Rigoroso o mapa do Céu
no meu desvelo dos dias e das horas
mostra-me que mais um ano chegou ao fim
e tarda porque deve tardar
uma tarde límpida à beira do Mar.
Rigoroso o mapa do Céu
no meu desvelo dos dias e das horas
mostra-me que mais um ano chegou ao fim
e tarda porque deve tardar
uma tarde límpida à beira do Mar.
Parece,
homem,
que te esqueces
que estrepidam as estrelas do céu,
e que no breu da noite há a Verdade,
quando se lembra a mocidade.
Saio de casa no crepúsculo da luz
e deixo que os meus passos
me guiem
na Tua direção
ó Noite no meu Coração.
Entre Mim e o mundo há o horizonte.
Eu estou do lado de cá e o mundo do lado de lá.
E ainda que me mova, será sempre assim.
Tenho o horizonte ao redor de Mim.
Por isso, sem revolta,
nem amargura pois que dura,
sou uma ave na planura.
Nas águas do rio, miro o meu rosto
e vejo-o passar
na correnteza para o Mar.
Esta brisa que sopra devagar
e este amanhecer
são o universo
do Sonho que persigo
ter o teto do Céu por abrigo.
Nasceu um menino deus
num dia
de eterna graça
e aqui passou porque tudo passa
a alegria de uma infância
com mãe e pai e avós
como qualquer um de nós.
À noitinha, por esses caminhos e estradas
vão raiar as madrugadas
e os esplêndidos alvoreceres
nascerão em todos os seres.
É quimera talvez,
mas sonho-Te como na primeira vez.
Mansa Musa, me desperta
agora que a Luz venceu
e a Terra toda completa
vive a promessa deste céu.
E o inverno chega enfim
tão perto tão perto de Mim.
Caminhei
e apenas encontrei
a pérola do brinco perdida
quando no face a face do meu rosto no espelho
vi numa nudez
a essa pérola como pela primeira vez.
Trouxesse eu enxutas as mágoas dos dias
e seria este lugar
outro e sempre igual
um mundo ideal
mas, porém,
falta ainda algo que está Além.
Esta passada me alegra e me entristece
na lentidão
do movimento.
É um dentro cá fora
onde a solidão mora.
Uma vela acesa na escuridão da casa
ilumina
e até parece aquecer
por dentro o nosso Ser
agora imagina mil velas que iluminam
no firmamento o breu
e cada passo que os homens dão
na sua humana condição.
As memórias são histórias
que contamos baixinho ao Coração,
quando se acredita que o passado nos fita
e que em nós vive também
um tempo de um outro alguém.
Antes que anoiteça deveras
e esta parte do mundo mergulhe nas trevas,
deixa-me dizer-Te um verso simples -
aquilo que se colhe em botão
é da largueza duma imensidão.
E a noite chegou.
E a escuridão avançou.
Demoram os deuses o seu perdão
ao homem humilde,
que moureja
e é bem que seja assim
também um beijo só se dá no fim.
Desenho a carvão a cidade no meu caderno
e, assim, negra e brilhante
parece um postal
de Natal.
Terá sido um sonho talvez
mas uma obra que um homem fez
é apenas uma peça num jogo de xadrez.
Um sonho passa devagar pela noite
como que iluminando de sol essa escuridão
que precisa tanto de luz
quanto a Terra
onde atroam os mísseis da guerra.
A florista tem ramos de azevinho
espalhados à porta da loja
e quem passa sorri
e demora o passo mais devagar
como se esse pedaço de rua fosse o seu lar.
Por caminhos andei perdido,
tanto de espanto,
e tanta a hora,
era sina de outrora.
Perecível, a Flor ensombrece no jardim
e aguarda
pelo Silêncio absoluto que tarda.
E nada mais importa senão que uma Flor é coisa morta
mesmo que na Beleza dela
viva para Sempre a cor mais bela.
A régua de medir as alturas
é curta
e não chega da terra ao céu
é precisa outra ciência
irmã mulher amada
nesta vida amargurada
O verso em letra impressa aguarda por Mim
numa página branca e pura
como se sozinho
ele ensinasse o caminho.
Antes que o tempo fosse tempo,
só havia eternidade
e o movimento da lua pelo sol iluminada
era uma pura jornada
de uma dança sempre bailada.
Fecho a porta e deixo o burburinho do mundo
lá fora,
é, então, que se faz um grande Silêncio no meu Coração,
não de coisa morta,
mas, sim,
de uma união que exorta.
Subitamente,
o espanto
da metamorfose do ser -
é borboleta o bicho da seda -
na caixa de cartão,
e é essa a grandeza da solidão.
Pregas o botão no casaco,
com uma linha preta de cor,
e a agulha corre ligeira à tua maneira.
Mas aonde paira o teu pensamento,
que voltas e voltas como onda do mar,
aonde vais buscar
a mestria do laborar.
Na sombra dos deuses de bronze, nos criaram
e somos hoje viajantes sem destino
procurando um deus pequenino.
O tempo que passa não volta
ao meu regaço
bem sei - esta é a lei.
E se até a pedra da montanha
se quebra e se parte
assim também é na arte.
Um arco-íris fugaz iluminou o céu
e me lembrou
o lugar onde estou.
Aqui - entre memórias e esperança -
entre um mar bonançoso e a verdade -
nunca é tarde.
Um castelo de areia é do ofício
de quem constrói
na efemeridade
um instante de verdade.
A Palavra parece esquecida
mas no retorno
da vida
Ela aparece e vem
como se fosse um sopro do Além
Aqui, no turbilhão dos pensamentos,
sou por um instante feliz.
Sei que a escada por onde subimos
também se desce
e que até quando se esquece
a memória volta a prevalecer.
E em tudo como em nada
neste viver
só a esperança não pode morrer.
Acredito na palavra verdadeira,
como estas árvores, nua
e esta é a minha lembrança tua.
Sei que serás o obreiro da Paz,
neste longo entardecer
do mundo.
E que da noite virás
sendo o meu Sonho profundo.
E na 'sperança do teu Ser
minha Alma de dores despida
é uma chama nesta vida.
Pouso a mão sobre a mesa
e deixo que nessa lassidão de abandono
o presente seja aquele agora
em que o instante se demora.
