Às vezes fazia versos na ociosidade.
Eram os versos da Liberdade.
E solta toda essa prosa na aventura da vida
me parece que descanso
e que o ribeiro é manso.
Às vezes fazia versos na ociosidade.
Eram os versos da Liberdade.
E solta toda essa prosa na aventura da vida
me parece que descanso
e que o ribeiro é manso.
Antes de no Mar ser a Onda,
escuto o Silêncio
incessante
eterno marulhar constante
na areia
onde se firma a minha Ideia.
As linhas das mãos
são Caminhos de acariciar
conjugando todas as formas do verbo Amar.
O dia de morrer pode ser num instante
escorregadio
em que à solta no mar bravio
o homem
perdida a sorte,
sem regresso nem salvação,
é apenas um no meio da multidão.
A minha cor favorita é o antes
da madrugada ser -
é uma cor que se agita
e que sempre me fita
no antes do amanhecer.
Anseio o Poema que em Mim amanhã nascerá,
não hoje, não este, Aquele
pelo que no incerto entardecer
valha a pena viver.
Neste mundo só meu, a ave renasce
na suavidade da Alma
e estende as asas de um azul coral
até ao infinito horizonte
onde as lágrimas que não voltaram
a correr
são um rio por nascer.
Estendal de silêncio
que é a prosa de versos
pouco importa -
na rua há os transeuntes que passam
e as folhas de papel
lembram romances de cordel
à espreita
e à espera do leitor atento
que venha trazer o alento.
Mais leve que o vento,
corre o pensamento
e nada leva e nada traz
do Mundo
se não houver um espírito profundo.
Era assim, num tempo em que não havia certezas,
e viver e morrer fazia parte do ser
um ínfimo pedaço
do magma da humana condição -
e tudo servia de lição.
É universal este instante sem igual
em que me sento
à altura do Cosmos e medito
na minha pequenez infinita
que um anjo por um momento fita.
Domingo
e nem um anjo passa no Céu,
trazendo à minha presença
toda uma nova crença.
Era o paraíso e nada mais
era preciso
para viver em Paz
que a alvorada do nascer do dia -
mas cresceste -
e no Mundo te perdeste.
O clarão das cidades noturnas
é brilho no universo,
mas ofusca o céu estrelado
e os deuses e os anjos e as musas,
e ficam as coisas confusas -
que é do céu - artificial ou não
que guarda o meu Coração.
Estendal de roupa ao vento,
ah, o tempo
em que eu lavava
aquelas manchas de tinta no vestido
por um Poema em Mim ter acontecido.
Vejo a chuva a cair,
mas eu quero sentir cada pingo
no meu rosto
para perceber enfim
que a chuva não molha só a Mim.
Segue uma estrada a fio
e não queiras
regressar
o ponto da chegada
é como uma abalada
para cada novo lugar
e assim também é se procuras um Norte
na tua Morte.
Ergue-se o Mundo devagar,
tão lentamente,
que até parece que é plangente
a dor que a gente sente.
Por que nos despedimos a cada dia,
ao entardecer,
do dia que estamos a viver,
se é pleno
se é sereno
se é vivido com Amor,
por quê, sem tempestade,
termos a moléstia da Saudade.
A viver como quem adivinha
com o Coração
tudo é Campo e Canção,
ó Ciência,
o teu esplendor
é um tic-tac carnal
neste Mundo sem igual.
Mais raro o espaço de onde jorra a água
que sacia a minha sequidão
parece um rochedo agreste
mas a fonte é celeste.
O lado quotidiano da vida
descansa agora perto de Mim
agora que a tarde chega ao fim
e é a hora de olhar as nuvens no céu
como quem, Musa, confia
na descoberta
de cada dia.
Um anjo do destino tudo compreende
e até parece que sente
a dor viva que a gente tem escondida
- por isso não admira
que a flecha que fira
também cure e traga um Norte
e nos liberte da Morte.
O vento sopra como brisa que afaga
uma flor
e segue o seu caminho
de Mocidade
nesse gesto de Amor
salvo da humana Dor.
À distância de um Abraço,
caminho
na multidão
sem saber quem eles são.
Quieto o gesto
na serenidade da tarde
tão diversa no assento deste mundo
mas é assim -
outros há e há tardes distintas
no ser e no ter
não o podemos perceber.
