Rumor de ave rente ao meu beiral
e o recorte da colina
e quase que me esquece
que o inverno
é um tempo eterno.
Rumor de ave rente ao meu beiral
e o recorte da colina
e quase que me esquece
que o inverno
é um tempo eterno.
Como um barco que a navegar se lança,
assim meu Ser navega também
entre as margens que todo o Mar tem.
E herói da grande viagem
de cais a cais
de margem a margem
se cumpre esta passagem
- meu Senhor, meu deus, que coragem.
Errante, a minha Alma andou perdida
e nem o Sol a consolou,
mas uma brisa enfim passou
a despertar nos Sonhos irreais
as Belezas imortais.
Agora que escureceu, só as luzes elétricas
no alto do rebordo da encosta
assinalam a linha de Horizonte
e parecem estrelas do céu cintilando na Terra
e guardando
e vigiando
com essa luz
o Homem com a sua cruz.
Gosto do inverno assim.
Frio e sol.
E do canto do rouxinol.
Mas as notícias do Mundo são terríveis e dão pena
e nem ao sol de inverno a minha Alma serena.
Colhe uma flor
e abandona-a no teu regaço
esse é do Universo o sentido
esperar e aguardar
deixar o tempo passar.
Saio ao sol da tarde
para aferir
se a existência e a vida
permanecem
nas corolas dessas flores
e se assim se desvanecem todas as dores.
Antes do poema ser
é preciso que amanheça no pensamento
tanto
que o pranto seja assim
uma roseira florida num jardim.
O Sonho tem a largura da realidade
e é nessa medida exata
que todo nó se desata.
Para ti convoquei o verso mais puro
e teci o rendilhado de uma vida
sem fim
como se o Mundo fosse um jardim.
Nada tão bem nos conforta
como uma luz solta
dentro de nós
a doirar a nossa voz.
Por isso há estrelas à noite no céu
que dos silêncios fazem canção
brilhando na imensidão.
Da Vida te direi que é mistério
o fundo do mar
e os deuses
que às vezes provocam a tempestade
na humana realidade.
Tu, que te sentas à beira do rio, vendo-o correr,
toma minha Alma pequenina
e a ensina.
Sê o Mestre que toca levemente a Flor
que há no meu Coração
sedenta de adoração.
Talvez o melhor Caminho seja se perder
e voltear e mudar e tornar a errar,
porque a cada passada dada
se vê melhor a linha reta da jornada.
A chávena vazia num recanto da sala
e o livro fechado na estante
olho-os com indiferença
como se não me pertencessem
e neste vazio das horas
eu penso que Tu, Vida, demoras.
Escuto deus
como quem escuta no silêncio
o oiro de uma voz
que está dentro de nós.
E esse timbre de oiro me seduz
qual Criança
envolta numa centelha de Luz.
Homem, não queiras só um pouco de eternidade,
dessa que se perde com a mocidade,
antes procura na pedra clara do espaço
aonde gravares o teu rubro sinal
para assim seres imortal.
A lâmpada fundiu-se
e a névoa que havia dentro da casa dissipou-se
nessa escuridão de minutos
- para haver claridade,
sem nevoeiro, neste mundo,
é necessário um despertar profundo.
Não são Gigantes de braços ameaçadores,
são casas onde se mói o grão
para fazer o pão -
e é assim também na nossa vida
os Gigantes que vemos
são os medos que temos.
Crescem as árvores e os ramos,
lentamente, devagar,
ao Céu hão de um dia chegar.
E, deste modo simples e se construindo,
de ciclo em ciclo, vão subindo.
Como os bagos da romã, juntos e enlaçados,
vejo os pedaços do passado
presos a meu lado.
Mas eis que desfeita a romã,
bago a bago,
o pensamento é vago.
O luzeiro no céu
e o oiro no Coração
e a Esperança a que vão
de ir adorar um deus-menino
como homem nascido pequenino.
O ponto que se repete e não se repete
presente em cada vida
é do Universo
a medida
que permite a deus medir
o que o homem só pode sentir.
Pudera esse instante não se esquecer
e ser para sempre puro
e imorredoiro,
como uma madrugada tecida em oiro.
Cada prédio é um arranha-céus,
mas morar perto de deus
requer
uma outra coisa qualquer.
Há um Gigante dentro de cada um de nós
alma, mestre, espírito,
companheiro,
deste dia primeiro.
E se soubermos dar-lhe a nossa mão pequenina
veremos que é sempre Bela a nossa sina.