Quando escurece, os prédios iluminam-se devagar,
são pequeníssimas estrelas
em cada esquina
como no céu de Além
de onde toda a Luz vem.
E eu, entre estas duas paisagens
emparedado, em silêncio me mortifico
por a luz do meu Ser não ser.
As flores que colhi
esmoreceram
na jarra de vidro antigo.
Pu-las num papelão
e atei-as
- talvez que presas assim
me lembrem que tudo tem um fim.
Dir-me-ás que é sempre
este clamor
como uma pedra de calçada
irmanada no passeio
ou como uma rosa num roseiral
tão diferente e tão igual
À hora da tardinha, por um pouco
eu pensei nas aves
que cruzam os céus
voando livremente.
Mas e o homem, que forças o domam
para não perceber
que sem Sonho se pode morrer.
Passo a passo, sem segredos,
pela vida caminho agora
e o chão que piso
e o hemisfério em que estou
são a linha por onde vou.
Todo o dia o céu foi de névoa fria
e eu meditei
na Palavra e na Lei
talvez meditando eu consiga
ver um mundo justo
e sem mal
e que isso seja real
Regresso como quem viajou
até àquela praia
na outra margem do mundo
sabendo e sendo uma ave vivendo
De mãos dadas, corremos o mundo
e é bela a descoberta
vozes cores
e a flor da Paz
numa miragem fugaz.
Neste bosque de faias, não há senão o outono
que me desperta deste sono,
quando as folhas inquietas das árvores mais esguias
tombam ao vento nas tardes frias.
Como argonauta que regressa à pátria
assim eu regresso
do amplo universo
e atravesso a planície infinda da memória
e é essa a minha vitória
Qual é o nome deste pássaro
que da minha janela
eu vejo
e que também de voar me dá desejo
Que te leve o silêncio,
na hora em que pensando passas
de uma margem para outra margem na vida -
e nesse silêncio tu terás a quietação verdadeira
e a hora será a primeira.
Parei de mirar a chuva
e retomei
a leitura deste livro fatal
que é a vida
e que não tem igual.
É agora que a hora se demora
num capricho
de borboleta inquieta
que volteia e torna a voltear
em redor de uma luz
tempo, que instante a instante, seduz.
Descubro a passada do Caminhante,
na terra lisa e negra do asfalto
e entonteço
pois cada recomeço é um sobressalto
e a cidade cresce para o alto.
Trago da infância a memória breve
de um rio, ou talvez,
de um ribeiro,
que eu sentado vejo a correr
como quem olha para o seu próprio ser.
A colheita não é perdida.
E dessa bruma de espanto que esconde
o meu Coração,
Tu virás em esplendor
a seres o Salvador.
É uma pedra e eu digo pedra,
mas, se houver um sol
agigantado na vidraça,
eu digo alegria
ainda que a manhã esteja fria.
Ao arrepio do pensamento
no lado de dentro
é que minha Alma amanhece
e tudo esquece
até o pranto
de quem não tem um manto.
É preciso abrir as janelas da casa,
quando o vento
empurra a chuva para cá
e, neste chão molhado, reflete-se a minha lágrima
no rosto escorrendo
por esse Sonho que pudera ser
o Mundo em paz viver.
Às vezes, na escuridão de um dia,
uma luz nascida do pensamento
doira o momento.
Regresso à paisagem da encosta,
uma e outra vez, sempre,
sem cansaço,
e me espanto que este laço perdure,
como se, em milénios de uma existência,
aqui, sempre aqui,
nasci e morri.
Aonde, no teu Coração, é o lugar
do silêncio mais profundo
o Silêncio
de uma prece
que ao homem esquece.
Ouve o canto e a história,
contada pela memória
de um mestre
que os ventos amansou
e que disse «eu sou o que sou».
Chega o sono
como chega a Mim
o aroma das flores no jardim
e, nesta pacificação da noite aqui,
parece que já tudo vivi.
Adentro-me no nevoeiro
como quem procura um caminho desconhecido
para ele me levar
a um lugar à beira do Mar.
Não dances que dançar cansa
nem rias
nem te alegres
que um dia a tristeza vem
do mais fundo de um Além.
Só em Sonho é firme a distância
entre o homem e a sua infância,
pois pudera não ser assim,
mas a Saudade está dentro de Mim.
Caminho por entre a multidão
como se caminhasse numa rua deserta
e paro e reparo
em Ti
Tu és a multidão que sempre pressenti.
Por esses cantos do mundo, procuro
o teu rosto
límpido e suave
e amanhecido
como um sonho que tivesse sido.
Um dia serás pó no canteiro das flores
que também elas murcham
e morrem
como se do infinito de cada hora do viver
nada pudesse permanecer.
Desenho o contorno de cada verso
como se num veludo
eu guardasse a palavra e o som
num único tom.
Choveu. E eu
na minha prece conversei conTigo,
deus das pequenas coisas,
como se tornasse a enfiar cada pérola
no fio do colar que se rompeu,
e no mundo tudo fosse Teu.
Estende as asas para voar
a ave
e no Céu onde habita
a guarda dos anjos a fita.
Abro os olhos ao amanhecer
para a momentânea
saudade
de ser mentira esta verdade -
injustiça morte guerra
é um cenário da terra.
Neste soalho de madeira de acácia,
é que eu firmo os meus pés
e verticalmente, sonhando um céu,
ergo-me à altura da linha do horizonte,
para descobrir
o que só eu posso sentir.
Correm estes dias de outubro
como uma água
que se colhe numa fonte
e que dá de beber
à sequidão do nosso ser.
Fecho os olhos
e não os quero voltar a abrir
até sentir
que na morada do homem
também os deuses dormem.
Se trepares o cinzento da sombra,
num dia claro,
chegarás ao cume de ti
e desse alto não serás visto pelo mundo
nem nenhuma multidão te celebrará
porque o teu ser estará onde ninguém está.
De onde vem a música que desperta
na minha alma os sentidos,
será brisa,
será a pausa entre as notas,
o silêncio daquelas ilhas remotas.
Olho a chávena pousada em cima da mesa
e penso que se caísse
e se partisse
talvez eu nada sentisse.