Quis a ousadia que mais que tudo importa
que fosse coisa morta
o medo de partir e ir
neste Reino que está para vir.
No silêncio da tarde, medito,
escrevinhando num papel, palavras doutas de sentido
que são a minha segunda pele -
mas, por uma divergência de propósito,
que não sei explicar,
penso e repenso e as palavras baralho
e vejo que nada valho.
Não importa o Nome -
com qualquer nome te chamo
orquídea rosa jasmim
há uma Flor dentro de Mim
da infância até ao fim.
De ramo em ramo, a árvore
cresce até às alturas dos céus
e eu não sei mais o que sonhar
se olho e vejo
na árvore o meu ensejo.
Onde fica essa fonte
que tanto dá de beber
o lugar não quero esquecer
nem o caminho que leva longe
nem o cansaço da viagem
que são no homem sinal de Coragem.
Perguntas-me pelo colorido da Alma
e eu te direi
que é daquela cor que eu achei
quando, por entre a multidão apinhada,
vi, distintamente vendo,
um novo tempo nascendo.
No outono, as primeiras chuvas
cavam sulcos
na Colina em frente ao meu mirante
e é Belo, porque é singelo -
e o som da água correndo faz adormecer
este mundo de angústia dentro do meu Ser.
A gaivota cruza este céu
pensando talvez que o céu é Mar
pois nas alturas de deus
é permitido Sonhar -
e se sonho parece que acontece
que a dor da solidão esquece.
Os meus gestos de mármore
eternamente
despidos
procuram os sentidos
que estão adormecidos
na pedra
para então poisar cada gesto lento
na vida em movimento.
Olho à minha volta e escrevo
quando a Paz desce da colina e pernoita
na planície da cidade
para lembrar ao homem
que a sua medida
é cada momento da vida.
Um enredo havia no entretecido das lãs
linhas frias
retas geométricas
como todas as coisas vãs.
Mas, ao centro, no coração do quadro,
a linha se enrolou
e um laço
de um Abraço me conquistou.
Quando o pensamento se cansar de girar,
deixa-o morrer como o vento
que não tem pátria nem lar -
mas, se se dorme de tanto espanto,
há de acordar com o encanto.
Não colhas a Flor.
Deixa-a permanecer no seu viver e morrer -
e, então, nesse estar a teu lado
vives um momento sagrado.
Com a manhã, o silêncio do mundo
torna-se gorjeio
e o meu pensamento alheio ao troar
revolve numa doce quietação
a ideia da Paz a haver
que toda a Criança quer ter.
Mil anos ou mil dias, neste momento,
são passado -
pouco importa -
tudo é coisa morta,
como no firmamento uma estrela que brilhou
e depois se apagou.
Copio e apago apago e copio
e, neste afã, de labuta corajosa,
deixo que a velha prosa pareça agora nova
vestida de um sofrimento que é só meu,
ó agrilhoado Prometeu.
É de Paz este instante arredio
em que olho
para o Céu e vejo
que o meu único desejo
é olhar o Céu e ver
este entardecer.
Choveu
e como rio caudaloso,
de margem a margem a rua,
lembrei que ao atravessar porém
só passo uma vez
na natureza do que sou
pois a chuva de hoje não voltou.
Levanto as persinas da janela do quarto,
procurando o Sol,
a nascente,
e é quase uma Arte de viver
e um contentamento
que visita o meu pensamento.
Podes estranhar
que neste lugar onde o sono é tudo
eu Te peça um Sonho mudo,
apenas desenhado,
para de lembrança eu guardar
o Silêncio onde eu quero estar.
O mundo intacto surpreende
e fascina
amazing world
pudesse eu colher em cada dia
uma Rosa sadia
a anunciar uma Paz,
mas sou este que aqui jaz.
Trinco uma saborosa maçã
com a lucidez
de quem encontra na desgraça um alento
e vive dessedentado
sem angústia nem pecado.
Aqui é Além
para quem está Longe
e demora em chegar
mesmo que o passo apresse
o Aqui desaparece
se Além é o fito
e o Longe infinito.
O Silêncio eu sei de cor,
ó noite,
transbordante daquela graça
de seres um instante que passa.
Talvez os deuses procurem
na lembrança
dos dias
aquele que tenha sido perfeito
na suma perfeição
de ser
um dia completo
- e talvez reparem no pormenor
de nele acontecer
o nascer e o morrer.
