sábado, 29 de junho de 2013

À lareira


dizes tu, poeta, é agora o tempo

da recordação

das flores que colhíamos

no verdor dos anos.

E, sem ter mais desassossego

que não seja o da rememoração,

saibamos aguardar,

como, na natureza, qualquer estação

aguarda

pelo findar daquilo que são

as marcas universais para todos iguais.







sexta-feira, 28 de junho de 2013

Primeira noite


nascida do sossego que se compraz

em ver, nos outros,

a chama e a alegria ligeiras

que apenas são luzes passageiras.






terça-feira, 25 de junho de 2013

Incidência


fugaz da luz no armário branco lacado,

eternidade fugitiva

de quem procura na vida

que os objetos e as coisas

permaneçam

quando todos de nós se esqueçam.










segunda-feira, 24 de junho de 2013

Era num dia


como o de hoje - sempre -

que eu, sem querer, chegava tarde,

mas tu, com a douta paciência de avó,

sorrias apenas como feliz.


Bem sei que já não regressa o tempo

do reencontro, mas, nesta época de cerejas,

onde quer que hoje mesmo sejas,

recorda-te, ao menos,

um pouco de mim,

tal como eu sempre me lembro

o que, num dia como o de hoje, vivi.




sábado, 22 de junho de 2013

Ilusão


É na cidade que me movimento

como quem procura,

nos desníveis de cada sombra,

o seu ser mais profundo.

Por isso não há árvores nos meus sonhos

cinzelados, apenas fragmentos e bocados

de uma utopia imensa

em que se acredita quando não se pensa.



quinta-feira, 20 de junho de 2013

O sonhador


Quisera, irmão, que o sonho

emoldurasse o teu rosto

como um agosto, febril e sincero,

para que, nesse além do mar,

as vozes que se levantam

tivessem aquela força tanta

de nos levar a nós a lutar!,

como povo que já soube navegar.






quarta-feira, 19 de junho de 2013

Pérola


Penetra, na penumbra da casa,

uma tão exata tranquilidade,

que mais parece

que o caminho chegou ao fim.


Deve ser assim na morte,

uma serenidade

completa

de concha que protege o ser

como se fosse uma pérola singela

já pronta para renascer.





terça-feira, 18 de junho de 2013

Lição de vida


são as palavras sem rancor

que nos mostram aquilo que por nossos

olhos não vemos...

e não perecem,

porque não se esquecem...



segunda-feira, 17 de junho de 2013

Seize the day


O sol

caminha sem pressa de chegar

àquele cantinho

do mundo

onde só fica durante um segundo.


Tal é a tua caminhada,

companheiro,

jornada a jornada,

sem teres a certeza de nada.






domingo, 16 de junho de 2013

A raiz


de mim está em Petra...

catedral de um imenso rochedo,

silente e inamovível...


Esta é a memória e a história

de um finíssimo fio

de uma vida,

que, como outras, parece estar adormecida.








sábado, 15 de junho de 2013

Mapa mundo


Aborreci de correr as páginas dos atlas,

sempre tão exatas,

no rigoroso apuro das fronteiras.

Agora, antes prefiro

calcorrear toda a terra

para ver se em algum sítio nela se encerra

o modelo da compaixão

de olhar para o outro como um irmão.






sexta-feira, 14 de junho de 2013

Quando o amor


morrer inteiramente no meu peito,

ficará apenas uma fímbria

ténue de vida...

e a aurora, o canto e as flores

não serão senão

do universo

que uma tristeza passageira

de um peregrino

que carrega consigo o seu destino.







quinta-feira, 13 de junho de 2013

Travessuras


Amanhece

e, no entanto, a claridade

perfeita

não se derrama em luz pelos espíritos inquietos.

Talvez seja a sina,

uma menina pequenina e inconstante,

que retira a graça,

que é possível, a todo o instante.



quarta-feira, 12 de junho de 2013

Portal


São de vidro estas paredes

que nos aprisionam

tanto em tanto

que apetece quebrar todas elas

e rasgar enormes janelas.



terça-feira, 11 de junho de 2013

Céu cinzento



e o horizonte encerra na linha

que vejo da minha janela. Não são mais

do que umas centenas de metros

até ao cimo do declive

que, do outro lado, promete

toda uma rota;

mas, aqui sentada,

o mundo não vai para além

das palavras que agora escrevo,

mesmo que agora, através delas, conheça

o que amanhã já esqueça.


Por isso, saúdo os errantes e todos os caminhantes,

que se aventuram na estrada,

ainda que, em cada passada, do nada fique apenas nada.






segunda-feira, 10 de junho de 2013

Jacarandás


Quando é o tempo dos jacarandás

florirem, nas ruas da cidade,

parece que passou uma procissão

com andores

e que os anjos que vivem nos céus

espargem de violeta

estes caminhos tão longe de Deus.




domingo, 9 de junho de 2013

Como um navio


que partisse do imenso cais

das antiquíssimas naus,

sonho com a vastidão dos mundos...
.......................................................

Ó derradeira praia do Ocidente!,

és a testemunha primeira

da coragem e da força da raça,

mas também da nossa imensa desgraça.









sábado, 8 de junho de 2013

Regresso


Depois das estradas e caminhos,

regresso à tão estreita

vereda,

onde só andam os que procuram

(na vida)

a perfeita loucura.





sexta-feira, 7 de junho de 2013

Início


Em Lisboa choveu. O sol não apareceu.

E o movimento nas ruas era triste e apressado.

Mas sob os plátanos molhados,

dos dois pátios, onde nas manhãs habito,

havia um regozijo de tanta alegria,

nos rostos das ainda eternas crianças,

que a ventura e a confiança

se derramaram em mim.


E sempre como um Sísifo carregando a pedra,

cumpro mais uma etapa da vida,

ensinando a ciência

para uma desperta consciência.





quinta-feira, 6 de junho de 2013

Será?


Será que no juízo do tempo

este poema se libertará

do manto da presente história?,

e ficará um pouco mais na memória...


Será?, que as palavras escritas

serão apenas proscritas

mal acabe a estação do verão;

ou viverão elas?, como eternas

donzelas, nalgum coração.






quarta-feira, 5 de junho de 2013

Nalgum lugar


neste exato instante

em que a palavra se escoa,

há quem brinque num jardim

desconhecendo que para tudo

existe um fim

e, por isso, há uma alegria em mim.






terça-feira, 4 de junho de 2013

Manhã cedo


Aqui e além, canta uma ave

escondida por entre a folhagem jovem

da primavera,

talvez seja uma mensagem

sentida

duma andorinha

migradora

já que, no céu, o sol hoje doura.


 

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Viagem


Não sei já em que Norte,

cada penedo

é uma barca sem segredo

que leva o homem à descoberta

da  humana condição.


E, como um santo preso num andor,

o homem chama à sua dor

cruz da vida, escravidão.












domingo, 2 de junho de 2013

Mar ao fundo


no recanto mais manso do Martinho

da Arcada e nas mesas da esplanada

há quem olhe singularmente

para a gente

que, quando passa,

deixa no rasto da existência

um pouco, ínfimo, da sua essência.



sábado, 1 de junho de 2013

Branco gesto


Tranquilíssima estrada

deserta,

como és metáfora daquela vida

que só os fortes

conhecem

e todos os outros aborrecem.