O sinal que crescemos
é quando a nossa altura não se mede por metros,
mas pela geometria simples de uma ocupação,
nascida no Coração.
Memória justa de ter sido
talvez um sopro
na firmeza do teu rosto.
Era um mote decerto.
Era um poema completo,
mas ninguém o leu ou consigo o levou,
e a corrente do tempo o apagou.
Pedinte, como Poeta que pede às Musas
a graça da inspiração,
peço aos deuses do jugo a libertação
desse caminho
onde vagueia um homem sozinho.
Pensar as raízes da árvore,
como quem pensa
e medita,
e desditoso não vê
de tudo descrê.
Acordo na noite e o Sonho não tem pressa
e permanece até que se esquece
do que o sonhar queira dizer
talvez ante sopro de um prazer.
Na minha morada, tenho tudo o que é eterno,
a alvorada, e o entardecer do dia,
que ao Coração confia,
no gesto e na cor,
que na vida não há temor.
O ir e vir das coisas,
como nas entrelinhas um outro texto,
repousa no movimento
de quem se conhece por dentro.
Quando o dia chega ao fim,
há em Mim,
um ancoramento de navio,
como, se tendo navegado em águas revoltas,
não houvesse senão o fito
de ver o infinito.
É na casa que as estrelas querem morar
e a luz delas à noitinha,
nítida e nua,
parece-me tão natural,
como em sonho um pensamento
que dura por um momento.
Os petizes vivem a eternidade em cada dia,
um pião e um cordel,
um avião,
e as cartas de jogar
fazem a magia - e eu, neste jardim junto ao mar,
aos poentes vou buscar
a perfeita liberdade
num tempo sem idade.
Sem distância nem o longe nem o perto
aqui neste agora tudo é
e até parece uma promessa cumprida
a urze o leite e o mel
escorrem por milagre dum papel
É igual cada dia que nasce diferente,
pois no coração dos sentidos
o que se vê
é apenas o que se crê.
Deixei as letras à solta por entre as ondas do Mar
e as palavras com cheiro a maresia
em emoção eclodiram
e talvez, uma primeira vez,
um verso se desfez.
Esta é a palavra mais certa,
a palavra completa,
que inteira,
perfeitamente anuncia
um pregão
a palavra ilusão.
Realidade e sombra da realidade
na vida a metade
e neste viver genial
não há dor nem nenhum mal.
É a esperança perdida,
quando se colhe um fruto belo
pois é passageiro todo o momento
em que eu trinco esse pedaço
e não fica nenhum laço.
Pela fresta da janela, a brisa é uma música de sopro
que me sustém
e a brisa não é de ninguém.
Também assim é um verso incompleto,
como um sopro levantado,
que se espalha por todo o lado.
É de malvas este jardim
e de sonhos
inquietos, quando estamos despertos -
mas o ver uma pequena criança brincando
que parece o mar respirando
enleva e demora
o meu pequeno olhar nesta hora.
Toda a manhã dum céu cinzento escuro
caiu uma chuva miúda
como se saudasse o caminho e a hora
em que a gente chora.
Brilha o sol neste pensamento de esperança,
se do tempo em rigor eu sei,
que justa é a lei.
Quem dera fosse primavera
e um sopro desse além
aqui estivesse à espera
como se esperasse por alguém.
Escorre pelas páginas do livro
o negro dos caracteres
e nesse charco de negritude
é que o Poeta adivinha
a Dor que é tua e minha.
Entre um e outro pensamento,
há um espaço
que teima em não pensar
e, sem memória,
aí vivo infinitamente em glória.
Sentado sobre o rochedo, procuro
na linha do horizonte
um vislumbre do amanhã
navio que do outro lado do mundo partiu
e que, a chegar, ainda ninguém viu.
A eternidade passa e o que fica
é este instante imorredoiro
também no sono à noite há oiro
por um momento experimentas a morte
e acordas mais forte.
O canto do pássaro atravessa as paredes deste quarto,
onde só o sonho habita,
e o meu olhar esse canto fita.
Não acaba o dia sem que a neblina
se cole à vidraça
e baça
não deixe florescer
o pôr do sol no meu ser.
Que festa é esta,
que o meu espírito sente e fita,
agora que cada bocado de um caderno desconjuntado
rima e verseja
sem que Hipocrene o veja.
Sopro de cristal sobre a encosta,
e gélido e frio
o ar
dos desencontros nas mesas dos cafés
onde há um instante
puro e singular
na quietação dum verão
eu te confiei a minha mão.
Serão mil os sóis no universo galáctico,
que infinitamente luzem,
mas o meu Sol, nesta minha fronteira,
tem a Beleza primeira.
E assim é também com tudo o que está perto de nós
que nos lembra que não estamos sós.
Da ave, branca e pura,
que habita o Coração de Mim,
te direi - que onde está agora não sei.
A pequena casa branca para sempre perdida
é um sinal da própria vida,
que esquece, quando entardece,
o tempo do amanhecer,
assim também no nosso ser.
Entre o não ser e o ser,
há uma avenida de áleas floridas que se abre
num único momento
que nasce dentro.
O tanger dos sinos e o tempo a passar
remotamente,
roçam este instante
como se uma multidão numa estrada
caminhasse para nada.
Percorro a praia sem fim
que há no interior de Mim,
e até parece que sem nunca acabar
é neste areal que eu vou sempre estar.
É mágico o clarão na noite,
quando se desdobra a lua no chão do quarto,
e eu penso flutuar
como navio nas ondas do mar profundo
que navega para um outro mundo.
Um verso é uma âncora no chão deste mar
onde encontro os corais e as medusas
e onde habitam as musas
que são como as gentes, alegres e descontentes,
alegres e tristes,
e que no tempo ao passar
só nelas tu, poema, existes.
Quando busquei uma fonte,
foi no cume do horizonte que achei de beber
uma água pura e cristalina
e, no instante de agora, não tardarei em voltar
a esse cume na encosta
a esse tanto de que a minha alma gosta.
Leio no movimento dos ramos das árvores
pelo vento batidas
que é sempre incerta a hora
se o sol se vai embora
Há sulcos na terra ressequida
que lembram que por ali já um regato correu
também assim a memória,
terra ondulante,
conserva o que é distante.