O vento, ávido de sonhar, leva-me
para esse lugar
onde só há palmeiras e mar
e, nas noites de agitação abençoada,
quando os navios
chegam ao abrigo do porto,
também eu sonho nesse relento,
ávida como o vento.
Ser árvore num outono é ver as folhas
caírem
tombando no chão
- o que é velho e amarelecido parte
e é isto uma Arte.
Plácido tanger em Mim
de um sino
que não encontro
senão nas horas do entardecer
e vem de uma longínqua distância
apaziguar toda a ânsia.
A guerra é o nó
que não pode ser desatado
é o contrário de Abraço
- o belo laço.
Vi a chuva lavar os parapeitos das janelas
que brilham agora luzidios
antes da noite
e, talvez, se chover no meu Coração
resplandeça em Mim a Razão.
Neste sítio, onde nasce sempre a Esperança,
posso colher as flores que murcharam
na certeza de que se renova a Natureza
e também que
da cinza dos anos
nos tornamos mais humanos.
Dissipou-se a neblina no pensamento
e vi o rio largo da vida
correndo
em Mim como se não houvesse um fim
nem um começo
mas apenas uma Criança num berço.
Chovia e a imagem no papel ia ficando desbotada,
quase sem cor,
mas, na folha amarelecida,
eu pintei de novo uma vida,
vermelho, rubro, forte,
e, então, venci a morte.
Dançarinas, as folhas douradas e verdes
volteiam levadas pela brisa
no chão
e eu piso e calco esta folhagem
na minha passagem,
como um green god
que tudo pode.
Outro outro dia será
e outro outono também
mas o meu pensamento corre e vai para Além.
Aquela imagem outra
de Mim
de um tempo passado
mora a meu lado
e sempre aparece
quando a dor é mais constante
e invade cada instante.
Canto a límpida geometria das árvores
que do chão o Céu almejam
e a lonjura
até parece loucura
de uma semente que nada dura.
Noite misteriosa, na tua escuridão
o Sonho habita
e parece que me fita.
Saúdo o sol
como quem saúda uma gente
que do amanhecer ao entardecer
é gigante de toda a luta
e, firme e hirto, labuta.
A caixinha de música soa para lá do tempo
em que foi um objeto de recreio
a corda não se partiu
e o som não sumiu
e canta um hino imortal
e passado e presente é igual.
Abro a porta e sinto um frio
que entra em Mim vindo de fora
mas é verão
e as rosas no canteiro
só tremem em janeiro.
À tardinha,
quando estou sozinha,
é tão eterno o meu segredo
que me parece que eu tenho medo
de me perder sem me voltar a encontrar
se ao mundo eu o anunciar.
Sem sair do mesmo lugar,
a vida é um beco
escuro -
que é do sol e da maresia
que é da cor violeta
aguarela que deus pintou
e que não desbotou.
É breve, bem sei, um sorriso sem rugas,
um tempo sem ter fim,
e quanto mais olho para Mim
mais vejo a minha infância perdida
nesta ou naquela vida.
Minha face enregelada entardece
e parece que me esquece
o verão
um outro agosto virá
e virá um setembro também
lembrar-me porém
que nesta sombra do verão
esfria o mais firme Coração.
Flutua
em passos de dança
a Mulher de cabeleira azul
e no seu Sonho atravessa as paredes da casa
para trazer os ramos da árvore para o interior do espaço
onde habita
e onde em silêncio medita.
Abre a janela e deixa que o sol entre
e ilumine aquela gente
de rosto amargo e macerado
que caminha com andar pesado
como quem da vida se cansou
mas que não desiste -
é isto belo - é isto triste.
Choram as Fontes
e parece que na substância da água
corre também a minha mágoa,
a tristeza,
que se Te pudesse encontrar antes seria,
na imensidão,
uma Alegria para o meu Coração.
Ler com vagar
e deixar que o sulco das letras seja mais profundo
no meu mundo -
que eu não vaguei em vão -
e que cada página seja um Caminho largo
sem dor
nem amargor.
Que onda acontece que do Mar
se esquece
desfeita no chão de areia -
é só espuma branca
muito pura
e que pouco tempo dura.
