31 de dezembro

E o deserto do mundo

iluminou-se por um instante,

no momento em que mais uma Criança

nasceu - simples promessa

de que a Vida não é feita de pressa...

Poema do adeus

Às vezes, do meio do céu denso

e nublado,

espreita um raio de luz,

que seduz as almas mais singelas

quando espreitam às janelas.


Mas, neste inverno, não há sol

que seja eterno

e o adeus à luz do dia

é o natural numa manhã fria.

Talvez...

Talvez que aqueles deuses

que constroem o destino das gentes

tenham um olhar mais claro e indulgente

face aos que cegamente caminham

e se compadeçam

das dores de quem

na sua mísera condição

implora apenas compaixão.

Movimento

Quisera a Paz,

mas uma tremenda desdita

foi mais forte

e não há como lutar contra a má sorte.

O espelho

Não há senão que ser inteiro

desde muito pequenino,

pois o rosto refletido no espelho

tem, na verdade, só a grandeza

do que for a tua natureza.

Culpa

Atira a primeira pedra

e condena

não tenhas pena,

pois no retorno da tua ação

verás a tua própria perdição.

Natal

Num dia igual,

foi dia de Natal,

e houve uma estrela no Céu,

encaminhando ignota gente

para um presépio

real e tangente.


Mas a Graça maior deste deus-menino

é lembrar-nos que a  Paz

é o verdadeiro destino.

Noite de Consoada

Logo à noite, à hora de recolherem

os pastores com os seus gados,

será o jantar da Consoada.


E talvez brilhe uma estrelinha no Céu

a aquecer os Corações

mais tristes,

se for verdade que Ele existe.

A longa espera

No cinzento do dia, regressa

aquela nostalgia

de um tempo sem opressão

em que as horas,

desde o fio da aurora,

eram tão exatas

que o prodígio do tempo

era vivido momento a momento.


Por isso, neste instante, sei que envelheço

um pouco mais

porque não vejo na vida senão os sinais

de que há apenas um cais.

Mais que Paz

Mais que Paz

é o que o meu coração sente,

quando, na voragem da solidão,

acontece que o triste e mesquinho caminho

é afinal apenas, como dos pássaros, o ninho.

É inverno

Aqueço a minha alma

no calor da lareira,

esperando

que um dia chegue a Paz

aos corações doloridos

que não encontram

na vida

um sentido.

Persistência

É mais forte a razão,

quando, num esforço, se repete

como Sísifo

o trabalho de mourejar

sem desfalecer nem praguejar.

Vertigem

Ter o tempo todo para mim

e tocar

a fímbria do eterno

pela tarde dentro

enquanto oiço o vento gélido

sob um céu sedento

chamar-me momento a momento.

Descrição de um lugar

O meu quintal lembra a meninice

e é uma planície

mais verde que o verde

saído da paleta dum poeta-pintor.


Por isso, quando me sento aí e descanso,

oiço o correr de um ribeiro manso

como quem esquece

que há um novo dia que amanhece.

Passageira

é sempre a Dor,

que, se não se quebra na vida,

se dissolve quando chega a morte.

Clamor

Árvores despidas

da roupagem do outono,

que aguardais pela renovação

do tempo,

dai-me um alento

na minha humana condição

que não voltará a ter um novo verão.

Passaporte

Nas imaginárias folhas de vinhático,

escrevo o teu ardente nome

para que, no além das fronteiras,

sejas, apenas, um viajante mais,

que cruzou o Oceano.

Vigília

Na espera, vigio cada sonho

para evitar que o voo

da verticalidade no espaço

me soerga

do anoitecer.

Antes prefiro ficar numa imobilidade chã

como se o cerro da noite fosse uma clara manhã.

De sombra

Eram inteiras as grades

do passado,

pátria minha!...

que acorrentavam

ao teu chão os penitentes...

Mas no hoje em que todos partem

ingloriamente

mergulhas só na sombra tristemente.

E nas grades levantadas

não há vitórias consagradas.