É bem difícil sim
sair do lugar de mim
e escarpar a pique a montanha
de uma natureza estranha.
Respiro-me e é uma brisa suave
que de mim de dentro vem
Sonho de Ave
que o tempo lave
no coração de alguém.
Os papagaios em folhas brancas de papel
são na imaginação
gaivotas de muitas cores
e quando eu olho apressado e vejo o papel no ar
sinto cá dentro do peito que também eu sei voar
Pinto um Sol na palma da mão
e deixo que essa Luz
toda e imensa
percorra cada palavra que jorra inteira
nesta vida verdadeira.
Árvore que morres de pé,
na tua sombra,
colho e desfaço
as pegadas dos meus passos
e sem rasto de lonjura,
sempre ao redor de ti,
da tua sombra vivi.
Não sei se por esta estrada
de terra e de pó
nela caminho eu só
ou se outros por ela vão
como eu procurando a imensidão
a cada passo que dão
Ao longe, a nesga do mar
faz-me Sonhar
com essa terra distante
onde, sem nunca entardecer,
numa exata eternidade,
está o meu Ser de verdade.
Na tua janela, Filho,
nasce a estrela
da manhã
e tanto de céu na triste terra
me enleva -
e por isso colho também eu
da sina que deus me deu
um prazer que é teu.
Será o que os deuses nos destinam
a sua Consciência
e é isso em nós a essência.
Tanto o espaço. Tanto o espaço.
Voa a ave na imensidão
da luz tanto
que desce sobre estes meus olhos que veem
uma névoa de bondade
de também voar sem idade.
O assombro de ouvir o vento soprando
no silêncio da casa
onde os passos do meu pensamento
ecoam longinquamente
puros e de cristal
sem mal.
O fio de linha de bordar é da cor amarela
como o sol
e como num campo de trigo
no pano cru
onde o homem joeira a sua penitência
a agulha colhe a suma ciência.
Esta é a brisa
que os campos lavra
e semeia
e pode ser que dela nasça o pão
que alimenta o coração.
É uma onda que se desfaz acolá
e na espuma na areia
é por onde o meu pensamento coleia
vagueando pelas coisas do mundo
como as conchas e os búzios e as pedras do mar
pérolas verdadeiras ainda por encontrar.
Os passos que dou
me levam aonde eu sou
peregrino que resiste
na mesma morada
esperando cada alvorada.
Mistério, para além da linha do horizonte,
haverá uma fonte
e um ribeiro a correr
que nos deem de beber.
Parece que se esquece,
mas a minha Alma amanhece,
quando um profundo silêncio indizível
feito de contentamento
me desperta por um momento.
Floriu a orquídea
e os passos mais inteiros
desenharam mundos verdadeiros.
Na solidão da mente,
os pensamentos são imensidão -
rio que corre com pressa
nesta vida diversa.
Nada é demais,
se for aquela Luz que a alma encanta,
e se for o Sonho de uma criança
guardado numa concha húmida de mar
ainda por encontrar.
Peregrinos do mundo,
que por aqui vindes e passais,
sede em Alegria nesta hora,
em que, estrela no céu,
a lua ilumina na escuridão
e tem o sol como irmão.
Na vastidão sem abrigo,
campo grande,
há um regato que dá de beber
e por aí passei
procurando na memória do tempo
o paraíso da graça
de quem pela vida passa.
Havia girassóis dentro de ti
quando brincavas simples
uma caixa de cartão era um avião
e uma boneca de papelão era uma princesinha
e eras como uma avezinha
nessa vida sozinha
À beira da estrada, colho urzes e giestas
e deixo que estas arestas
com que cismo
se suavizem nestas flores
num ramo de muitas cores.
Trouxe de tanto pisar a terra
um jeito singular -
ir e vir e sonhar.
Atravessa o meu sonho
este jeito real
de me esquecer
desta dor do viver
e recomeço assim
no encontro de Mim
Que silêncio no mar é agora,
nesta hora,
instante de meditação,
pura e breve oração,
tecida no coração.
Nessas horas leves da madrugada,
é que as minhas mãos vazias sonham com nada
pois nada é real
neste mundo desigual.
A praia tinha búzios e rochedos
e dourava o sol a areia
e era isto a minha teia.
Vestiu-se de asas
e esperou esperou esperou
que um verso trouxesse
cândido e puro
na noite e na escuridão
uma outra imensidão
Sê como a brisa suave
ou como o voo de uma ave.
Procuro a palavra inicial
como quem pisa um chão de uvas maduras
e extraio um pensamento puro,
em botão,
que só florirá
no peito de quem virá.
A paisagem dos prédios faz-me pensar
que neste lugar não há tempo para amar
uma flor como Aquela
que eu tenho junto à janela.
O rosto envelhece,
mas a Alma permanece
no centro de nós
múltipla, serena, alerta
como um sol que nos desperta.
Sento-me no banco de pedra dum jardim
que só existe dentro de Mim
e observo a Criança a brincar
com o meu Coração
que tão pequeno lhe cabe na mão.
À tardinha, brilham as folhas da árvore
enquanto se aguarda
pelas estrelas e a lua e o sono
é um mágico abandono.
Olho as vitrines
e nelas apenas me vejo a Mim
qual objeto
que não está longe nem perto.
No longe, um mar de sal e tão perto de Mim
essa maresia
na manhã que é fria.
É essa a realidade das coisas que de longe e de perto
desperta o meu Ser
e não o deixa adormecer.
Passa um pensamento e vem outro também
no torvelinho que a vida tem
e a Ideia sem mal
que nos visite a cada instante
tem uma natureza tal que se move confiante.
Em cada lugar, estou
e sou
uma ausência de Mim que voou.
Ainda que no teu caminhar resvales
por um terrível precipício,
não temas,
pois é infinito o Amor
acima de toda a dor.
O sonho da noite extingue-se
agora que é o amanhecer
e o dia nos dá o viver
da escravidão, da fome, da guerra
do passo a passo do corpo na Terra.
Rasgo a folha onde escrevo com ligeireza
que apenas eu sou
um sino distante que um dia soou.
É da natureza dos dias serem sombrios às vezes,
e a palavra ser um eco longínquo
e sem valor
que desdenha, musa, o teu alvor.