A sombra gigantesca das árvores
atravessa a paisagem
dolorida
é assim mesmo a vida -
dom Quixote lutando com um moinho de vento,
gigante sombrio,
e eu aqui a tremer de frio.
Brinca sem medo,
pode ser que algum segredo do Universo
te seja revelado -
o instante breve da oração,
o tocar e dar a mão,
o ser no ato de si próprio irmão -
pode ser que não corram lágrimas de tristeza
e que em ti sempre viva uma certeza.
Desenho letra a letra a Palavra
e porque é bela
assim desenhada
deixo que ela e outra e outra
encham o Poema
até não ter fim,
ah, esta substância de Mim.
Ao longe o céu,
mais perto de Mim o mar
e estas veias azuis
que se cruzam como navios
partindo e chegando no meu corpo
de Céu e Mar
ao centro do Coração.
Tiro da mala o bloco de notas para assentar
que em primeiro lugar
vem a Verdade
do ser e do fazer constantemente
o Bem a toda a gente.
E, depois, rasgo a página de papel,
para quê lembrar
a conjugação do verbo amar.
Já te contei aquele Sonho que tive
e porque nele a minha Alma
vive
não há névoa nem neblina
nem nevoeiro
que em Mim seja inteiro.
O verdadeiro poema nasce e morre
na vida a acontecer
é a gargalhada é o riso
é o feito épico de cada homem
que ninguém conhece
e que nasce e morre e se esquece.
Escuto
o movimento que permanece
e a hora perdida
e fico na soleira da porta
lendo um verso antigo
contigo.
Em vão me aproximei deste espelho
que mostra minha sombra
anoitecida
é esse o lugar da despedida
onde a vida se desencontra da vida
- mas os passos no Caminho são outros -
anima-me um Sonho de Criança
em roda em roda, numa dança.
Ser nuvem no céu
e passar
passar
lá tão longe no mar -
e se te parece estranha esta minha evasão
é porque não sentiste o meu Coração.
No vagar límpido dos gestos
com que afago
a epopeia de Vergílio,
há um tempo sem idade
- um tempo em que deuses e heróis são reais
e os meus Sonhos são a eles iguais.
Bordei o pano de linho branco
como quem numa pintura bordasse
o sol a flor a ave
e no instante em que bordei
parece que acordei.
É belo o brilho da claridade
se o dia finda
- e em toda a natureza não há igual beleza
que ver o dia a findar
com a luz da coragem de recomeçar.
O sono veio como vieram as flores
que adormecem
e porque tudo esquecemos
da vida
fica apenas a respiração
e o bater deste meu Coração.
Balança, balança,
dá-me a Tua Esperança
e a subtil força do Teu Ser -
ó deus, que longa é a escada
e que dura é a cruz
que ao cimo nos conduz.
É na madrugada que eu acordo,
quando o Silêncio
é perfeito
e a promessa do dia nasce com a primeira Luz,
longe, tão longe,
mas por isso me seduz.
Guardo os restos do vaso quebrado
numa redoma de vidro
e cada caco se ajusta e parece estar
inteiro nesse lugar -
também assim eu sou
um vaso quebrado que se guardou.
Aquieta-se o vento
e no meu pensamento
corre enfim uma suave brisa
e a Palavra,
erguida como estandarte,
mostra a Paz que há na Arte
nesta
e em qualquer parte.
Também se chamava Sonho
à Lembrança
e desatava-se a corda presa à realidade
para se mergulhar num Tempo sem idade.
Se eu colhesse a perfeição das coisas,
como quem colhe uma Rosa
num Caminho,
tudo seria tão exato e completo
que perfeitamente
eu diria
«meu amor, como eu te amaria».
Ah, o espanto da madrugada em Mim,
quando insone
a noite se adianta antes do dia
e, ao Longe, o oráculo das horas ouço no breve tanger
dos Sinos do Mosteiro,
Ah, mas eu acordei primeiro.
Devagar se despe o Coração
e sem as roupas
da emoção
é tal como para um lírio
o desfolhar é um martírio.
Entre o sonho e a realidade,
nasce
a Rosa verdadeira
Aquela que é a primeira num recanto
do Céu,
mas também no roseiral
onde não há uma outra igual.
Tu que permaneces ausente e misterioso
vem florir
neste jardim que é novo
onde as aves pousam rumorejando
e as fontes gotejam -
mas até quando.
