sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Se um mar a Sul


inexistente no pedaço de terra

onde nasci pudesse romper caminho

nessa autoestrada tão reta

e chegasse à minha porta aqui,

talvez que o final de agosto

tivesse outro gosto,

o gosto de uma Ilha Encantada

onde o Rei espera a alvorada

para o regresso

da Lei.


Mas assim, o vaticínio é contrafeito

e a espera longa se espera

tão só como quimera.



quarta-feira, 29 de agosto de 2012

The cloud


É a nuvem dos nossos pensamentos

alheia ao vento que a empurra

muito para lá da linha do Equador

sem sentir qualquer Dor.


E assim os tormentos serão passado

pois a nuvem está para além

para além de quem a sustém

que não vai a nenhum lado.


Só, sem emoção nem sentimento,

the cloud é a suma grandeza

da matéria de toda a  nossa estranheza.


terça-feira, 28 de agosto de 2012

Equilíbrio


Ponto de ajustamento

que só o Coração sabe pesar

qual balança onde a esperança

é o peso a contrabalançar.




segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Quem ousou?


Logo de madrugada finda,

oiço a entrevista, na rádio, ao navegador

que solitariamente percorre as milhas da costa,

mar territorial, mar português.


E penso como o balouçar nas ondas,

sem rochedos, nem senão além,

deve ser uma vitória

de valentia.


Tomara que no mar se erguesse esta casa

para testar nas ondas

a minha passagem

neste Cabo sem Adamastor.


 

domingo, 26 de agosto de 2012

Estar 


é saber estar; mas há sítios

que funcionam como ninhos de águia,

ousados e perfeitos, onde a Verdade é súbita

e enérgica. Diz-me a voz mais interna

para me sintonizar com a maravilha dos espaços

e deixar-me fluir

como um líquido que pelo gargalo

encha o recipiente.

Talvez, então, na noite,

a paisagem indiscreta se transforme

e entre a cidade e a aldeia

não fique senão um rasto

de luminosidade clara,

como se sem clarão

se avistasse de qualquer sítio

a mesma montanha;

aquela que  incita

todo o montanhista para além da desdita.




sábado, 25 de agosto de 2012

Para Sul


é o Oriente que eu procuro,

a Índia nova prometida,

o desvelo do mistério mais puro.


E, nas palavras da R., recordo a ação

tão só minha que, como a estrada que me

leva à aldeia, me pertence inteiramente,

sem um turbilhão de gente.


Sorte, desdita? Mas quem me incita?





sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Adivinhação


As amendoeiras floridas

na primavera são o lance da amêndoa

que há de ser.

Assim, esta carta fechada

me mostra o caminho na ampla estrada.

Será a flor da amendoeira

mais verdadeira

e mais exata

que a imperatriz

de Marselha,

que me aconselha?




quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Lentamente


o paquete, qual baleia que sulca

no oceano as águas do mar,

segue a sua rota,

caminhando para a distância ignota.


Mas quem vai a bordo desconhece

a terra firme e o chão do Bugio,

que emerge do rio e do mar,

como  farol a iluminar;

talvez eu um dia navegue também

mais para além deste cabeço de areia

e descubra no luxo de um paquete

as salvas de prata e os fios de diamante

que contentam quem se contenta.





quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Máscara grega


Impressivo o rosto que a face

esconde. Máscara

primeira, quando a palavra

silenciada, é mais ousada

e verdadeira, que a brisa

numa manhã inteira.




terça-feira, 21 de agosto de 2012

Eternidade


do mar absolutamente, se fosse...

E as avós para sempre

viveriam no paraíso das casas

como se o mundo todo espreitasse

pelas janelas

só para vê-las.


Mas há uma estrada que vai para o muito longe,

buraco negro,

vórtice de energia,

que os cientistas procuram;

por isso, a minha oração cabe nos dedos da mão

e são só palavras apenas

para agora dizer que  já é muito tarde.













domingo, 19 de agosto de 2012

Romance


se simples e verdadeiro,

tal como a chuva que cai,

não se perde e se transforma

na alma gentil do homem.


E por isso o vero caminho, e a vera

estrada também, é como uma ponte sobre

um rio - que ao meio não é de ninguém.




sábado, 18 de agosto de 2012

Temperança


Tanta Paz neste recanto,

tanta que escrever ou meditar

parece apenas tão natural

como degustar um bom vinho

na hora de iniciar o caminho.


Quem dera que sempre tranquila e serena

fosse a eterna morada desta vida

peregrina, acontecida

num talhão deste universo

no meio de tanto ser diverso.





 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Pressa


de amanhecer e descobrir as novidades

do dia.

Mas, afinal, tudo É igual

de há mil e um anos na vida.

E quem trabalha de sol a sol continua

a labuta como herdeiro

que não disputa

a sábia e serena meditação

de ter para com os outros compaixão.


Tragam-me uma utopia depressa!, ou se amanhecer

não me acordem!, ou deixem-me continuar no enleio!,

a brincar com este comboio de corda

como se não houvesse mais nada pelo meio.


quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Espelho d' água


À beira  Tejo, assoma a criança

feliz. Tanto por que brinca,

ninguém lho diz.


