O cimo da árvore, de tanto sonhar o céu,
é já só sombra de nuvem muito branca,
agora a escorrer pelos ramos
como uma neblina num tesouro
à procura de um reflexo de ouro.
O cimo da árvore, de tanto sonhar o céu,
é já só sombra de nuvem muito branca,
agora a escorrer pelos ramos
como uma neblina num tesouro
à procura de um reflexo de ouro.
Como uma fonte que me dá de beber
é este silêncio na alma
no silêncio de uma tarde calma.
Neste chão onde permaneço,
em árvore, arbusto e flor,
não há memória de um começo
sem o rasgo de um fulgor
por isso, na alvorada deste amanhecer
a natureza em Mim,
árvore, arbusto, flor,
teve, num breve instante, o seu verdor.
Em toda a alma que é de paz
vivifica um encantamento,
sereno, tranquilo,
na voragem do tempo.
Foram de mar as searas
que antes de Mim cada homem ceifou -
e eu, poeta de uma só lembrança,
sou de vento, de chuva, e de sol
nesse amuleto de esperança
que é o sorriso de uma só Criança.
À beira do caminho, o Poeta
pousa as Palavras
nesse chão de terra e de pedra
para que floresça um verso
nesse húmus do Ser
que não se rende nem esgota
nem é uma simples coisa morta.
Sob um céu sempre azul,
navegaste dos mares os caminhos
e nada de Ti se perdeu nem esqueceu
nem foi hora de desdita
nem de desconsolo também
neste rumo incerto que a vida tem.
E cada colina é um mar
e cada mar uma galáxia do universo -
e cada passo corrido
conduz ao destino merecido.
À sombra desta árvore secular
permaneço -
e no bem que o jardim tem
apenas o meu Sonho segue para Além.
Trilho de pedra no meu Coração -
caminho das horas benditas
em que tu, Coração, acreditas.
O sol rente ao cimo da encosta -
silvo de luz ao longe no horizonte
evoca em Mim a sede de água de uma fonte.
Depõe as armas, o tempo é de paz -
é até pecado ter as armas em riste
quando um bem existe.
Tudo limpo no meu pensamento -
qual planície campo aberto
em que desperto.
Espelho deste meu entardecer,
em mansidão,
do lago, simples e perfeito,
são as águas que guardo no peito.
Ao acender das luzes,
vejo na noite simples mistério
um lusco fusco da multidão
ainda mais solitária e vazia
do que uma alma que se esfria.
Ao meu redor, branco e luzente,
o interior da casa
perfaz o sonho de um Caminho
de terra e de saudade
como se, sem idade,
eternamente eu procurasse
e não achasse.
Sem sombra, num claro assomo
de Esperança,
cotejo livros na lembrança
e procuro a Palavra primeira
única e verdadeira.