À noite, acendem-se as luzes elétricas nos andares
e cada prédio é um firmamento,
um pedaço de Céu,
com um mapa estelar,
que só eu ouso desvendar.
As copas das árvores reluzentes em verde e oiro,
a chávena de café à minha espera,
o livro aberto -
tanto do Universo em Mim desperto -
mas o silêncio
do mundo
é maior e mais profundo.
Levei para longe o pensamento,
tão longe
que no longe se perdeu -
e dessas alturas do Céu
distante
choveu uma chuva de diamante.
As coisas simples que os meus olhos veem
são luzes brandas
de uma tristeza que há em Mim -
oh, se pudesse sempre ter o amanhecer
dentro do meu Ser,
que Fado eu recriaria
na despedida de cada dia.
Despi o Coração das vestes andrajosas
da imaginação
e regressei a Mim mesmo
autêntico, puro e real
tão perto
de quem sou afinal.
Como um Céu por todo o lado,
e por todo o lado
imensidão,
digito o pensamento
de forma a caber
na branca página do meu Ser.
De que lugar vieste, ó claridade, ó luz,
para romperes a Noite escura
da minha amargura
- e simples e mais simples é o Caminho
da tua luminosidade
flor que encantas na Cidade.
Tinge-se de amarelo
o momento mais belo deste dia,
quando sonhando eu imagino
do passado a lembrança
que traz no acaso da vida a Esperança.
A casa, do lado de dentro,
parece coisa morta sem porta de fechar nem de abrir
e o incenso que se incendeia
defuma e no ar volteia
e rodeia
o meu pensamento
que sempre se perde no vento.
Talvez a renda neste bordado
seja mais que a prata e o oiro -
nela está o meu tesoiro -
Horas de tanto pensar e bordar
Horas de um santo caminhar
é oiro
- aqui está o meu tesoiro.
À janela, de vigia, sei que não posso encontrar
essa onda do Mar -
mas firme eu permaneço -
e, à janela, eu até esqueço
essas dores
do Mundo inteiro
vendo o cimo do meu outeiro.
Há versos silenciosos,
tal como há uma Verdade nunca dita
mesmo quando
a Palavra de perto te fita
e são vagas de assombro
e são ondas de espanto
que duram eternamente tanto.
Canteiros e canteiros de flores
ladeiam este Caminho
- aonde vais, esse não é o cais -
e, se procuras o destino,
vai, sê para sempre um Menino.
A fragilidade de um dia comprido
ecoa nos meus sentidos
como se com uma ténue linha eu bordasse
num lenço de dizer Adeus
e nunca mais eu encontrasse
a paz vinda dos Céus.
Fica noite de repente,
como se só ela sendo bastasse,
cordão preso ao meu regaço,
triste Abraço.
A paisagem universal
que este canto
celebra
é igual, afinal,
aqui e lá
- mas quem voará
Nas esquinas da Felicidade,
é que o meu Coração
alucina
e essa loucura pequenina
é uma vida a arder
dentro do meu Ser.
Leio as páginas do livro da vida,
como leio os sinais
das Palavras num verso inacabado
e vejo e leio e adivinho
a Dor
negra como a cor.
Porque aqui
o Sonho me conforta,
adormeço, mas não esqueço
o que a vida é
sem fé.
Passa o vento, passa,
como correndo à procura de Ti,
e, no espanto de Te encontrar, Guerreiro deste lugar,
minha Alma vaticina
que é tudo um manto de Neblina.
Se amas a Rosa, por que a hás de colher,
deixa-a amanhecer e entardecer
no Roseiral
pois no instante exato
findará o seu ato.
De tudo ao que em redor eu olhei,
em liberdade,
foi, sem ser, a Cidade que colheu a minha paixão -
os edifícios e a turba
os vagabundos e os pederastas
e o movimento que não para
isto, sim, é uma coisa rara.
Nas florestas da Andaluzia,
nas noites de lua cheia,
o clarão tudo incendeia
árvore planta animal ou homem
na luz se somem
mas nunca dormem.
Penso e o pensar também cansa -
é como uma dança
em que dançamos sem par
sem a música parar.
Chegou a tarde e os lares
na cor do entardecer
esperam a noite
e os seus terríficos pavores
são como num sonho acordado -
a lembrança dum pecado.