E se outrora reconquistada, a cidade

se reedificou, à beira Tejo, contudo,

para sempre ficou,

numa infância bonita,

que tanto se amou.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Do outro lado


Há mais silêncio, quando o silêncio

é inevitável e necessário.


Por isso, o MP3

tem gravadas as palavras

que atravessam esse limiar

na ousadia de diferir

o tempo,

como se agosto houvesse de janeiro

apenas a sombra da luz.


Folheiam-se, assim,

todas as páginas das conversas acabadas

para surpreender um novo fim

numa nova estrada.


Mas, na verdade, em tudo, só há silêncio e mais nada.






terça-feira, 14 de agosto de 2012

Inteligência artificial


O caminheiro fala-me sempre do que É futuro,

em cada uma das suas pausas da viagem de ser viajante.

Nesses momentos, o cântaro de barro

torna-se um artefacto quase religioso e as sinapses

movimentam as utopias

mais fantasiosas

já pensadas.


Possível o diálogo?, com uma máquina que aprende.

Não é de estranhar. Na contradança do mundo,

são infinitas

a inteligência, a criação e a linguagem.





segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Breve


o alto voo da ave

é a seta que percorre o céu

sem tumulto nem estranheza.

E, neste momento, neste verão, tudo,

para mim, é tão claro

como se viajasse, à noite, entre estrelas,

num boeing luminoso,

para atravessar sozinha o deserto do mundo

e encontrar, do outro lado do planeta,

a mesma ave silenciosa

presente no primeiro verso desta prosa.








domingo, 12 de agosto de 2012

Que importa


a viagem das horas - branco navio - ?,

se a trágica vertigem

da desgraça e da guerra

e da fome te consomem, companheiro

de morada distante.


Paraíso é a lembrança

(que trago) dos verdes campos e dos ribeiros

tão desertos de humanidade 

como se não houvera senão uma terra e um céu

e nunca um sexto dia.






 

sábado, 11 de agosto de 2012

Templo de Delfos


O que é uma tarde?,

quando em cada sete anos de vida

Saturno cumpre como mestre sua passagem.


Contudo, que importa!,

pode ou não o homem, na sua medida,

avançar no caminho da vida?



sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Mikado


O herói é aquele que balança.


Às vezes a condenação não é visível,

não há marcas no rosto nem nas mãos,

e o lastro da corrente

é como uma esfera dútil e quente

que rola, rola, irredutível.


Pudera agarrar esta esfera inquieta

qual ameaça que se aniquila

e sossegadamente caminhar para a meta

certo, o herói, de uma vitória tranquila.


Mas não! O balanço é tremendo

e só mão na mão com um deus

o mais frágil se elevará,

para além das alturas da má sorte,

como para vencer a morte.





quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Da cidade branca


e turística

para o mundo nunca partiram caravelas.

Ao invés, cada parede de alvenaria

conta uma história

de séculos

onde povos e tradições

se cruzaram: cristãos e mouros,

apátridas e arrivistas,

e a multidão de turistas

embalada pela procura do santo graal

oculto nos ossos da capela.


Mas eis que nauticamente me aproximo

da cidade branca

e como um tição que em mim arde

incendeiam- se as paredes

à espreita da descoberta da Índia

futura - aquela que há de ser

quando todas as tormentas foram navegadas

e no lustro dos anos

a serena sapiência como um molde de barro

me abrasar toda a tarde.


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Ciranda


Que bocado do passado

entrou furtivo pela minha janela aberta?

Os rostos das fotografias,

os rostos que jamais conheci,

estão todos nas histórias que esqueci

daquela infância

tão breve.


Mas é este o chão

de um outro tempo.


Chão que se levanta

como um dia que acorda

sem um suspiro na curva da estrada

apenas povoado dessas memórias inexistentes.


Onde era largado o chapéu?

Onde a sopa fervia?

Que silêncio ou que vozes habitavam

no coração da casa?


Hoje a única certeza de que existiu esse outro tempo

está presente no rebanho que regressa dos campos

quase ao anoitecer

qual sino que tange

as horas do adormecer.






terça-feira, 7 de agosto de 2012

Que tão longe


o mar e ao alto o céu e as estrelas.


Como aqui todas as distâncias são magníficas,

numa lonjura de grandeza perfeita

entre o claro do silêncio

abstrato na noite

e aquela cor difusa e diurna

que se sente na madrugada dentro.


E se agora estou escrevendo,

neste oceano galático e náutico,

agradeço ao caminheiro,

aquele da eterna estrada sem desvios,

que, depois que eu parta, caminhará ainda para além

de mim, para sempre esquecidos os meus sonhos.


Afinal, descubro,

o silêncio é tão exato e necessário

quanto o tamborilar dos dedos na corola de uma flor

liberta das  raízes na terra

barrenta e sôfrega

da multidão dos que admiram

uma beleza sofrida.