Há nos campos estrelas e nos céus flores,
que eu vejo na fantasia,
quando me sento a olhar e o tempo não quer passar.
É assim no caminho também,
uma estrada para Além.
Harmonioso é o pensamento cá dentro,
quando, por entre as páginas do livro da vida,
uma flor é esquecida,
mas não perdida.
Entre a luz e a sombra,
e entre o ruído e um café,
fico de vigia, olhando o horizonte
onde há barcos e marinheiros
e onde os adeuses são derradeiros.
No meu Coração o vento
é nortada
que só se apazigua
quando a Alma fica nua.
Quando a noite vier trazer-te o descanso,
confia-te ao sono
e deixa que nesse abandono
teu Ser vença a morte
como se fosses um herói forte.
Tão de ver somente a quietude das horas
me evadi e parece que senti
desde um outro tempo e lugar
a mesma imensidão chegar
partir e voltar.
A floresta escapa-se da minha fantasia
e as árvores são azuis e reais,
quando as abraço, procurando na seiva da sua vida,
a memória esquecida
de um Amor
como quem encontra um esplendor.
Uma ave pousa num ramo, outra voa
e tudo está certo
no poema
cujo rosto tem do mar o sal
e o olhar é universal.
Ninguém viu, senão um deus,
a muralha levantada
entre o poeta e a multidão
e até parece que na imensidão
Todos aqui estão.
Desejo de habitar, largo e profundo,
o Mundo,
onde o chão é de terra
e o teto, ondulado,
cobre-me por todo o lado.
Não há regresso.
Não é possível parar no tempo
para colher as papoilas vermelhas do ramalhete da vida.
E eis que me lembra o dia de São João
a Tua e a Minha solidão.
Há um arraial longe e tão perto
que arrisco a dizer
que enquanto num só homem houver Alegria
reina por mil anos cada dia.
É um tempo mais silencioso agora,
tempo larvar,
tempo de espera,
tempo da imensidão da hora,
em que o Ser se demora.
Agora que os dias começam a diminuir,
parece-me sentir
um desejo de entardecer como a Natureza entardece
e a glória do Sol se esquece.
A brancura destas aves fugidias,
que atravessam o ar,
espanta
e encanta
tão alvo também é o Coração
no branco amanhecer
que nele voa o meu Ser.
Solene a hora mostra-me que é perfeita
uma vida desfeita
pois até nos mares a tempestade
favorece o intrépido herói
e a dor não dói.
Cresceram as árvores
e da raiz à copa
se mede a altura
de uma semente pura.
Olho a linha do horizonte
e imagino, no cimo do monte,
um Gigante que esbraceja
e não há mais quem o veja, senão eu
com um olhar que não esmorece
e que uma visão não esquece.
Nesta prisão escura,
não há sopro de vento
nem há ternura
por tanto que a noite dura.
Mas não esmoreças e não te esqueças
que não há só uma estação
e que está prestes a chegar o verão.
Corro com o olhar as linhas das minhas mãos,
tentando encontrar um afluente e um rio
que destinem
sem procastinar
uma vitória inteira
na hora derradeira.
Parece até que descaminho,
quando regresso ao ponto de partida,
mas é a justeza da vida
que, quando ensina alguém,
se não aprende, não segue para Além.
No avesso de cada verso,
há uma estrela imorredoira
que como o Sol também doira
as folhas ao vento
da árvore do meu pensamento.
Altos são os muros de que me debruço
por sobre a paisagem
que jaz
e é pois o homem capaz
de tanta destruição infame
sem que um deus de nós reclame.
Na caixa de cartão, guardo cada grão de areia
que ficou
daquilo que eu sou.
E grão a grão, pareço reconhecer em Mim
que sou um trilho sem fim.
Leva o vento o brinquedo
como leva o tempo que passa
e nada fica
é essa a desgraça
e o martírio também
de seres alguém e ninguém.
Chove. A chuva vem quebrar o silêncio
doce e subtil
agora que o meu céu tem a cor anil.
Vêm-me ao pensamento fragmentos
de coisas que um dia li
e tudo isso me parece tão perfeito
e tão completo no meu peito
que o meu espírito se esvai
na tarde
como pavio de vela que não arde.
A orquídea floriu nas Tuas mãos
de Poeta triste
como se todo o Universo coubesse
na tua prosa
e fosse uma flor gloriosa.
Escuto os ruídos nos andares do prédio
e os passos que oiço
lembram a longa caminhada
da minha jornada
quando parti à descoberta
com apenas uma janela aberta.
Havia em Mim uma bruma clara
a toldar o meu regaço
e até um beijo era cansaço
e então a Mim voltei e combati o nevoeiro
como quem luta consigo
e enfrenta qualquer perigo.
A paisagem imóvel e silenciosa
que tenho pela frente
como é diferente
de tudo
neste mundo rudo.
Vem brincar à roda, Criança,
não percas a tua infância
e roda e salta
mesmo homem maduro
sê um lampião do futuro.
Quem dera ser nascido a cada momento
em que o céu é mais sereno
e o rio corre devagar
aqui neste lugar.
O pensamento que voou a um alto lugar
não tinha senão um fito -
buscar para Si o infinito.
No écran luminoso, um verso
é ainda mais efémero
do que a aurora que não dura uma hora
e o seu caminho
é ser um verso sozinho.
Caem do céu as pepitas de ouro,
tesouro na alma em Mim
pousado no regaço
neste tempo e espaço.
Na morada da noite, nos canteiros
florescem os Sonhos
belos puros sempre iguais
como se fossem imortais.
É um canto destemido,
mas frágil,
tão frágil que a voz se pode quebrar,
quando um verso não quer rimar.
Pudesse esta imensidão,
guardada na minha mão,
ser a Flor
do teu Coração.
Procuro a Palavra, teu gesto puro,
mais do que a tua nudez,
no poema das mil faces visitadas,
que tu amas
como se para a saudade
não houvesse uma idade.
Há um horizonte possível
que da minha imaginação se vê
e é de um infinito Mar que tem marés
e está aqui mesmo a meus pés.
Começa e acaba o dia.
Da manhã se chega à noite.
E, entre o começo e o fim,
cada instante
que é tão passageiro
tem um lugar inteiro.
