Nascida do ventre da noite silenciosa,
a aurora é como uma prosa
fluente e ritmada
e tão desejada
que parece ver-se um Mundo perfeito
ao raiar do dia
- e isso é poesia.
Nascida do ventre da noite silenciosa,
a aurora é como uma prosa
fluente e ritmada
e tão desejada
que parece ver-se um Mundo perfeito
ao raiar do dia
- e isso é poesia.
Minha Alma procura a Sul
a Verdade inteira
um canto de ave
um ribeiro manso
o Sol e a Lua
e alegra-se num contentamento suave
quando ao entardecer
tudo parece continuar a viver.
Colho do tempo, sem revolta,
o tempo que não volta,
quando, como na Pérsia antiga,
eu movo no tabuleiro ousadamente um peão
no movimento translúcido da minha mão.
Em dia de são joão, há muito tempo atrás,
eu atravessava o tejo para Te abraçar
e era doce e manso sempre esse dia
puro recanto de harmonia.
Neste cais de almas sem esperança,
como uma barca balança
o correr da longa vida
e triste, sonha a meu lado,
o pierrot mal amado
que sem estrela nem luz
nem quietação
fantasia uma ovação.
Criança ainda devo ter acreditado
num Mundo sublime e perfeito
tal qual era a inteireza que eu sentia
dentro do meu peito
quando sem haver solidão
brincava com bonecas de cartão
mas tempo foi que tanto passou
que agora onde eu estou
vejo um Mundo triste e insano
e eu já sem bonecas de pano.
Na imensidão da noite, luz a madrugada
no canto daquele pássaro do paraíso
e, então, perco-me do tempo
e regresso aos verdes anos
dos enganos e das quimeras
dos desassossegos e das longas esperas
para ser o que hoje eu sou
sabendo para onde vou.
Gratidão ao Fado,
se pisei em dores tanto do caminho,
antes desta chuva límpida
acontecer
e me dar de beber.
Sob este céu cinzento de primavera,
caminho constante
porque sei
que virá o claro dia
de viver ousadamente
e sem grilhão
por entre a multidão.
Nos muros de Cnossos,
procurei a chama ardente da vida,
mas de Mim foragido, não pude achar,
a luz que incendeia aquele lugar.
Espero pelo dia verdadeiro,
o primeiro,
em que a humanidade,
longe da sombra e da ruína,
seja uma Criança pequenina.
Chove lírio roxo a flor do jacarandá
e a Mim me esquece
que até o amanhecer finda
tal como a vida se esvai
em silêncio, sem ai.
Pela janela entrou o Sonho de seres
de um destino de gentes
diferentes
e, nesse seres múltiplo e igual,
manhã e noite consentida,
criaste um sentido para a vida.
Augusta a sombra
parece um rendilhado de croché
nos ramos que se entrecruzam no chão
- e percebo, então, que nada é em vão.
A cercania do vento
despenteia os meus cabelos
e nas árvores há o baloiçar dos ramos
este é, pátria, o tempo da desdita
em que, sem glória nem conquista,
o torvelinho apenas contém
pedaços soltos de um Além.
É gentil este quebrar de onda
na areia da praia
leve inquietação passageira
que aviva neste instante o pensamento
de que é incerto
o oceano decerto.
Planta uma semente
e nessa límpida tessitura de raízes
brota uma árvore florida
em uma outra manhã da vida.
Novamente o Sol
- a iluminar os meus Caminhos -
entardece no beiral
e eu suspeito que no brilho e, na luz
tão desejada,
se acrescenta
o que o Mundo movimenta.
E a Ave voou
para tão perto de Mim...
e, então, num raro instante
de Beleza singela,
pareceu-me haver uma Perfeição
no Mundo
em que sem fome, nem guerra nem exploração
é possível fazer-se uma canção...
À margem do poema, um rio
de palavras corre
e, nessa outra tessitura,
outro poema se desenha
mais real, e sem nevoeiro,
porque é todo e só pensamento
perfeito a cada momento.
Distante o casario branco
lá no Sul
aguarda a Hora
do regresso do Poeta foragido
que triste, e só, e perdido,
junta letras e sons e vogais
imaginando roseirais.
Eu canto a Liberdade
em toda a primavera florida
como um canto de vida -
e nesse canto existe o espanto
sublime e tão natural
de haver o bem e o mal.
É noite ainda.
Nunca deixa de ser noite,
quando o Sonho que habita em mim
parece não ter um fim.
E ainda que os pássaros cantem
pela madrugada adentro
abro a janela e só vejo a escuridão
e, nela, o meu Sonho, o meu Coração.
A Criança em Mim
eternamente procura
aquele castelo da ventura,
onde vivem para sempre felizes
o príncipe, a princesa e a fada encantada,
sem que o cansaço da jornada
tolha a alegria verdadeira
de toda a comoção que é sentida
e no coração vivida.