Havia tanto para contar,
nesse tempo de terra, sol e mar,
que eu perco a hora da memória,
em que vieste e depois partiste,
andorinha triste.
O que se passa por dentro é só Caminho
é uma estrada comprida
onde eu vivo a minha vida -
e neste pedregoso terreno
encontro em cada ânsia
a plena substância.
Alheio ao tempo que emigra
para a eternidade
folheio aquele livro das horas
onde escrevi
a imensidão de estar aqui.
Em toda a natureza, há um deslumbramento
de cor
verde lilás vermelho amarelo
que é belo -
tão belo como a raiz
funda negra
na terra entranhada
como na noite a madrugada.
Tão perto a cidade com que eu sonho
que até parece real
e de tocá-la não me canso
ela é como um cavalo manso
levado por rédea de ouro
até à beira dum bebedouro.
Como com as ondas vivas no seu labor,
quererás Tu, Senhor,
que seja também assim o movimento
de toda a vida -
uma chegada e uma partida
uma partida e uma chegada -
desde o nascer da alvorada.
Talvez seja a imaginação
a dizer-me
a Palavra no Coração escrita -
mais amarga que a Dor é a desdita.
Porque o instante existe,
acredito -
e como a orquídea que espera pelo florescer
assim, à minha espera, também vive o meu ser.
De todas as palavras guardo
as mais Belas,
aquelas que volvem da eternidade
e são no destino
o tanger de um sino.
E aquela voz dentro de Mim,
que conta
uma história
de um devir de glória,
é como uma concha no fundo do Mar,
perdida, não a posso encontrar.
Semeia e colhe -
não te iludas vagueando na imaginação,
pois nada é pior para o homem
que as horas que se somem.
Só no canto de um Poeta
gira o mundo, como gira o sol,
estrela brilhante
que ilumina o Coração
a cada momento com retidão.
Pudera ser milagre o final da tarde,
quando na tarde eu era sozinho
e de Mim cada caminho
não era tarde nem cedo
e eu não tinha nenhum me-do.
O ocaso do sol entristece o meu Ser
e não por o sol não haver
ele há
mas como tudo o que está perdido do olhar
amarga
também o meu Coração naufraga.
Voou com o vento
e desapareceu no ar
a boneca de papel que eu quero amar -
e triste e sozinho, adulto que sou,
a infância não bastou.
Outro foi o tempo
e a vida consentida pelos deuses
aconteceu -
mas, ó quimera, do tanto que era
e do muito que se perdeu
aqui anoiteceu.
Sentei-me a esperar
a esperar
pelo meu Ser
como se estivesse à beira do mar
esperando pelo sol nascer.
Somos apenas visitantes
errantes nos caminhos que findam
e sem outro horizonte
vemos a água das fontes
correndo do cimo dos montes.
Milagre da natureza é a Beleza
que existe em nós
da nascente até à foz.
Passo a mão pela mesa de madeira,
como quem acaricia
uma pele orvalhada
no meio de giestas e urzes
da mais alta montanha -
mesa, pele - coisa estranha.
Nada me prende a este lugar,
nem a imensidão do Mar
nem a gota fria das ondas,
porque aqui não há a planura
nem decerto a lonjura
dum gesto que sempre dura.
Distantes, na inquietação dos dias,
quando a Alma
perde o seu vigor,
apenas as árvores na cidade
são o sobressalto da Liberdade.
Desço os degraus de um tempo que antes foi
noutra idade
um rio de Liberdade -
quem dera, não era,
ter esse lugar à minha espera.
Oh, doce canção,
cujas palavras me despertam
em oração,
leva-me na senda da vida,
e triste e em dó,
canta para Mim só.
O verde acolhe a cor da montanha verde
e a paisagem perdura
no teu olhar de pássaro preso
como se a montanha sem idade
fosse um verde de verdade.
Colho a Rosa e guardo-a no Coração,
antes de ela amanhecer
no Poema - inteira completa perfeita
com a substância
do meu tempo da infância.
Ó Vida, das mil faces transbordantes,
por que não nasces em Mim,
quando na largueza dos instantes
o meu Coração se ilude
e na rudeza
se afasta da Beleza.
Dos astros nada sei
senão que pulsam tão perto
que eu obedeço como na vida
se obedece sem se perceber
que manda a vontade do nosso Ser.