Tantas nuvens
e sereno o milagre da ascensão
brilha no Céu
e, sem eu perceber,
tudo está a renascer.
Caminho lentamente
sem saber
do para quê do frenesim constante
desta gente tão distante.
E quanto mais vejo e observo a multidão
mais tenho a sensação
de que o meu passo não é em vão.
Transeunte do tempo presente,
este rosto de agora
na minha Alma chora
e podia ser apenas a Saudade
da outra idade do meu parecer,
mas é, na verdade, a Saudade
da novidade de um outro Ser.
Colho o pensamento
e abre-se uma janela à minha frente
maior do que a minha imaginação de Ti,
deus dos pequeninos,
que fazes e refazes os destinos.
Talvez as tuas folhas sejam passageiras
e os teus ramos frágeis
mas vertical aspiras ao céu
e nada mais importa
uma raiz te eleva e te suporta.
Assim vai o meu Coração,
balança como Criança neste baloiço da vida,
e, sempre sem parar de balançar,
num balanço eterno
ele quer estar.
O mundo lá fora é o mundo lá fora,
mas eu voo dentro
e lanço as asas nas alturas
e vejo mais longe na imensidão
da minha solidão.
Os altos mastros dos navios
pousados neste pedaço de papel
são o meu merecimento do Mar
e o meu único lugar.
O tempo é quase nada,
novelo de lã
em mãos laboriosas
que se esvai e desaparece
como quem a si mesmo esquece.
Talvez tenha perdido, no curso da vida,
a constância e o labor,
mas nunca foi o Sonho desfeito,
o Sonho que é meu por direito
de ser num Mundo perfeito.
Acordar é pouco,
é preciso um clarão como o do luar,
que toca o rebordo da janela
e depois entra na casa,
luminoso,
a atear com a força do coração
a força da razão.
O tanger dos sinos e o silêncio que depois resta
é o mais que na minha vida tenho
em cada hora
em que até parece que o Tempo se demora.
Na cidade choveu por um breve momento
e eu pensei no campo ressequido
a ansiar por esta água que sem ribeiro nem cais
se escoa pelos beirais.
Tudo é passado vivido,
pois o instante do que é já não é
e, neste torvelinho sorvedor,
numa jarra, vai morrendo sem cor
uma flor.
Cinzela o Coração e aprimora
que neste instante que é agora
o sopro de vida que te sustém
não é de mais ninguém.
Piso a terra inteira numa passada
e é isso quase nada
na viagem ao redor de Mim
que não tem um fim.
Até o mar tem lágrimas
que escorrem pelos pinhais,
e é passar o Bojador dos homens
a dor a que não se volta mais.
Nem sempre é azul o céu no meu olhar
e nem sempre vejo estrelas
na noite,
quando me deito a imaginar
mas sempre o meu pensamento
se detém
perante as léguas que existem para Além.
O paraíso não está num lugar
a que se possa chamar
um sítio
ele está dentro do Coração
e há quem o encontre e quem não.
Avança os teus pés na estrada de abril,
Poeta que procuras
a Liberdade
pois, nesse assomo de verdade,
és eterno, não tens idade.
À luz de abril, ao entardecer,
colho pétalas
guardadas por entre as páginas dos livros
e olho para cada uma delas
como se aí se encerrasse um grande mistério
a vida e a morte
que acontecem à sorte.
Como um colar de pérolas que se rompeu,
também o meu Coração perdeu
o gesto da Paz
que um sorriso traz
mas a memória o canto da Alma glorifica
e cada pérola pura na minha mão
encerra um condão.
Desisti de procurar no labirinto
daquilo que sinto
um verdadeiro caminho
escavo, agora, com as minhas mãos
no terreno fértil do pensamento
e planto nele cada emoção
com o rigor de um agricultor
que tudo semeia com Amor.
Nas alturas, com as aves,
é onde o meu Coração está
e, neste instante do fim,
a terra e o céu
aparecerão em Mim.
Dança e rodopia na grande altura
de ser gente,
a bailarina inocente
até que passados os verdes anos
desenganada da notoriedade
sente que É na verdade.
Vem do poente a luz com que o dia se encerra
e muito baixinho, com carinho,
soletro sílaba a sílaba
um verso
como quem procura num gesto de ternura
num ato de compaixão
olhar cada homem como um irmão.
As árvores, nas traseiras da casa,
permanecem inteiras almejando o céu
e, de ramos nus,
ainda sem folhagem,
são do homem uma bela imagem.
Meio céu era azul e puro
e metade da terra estava sombria e gasta
assim também nesta caixa de cartão
onde está guardada a minha imaginação.
Os outros têm lembranças
como tranças de crianças guardadas
em caixas de papelão -
mas não têm imaginação
nem fé
nem suavidade nem esperança
para aguardar o sim
do Sonho que vive em Mim.
Podem os deuses
a sombra tornar em luz
e os pássaros silenciar
que nesse gesto tão diverso
cabe todo este meu verso.
No jardim da primavera,
um tesouro de flores
está pousado à minha beira
são belas as cores
são sedosas as pétalas
mas de entre todas as coisas que vejo
aquela única Rosa é o que eu mais desejo.
O dia que nasce
e é renascido
no seio da noite encontra abrigo
é de onde há de florescer
tal fio de vida
sem se desvanecer.
Ali é em Mim o sítio
onde mora o belo e puro entardecer
e nesse vislumbre do viver
um lugar eu poderei ser.
O respirar do centro de Luz
em nós,
peregrinos na suma distância dum céu,
traz ao Coração
a lembrança da Redenção.
De tanto caminhar num só lugar,
minha Alma entonteceu
e em Mim anoiteceu.
Das folhas à raiz, da árvore à substância,
tudo parece ser e conhecer
o movimento infinito do viver.
E, se a manhã é mais fria,
se a tarde é mais quente,
lembra-te todavia
que moras entre gente.
Há mosaicos no meu Coração,
pisados desde antes da minha vida acontecer
e nessa ardósia agora reescrevo
um outro movimento de Palavras
onde há me-do coloco amor
e o caminho é libertador.
A casa permanece na penumbra
deste tempo
e ela que foi aconchego e deserto
no meu Coração
acolhe agora aqueles que virão.
