Na vastidão sem abrigo,
campo grande,
há um regato que dá de beber
e por aí passei
procurando na memória do tempo
o paraíso da graça
de quem pela vida passa.
Na vastidão sem abrigo,
campo grande,
há um regato que dá de beber
e por aí passei
procurando na memória do tempo
o paraíso da graça
de quem pela vida passa.
Havia girassóis dentro de ti
quando brincavas simples
uma caixa de cartão era um avião
e uma boneca de papelão era uma princesinha
e eras como uma avezinha
nessa vida sozinha
À beira da estrada, colho urzes e giestas
e deixo que estas arestas
com que cismo
se suavizem nestas flores
num ramo de muitas cores.
Trouxe de tanto pisar a terra
um jeito singular -
ir e vir e sonhar.
Atravessa o meu sonho
este jeito real
de me esquecer
desta dor do viver
e recomeço assim
no encontro de Mim
Que silêncio no mar é agora,
nesta hora,
instante de meditação,
pura e breve oração,
tecida no coração.
Nessas horas leves da madrugada,
é que as minhas mãos vazias sonham com nada
pois nada é real
neste mundo desigual.
A praia tinha búzios e rochedos
e dourava o sol a areia
e era isto a minha teia.
Vestiu-se de asas
e esperou esperou esperou
que um verso trouxesse
cândido e puro
na noite e na escuridão
uma outra imensidão
Sê como a brisa suave
ou como o voo de uma ave.
Procuro a palavra inicial
como quem pisa um chão de uvas maduras
e extraio um pensamento puro,
em botão,
que só florirá
no peito de quem virá.
A paisagem dos prédios faz-me pensar
que neste lugar não há tempo para amar
uma flor como Aquela
que eu tenho junto à janela.
O rosto envelhece,
mas a Alma permanece
no centro de nós
múltipla, serena, alerta
como um sol que nos desperta.
Sento-me no banco de pedra dum jardim
que só existe dentro de Mim
e observo a Criança a brincar
com o meu Coração
que tão pequeno lhe cabe na mão.
À tardinha, brilham as folhas da árvore
enquanto se aguarda
pelas estrelas e a lua e o sono
é um mágico abandono.
Olho as vitrines
e nelas apenas me vejo a Mim
qual objeto
que não está longe nem perto.
No longe, um mar de sal e tão perto de Mim
essa maresia
na manhã que é fria.
É essa a realidade das coisas que de longe e de perto
desperta o meu Ser
e não o deixa adormecer.
Passa um pensamento e vem outro também
no torvelinho que a vida tem
e a Ideia sem mal
que nos visite a cada instante
tem uma natureza tal que se move confiante.
Em cada lugar, estou
e sou
uma ausência de Mim que voou.
Ainda que no teu caminhar resvales
por um terrível precipício,
não temas,
pois é infinito o Amor
acima de toda a dor.
O sonho da noite extingue-se
agora que é o amanhecer
e o dia nos dá o viver
da escravidão, da fome, da guerra
do passo a passo do corpo na Terra.
Rasgo a folha onde escrevo com ligeireza
que apenas eu sou
um sino distante que um dia soou.
É da natureza dos dias serem sombrios às vezes,
e a palavra ser um eco longínquo
e sem valor
que desdenha, musa, o teu alvor.
Há nos campos estrelas e nos céus flores,
que eu vejo na fantasia,
quando me sento a olhar e o tempo não quer passar.
É assim no caminho também,
uma estrada para Além.
Harmonioso é o pensamento cá dentro,
quando, por entre as páginas do livro da vida,
uma flor é esquecida,
mas não perdida.
Entre a luz e a sombra,
e entre o ruído e um café,
fico de vigia, olhando o horizonte
onde há barcos e marinheiros
e onde os adeuses são derradeiros.
No meu Coração o vento
é nortada
que só se apazigua
quando a Alma fica nua.