

meu pensamento

deixar mais pobre.







sábado, 7 de julho de 2012

Permanecer


igual na incomum multidão

de tanto ser diferente;

ou talvez o contrário, permanecer diferente

no deserto incomum de tanta gente igual.


Fio de prumo do olhar

encontra a verticalidade ténue da forma

na corola calcária

da flor do poeta

que outrora amei; mas, hoje, tanto é o tempo distante,

que pouco importa ser e não ser.

Tal é durar é permanecer.




sexta-feira, 6 de julho de 2012

Amanhece


Céu sereno.

Horas para gastar.

Talvez no Facebook o romance prossiga

alinhavado pelas imagens do mundo

e eu possa espreitar, na distância

de mim para o outro, a realidade.

Horas para gastar sempre

num precipício

sem sombras

cujo vazio é o vácuo inexistente.


Por isso, como Ulisses em Ogígia,

me interrogo, ambicionando os duros caminhos

dos mares, os naufrágios e as tormentas,

que me hão de levar,

na humana condição,

para lá da primavera e do verão.





quinta-feira, 5 de julho de 2012

Tátil


Lembrança, das linhas da tua palma da mão

num corte abrupto, nem sei porquê. Talvez porque «tátil»

é agora, na grafia, nova palavra e subtilmente me mostra no tempo

a descontinuidade. Talvez porque a partícula «novíssima»

não seja senão a vontade tátil de deus e eu perceba

finalmente que há nos outros um igual mistério

tão igual quanto o assombro de mim.


Por isso tatilmente percorro o tampo da mesa

e, sem surpresa, sinto nesta massa de cordas

as descontinuidades perfeitas

e insuspeitas.



quarta-feira, 4 de julho de 2012

Do lado da serra


É mais verde esta encosta.

É mais cinzento o céu

como se adivinhasse o cabo do mar.

Quase finisterra,

habito a Ocidente,

e, estranhamente, nesta solidão

da vizinhança com o oceano,

nasce absurda uma esperança

de não ser só somente.


Mas a esperança da gente é a esperança

de alcançar um novo reino e uma nova ordem,

um sonho enfim de que todos acordem.





terça-feira, 3 de julho de 2012

Coral


No fundo do mar, entre algas e rochedos,

a cor não sustém o segredo

de sereias e tritões.

Tais maravilhosos seres povoam

os mares

da imaginação

e, na praia, no areal,

quando, ao fim da tarde, as gaivotas vêm pousar,

entreabre-se o portal

e já não há bem nem há mal

apenas a simples Verdade da praia no final da tarde.



segunda-feira, 2 de julho de 2012

Chão


Sem chão é o mar

como um barco a navegar,

para de ilha em ilha, de continente em continente,

experimentar

cada solo que sustenta e tem

a maresia que não é de ninguém.


 

domingo, 1 de julho de 2012

A cada passo


a pegada é o vestígio que fica da passada.


Por isso, numa linha de areia,

o mar varre

cada marca impiedosamente.


Porque guardamos então, nós, as pegadas?,

como búzios e conchas

numa lata fechada,

longe da espuma desfeita

tão perfeita?