Movimento, movimento, e um ruído
que parece trazer
o futuro a acontecer
por entre a amplidão das pessoas
gigantes na roda
do devir
e do Ser a cumprir.
Em cada degrau da escada, um verso
rescende em luz
e é cada um deles que me seduz
quando no cimo do horizonte
eu vejo correr a água de uma fonte.
Das mil maravilhas da vida, um sorriso
num rosto
e a confiança no Coração
são tão belos como uma oração.
Há no meu pensamento um lugar
onde sempre é o que era
e é sempre nele primavera.
A palavra perfeita nasce do perfeito silêncio
em que é gerada
tal como quem vagueia por uma estrada
e numa pedra encontra
uma morada.
Pedra a pedra e o castelo se agiganta
porque foi sonhado
e amado
naquele instante em que o Coração
a Verdade atinge
e já não finge.
É o canto de uma cotovia
o que entre nós existe
não é nem alegre nem triste
mas seduz
como um raio de Luz.
Pausadamente caminho por entre gente apressada
de que me servem passos de gigante
se o caminho eu sei qual é
se a estrada é a mesma de sempre
e se na monotonia da vida
eu sou aquela jarra com uma flor colorida
pousada no móvel do corredor
à espera de um momento de esplendor.
O primeiro momento desta primavera florida
acrescentou vida à minha vida
e, talvez, o anjo que me embala cale
para sempre
o medo que é um mal.
Sento-me e aquieto-me,
pensando nessa profundidade do Mar
que há em Ti,
deus homem mistério vida,
transcendência e rigor,
sem dor.
Orvalho no mundo e no meu Coração,
e é de paz e de espanto
ver os campos enfim a florir
e eu que não sei se hei de chorar ou sorrir.
Ao longe as luzes dos prédios vizinhos
recordam-me vagamente
que há gente
e neste mistério do outro que é
viajante como eu
guardo aquele Sonho
que nunca me esqueceu.
Visita-me esta hora no entardecer
como se o dia
ainda não quisesse acabar
e nele eu pudesse encontrar
um novo verso
que inteiro e sem dispersão
sustivesse a minha mão na tua mão.
Que possa faltar este chão,
mas um verso não
que tem a medida da tristeza e da alegria
e que é o pão nosso de cada dia.
Renasço em Ti e acredito
nesse espírito infinito
que em redor do que é eterno paira
primavera, ó primavera,
quem dera
poder renascer quem eu era.
Não são só os pássaros
que chegam às alturas do céu
há homens que são gigantes
e que têm dentro um coração pequenino
onde eternamente vive um menino.
É junto ao grande lago que te encontro,
e minha esperança aí vive e é
enquanto tu não estás aqui ao pé.
Se não fosse esta harmonia, eu diria
que há uma tristeza no dia
em que o frio, a chuva e o vento
são no meu pensamento.
As árvores como os homens sonham o Céu
e mesmo de ramos ressequidos
e de raízes sedentas
crescem num perfeito rigor
a que os homens chamam dor.
Sopra um vento gélido, quando a tarde
chega ao fim
e, ao redor de Mim, só o soprar do vento
que eu sinto no pensamento
é a inteira companhia
de um momento de magia.
O paraíso pode esperar, mas não a urgência
de recomeçar nesta terra
e a cada dia
tendo a Alma de vigia.
Aqui é o lugar da ferida da Vida,
ponte das muitas cores
anel das dores
e quem viaja e chega aqui
de espanto sorri.
Ouve dentro de ti aquelas ondas na distância
do mar incerto
que tu, Mulher, sem te perturbares,
conquistas lucidamente
com uma Alma que tudo sente.
No meio dum gesto, a Palavra
encontra o seu destino,
quando inteira
é prenúncio da terra verdadeira.
Regressarás aos deuses,
quando a madrugada for mais lúcida e firme
e, sem medo, desbravares todos os caminhos.
No meu regaço, repousa frágil
a onda
que não quer ser onda
e neste sem mar
aconchego-a enfim
gota que se esgota em Mim.
Vislumbre de cor num céu cinzento e negro
é o Sonho a rasgar as nuvens escuras
e a aquietar a tempestade
e nessa dimensão irreal de Verdade
nasce a glosa
como quem na fonte a sede sacia
à Luz clara do dia.
Aquele cuja Beleza resiste
à impiedosa passagem dos dias
é feliz nessa condição
da vida não ser em vão.
Amanhece mais lentamente sobre os rochedos
que o Mar vergasta
mas é do Alto que melhor se vê
a obra que deus fez.
Do ventre da terra, a palavra nasce
redonda e silenciosa
como uma Rosa
e assim em botão a flor
ou a palavra Amor
nunca se afastam de nós
mesmo quando estamos sós.
Sei-me de um outro lugar
onde ainda nunca me encontrei
e onde a minha Alma espera
para saber quem era.
A infância está guardada num nicho de luz
é a caixa da vida perdida
mas que luminosa irradia
para cada dia a ousadia.
O precipício seduz tal como o sonho
de matéria irreal
onde não há o bem nem o mal.
Regresso de onde nunca saí
regresso a Mim
e, nesta inteireza
de quem sabe o Caminho regresso,
faço a desfaço o pensamento
a todo o momento.
A folha de papel passa pelas minhas mãos
e transforma-se numa ave em prosa
talvez cante talvez voe
talvez como o dia amanheça
e em Mim se reconheça.
Não existe a imensidão senão no Sonho
tudo o mais na sua finitude
é pequeno e ilude.
A música, muito suavemente, desliza
pelas paredes da sala e pelo meu corpo
num afago de concha
aberta ao murmúrio das águas
as águas vindouras que uma lua traz
sempre que no céu se refaz.
Há um silêncio vindo do Mar
e há um troar de onda
mas tudo isso me é indiferente
quando rente à Esperança
perdi a Alma de Criança.
Ao entardecer, há lilases e outras flores no céu
dum jardim que está no meu pensamento
e que colho quando é de colher
e este é o meu viver.
No silêncio, medito um verso novo
e ei-lo fermoso
eis a alma do meu povo.
Dia sem sombra.
Dia de movimento e de Luz.
Dia em que acolho no regaço
o mais puro laço
que numa vida pode existir,
Te saber, depois de eu partir.
O orvalho nas fontes é um gotejar
é um murmúrio
que não quer parar -
mas no canto da água que corre
alguma coisa vai para Além
dos limites que a vida tem.
Sozinha na esplanada procurei,
mas não achei,
aquela multidão de gente
que, ao me olhar,
iria confirmar
a minha existência neste Lugar.
Do lado de cá, tudo é imóvel e silencioso
e nisso se congratula o meu Coração
na certeza dessa imensidão.
Corre, vizinha a Mim,
uma tragédia sem um fim -
e como um quarto vazio
com paredes de frio
é mais só
cada homem
hora a hora pensando
meu deus, até quando...
Debruçada sobre o grande Mar,
que vai e que vem,
minha Alma procura um Além
e, se o horizonte da memória fita,
logo o esquece,
pois o grande Mar - última fronteira -
é a passagem derradeira.
Corre um vento gélido,
mas, no jardim que há em Mim,
a Roseira floriu.
Tenuemente um botão de rosa se abriu,
agora que o temor partiu.
Em todos os momentos, cumpre-se a hora,
aquela hora fugitiva
que nos leva para a eternidade
e que tem um assomo de Verdade.
Procurar nesta crepitação de fogo
a inteireza do teu Ser
quando do Longe vens
e anuncias
serem agora mais claros os dias.
Tira a máscara e mostra-me a tua face pura
aquela que tem cicatrizes e bravura
e que se me aconchega ao Coração
mesmo longe na imensidão.
Entre mundos vivemos nós os deserdados
do grande campo do paraíso
e esse outrora, onde o eterno mora,
hoje, parece que chora.
Casulo do poema em Mim,
e lentamente se desata
este verso de oiro e prata.
O espetáculo do entardecer
num horizonte de Mar
cinzela de infinito
o sopro e o grito
daquelas gaivotas que esvoaçam
quando o frio e a sombra por elas passam.
Rumor de ave rente ao meu beiral
e o recorte da colina
e quase que me esquece
que o inverno
é um tempo eterno.
Como um barco que a navegar se lança,
assim meu Ser navega também
entre as margens que todo o Mar tem.
E herói da grande viagem
de cais a cais
de margem a margem
se cumpre esta passagem
- meu Senhor, meu deus, que coragem.
Errante, a minha Alma andou perdida
e nem o Sol a consolou,
mas uma brisa enfim passou
a despertar nos Sonhos irreais
as Belezas imortais.
Agora que escureceu, só as luzes elétricas
no alto do rebordo da encosta
assinalam a linha de Horizonte
e parecem estrelas do céu cintilando na Terra
e guardando
e vigiando
com essa luz
o Homem com a sua cruz.
Gosto do inverno assim.
Frio e sol.
E do canto do rouxinol.
Mas as notícias do Mundo são terríveis e dão pena
e nem ao sol de inverno a minha Alma serena.
Colhe uma flor
e abandona-a no teu regaço
esse é do Universo o sentido
esperar e aguardar
deixar o tempo passar.
Saio ao sol da tarde
para aferir
se a existência e a vida
permanecem
nas corolas dessas flores
e se assim se desvanecem todas as dores.
Antes do poema ser
é preciso que amanheça no pensamento
tanto
que o pranto seja assim
uma roseira florida num jardim.
O Sonho tem a largura da realidade
e é nessa medida exata
que todo nó se desata.
Para ti convoquei o verso mais puro
e teci o rendilhado de uma vida
sem fim
como se o Mundo fosse um jardim.
Nada tão bem nos conforta
como uma luz solta
dentro de nós
a doirar a nossa voz.
Por isso há estrelas à noite no céu
que dos silêncios fazem canção
brilhando na imensidão.
Da Vida te direi que é mistério
o fundo do mar
e os deuses
que às vezes provocam a tempestade
na humana realidade.
Tu, que te sentas à beira do rio, vendo-o correr,
toma minha Alma pequenina
e a ensina.
Sê o Mestre que toca levemente a Flor
que há no meu Coração
sedenta de adoração.
Talvez o melhor Caminho seja se perder
e voltear e mudar e tornar a errar,
porque a cada passada dada
se vê melhor a linha reta da jornada.
A chávena vazia num recanto da sala
e o livro fechado na estante
olho-os com indiferença
como se não me pertencessem
e neste vazio das horas
eu penso que Tu, Vida, demoras.
Escuto deus
como quem escuta no silêncio
o oiro de uma voz
que está dentro de nós.
E esse timbre de oiro me seduz
qual Criança
envolta numa centelha de Luz.
Homem, não queiras só um pouco de eternidade,
dessa que se perde com a mocidade,
antes procura na pedra clara do espaço
aonde gravares o teu rubro sinal
para assim seres imortal.
A lâmpada fundiu-se
e a névoa que havia dentro da casa dissipou-se
nessa escuridão de minutos
- para haver claridade,
sem nevoeiro, neste mundo,
é necessário um despertar profundo.
Não são Gigantes de braços ameaçadores,
são casas onde se mói o grão
para fazer o pão -
e é assim também na nossa vida
os Gigantes que vemos
são os medos que temos.
Crescem as árvores e os ramos,
lentamente, devagar,
ao Céu hão de um dia chegar.
E, deste modo simples e se construindo,
de ciclo em ciclo, vão subindo.
Como os bagos da romã, juntos e enlaçados,
vejo os pedaços do passado
presos a meu lado.
Mas eis que desfeita a romã,
bago a bago,
o pensamento é vago.
O luzeiro no céu
e o oiro no Coração
e a Esperança a que vão
de ir adorar um deus-menino
como homem nascido pequenino.
O ponto que se repete e não se repete
presente em cada vida
é do Universo
a medida
que permite a deus medir
o que o homem só pode sentir.
Pudera esse instante não se esquecer
e ser para sempre puro
e imorredoiro,
como uma madrugada tecida em oiro.
Cada prédio é um arranha-céus,
mas morar perto de deus
requer
uma outra coisa qualquer.
Há um Gigante dentro de cada um de nós
alma, mestre, espírito,
companheiro,
deste dia primeiro.
E se soubermos dar-lhe a nossa mão pequenina
veremos que é sempre Bela a nossa sina.