Não deixes que o tempo seja mais forte
que o teu desejo de encontrar
uma chama acesa
nessa tua natureza.
Pressinto um branco instante,
no dia claro,
tão branco e tão luminoso
que o Teu rosto futuro há de ter fome
de searas doiradas
antes de serem ceifadas.
Folheio o livro,
procurando encontrar a Palavra nua,
despida, e toda singular,
do verbo acordar.
A cotovia é uma ave que eu via
no bosque dum Sonho
suave e passageiro
e, como tudo o que é pouco e finda,
hoje ela é uma ave linda.
Não busco o vento,
pois a violência de cada rajada
é como a memória do Mundo,
na dor, um nada.
A intensidade da Luz ao entardecer
é maior no meu olhar
que perscruta as copas das árvores nas alturas
de uma Catedral procurando,
no verde brilhante da cor,
ver um Anjo do Senhor.
A este chão que eu piso
com a firmeza de um gigante
estão presos os candeeiros que dão a luz
noite fora
como se fosse sempre a mesma hora.
Só o silêncio me move.
Nada mais
rompe as alturas da nota muda,
que reveste o Teu canto,
e no silêncio soa
e é uma ave
que para Mim voa.
Nestas folhas lisas de papel,
é que eu quero ser o amanhecer
dum Poema -
da noite escura da alma, informe,
como letra que dorme,
ao primeiro despertar da cor,
eu escrevo a Palavra Amor.
Algures no tempo da vida, a grande viagem
espera por nós
e cada um irá sozinho
pois é essa a lei do caminho.
Planto um jardim por fim
e esse jardim está em Mim
e voam borboletas a esse encontro
azuis amarelas como são tão belas
no meio das flores
e suavizam todas as minhas dores
Toca os meus sentidos todos
esta terra que geme
porque os Poetas sem sombra no olhar
e que a clara luz ressuscita
a Voz são a bandeira que se agita
e o grito que grita
Era a lembrança um outro tempo
tempo de uma brisa fácil
de acariciar com o rosto
e com o corpo na mais larga medida
de que tudo vale a pena
numa vida
Gosto de pensar na gota de água
que se evapora
e depois chove para ser regato e rio e mar
e neste infinito do Ser
me leva para Além a palavra mais pura
verso novo na suma lonjura
No hausto em que partimos é mais grata
a lembrança
de tudo o que fica para trás
um livro uma lapiseira uma folha de papel
uma segunda pele que veste a memória
e é este o passado e a glória
Em todas as artes há um poder
nascido do querer
que eleva todos os mendigos
e serve de abrigo
e é ninho de proteção
como quando um anjo nos dá a mão
É de um trigueiro cálido este horizonte
de quase verão
onde eu poiso a minha mão sonhando
que eu sou gigante
e que nada é distante.
Um pouco de Coração
e a Alma sempre a viajar
como deuses que ao destino obedecem
e nos caminhos da vida crescem.
À tardinha, à hora de pensar,
brinco com o brinquedo de corda
e é esse o meu meditar
e roda que roda, balança balança,
com o brinquedo de corda
sou sempre Criança.
Eram ondas e ondas no Mar
a atravessar outras e outras ondas
mas não havia tempestade
era no tempo a Saudade
de uma outra idade.
Ontem foi o dia de ser em Esperança,
foi o dia de ser Criança,
de esfolar os joelhos caindo no chão
e em que cada Estrela amarela
era do tamanho duma janela
larga imensa copiosa
numa aventura venturosa
Porta dos que caminham e chegam
ao destino
a ilha,
e atravessam os me-dos
e sobem ao alto dos rochedos
sempre com a Confiança-raiz
no caminho que agora eu mesmo fiz.
A água mais pura da fonte da vida
não pode ser colhida
sem que o olhar fite a procissão que vem
trazer límpida na lonjura
a água que sempre dura.
Ao anoitecer, a cidade deixa de viver
e é nas ruas desertas
porém
que eu sou alguém.
E é por tanto imaginar na imaginação
que um verso nasce da imensidão.
Me movo na direção do vento,
sem pensar
nem ter cuidados,
nem viver como quem se segura
a um rochedo de amargura.
No vaso de flores, não morre a vida -
pois na raiz,
eterna matriz,
a planta tem a sua firmeza -
e o meu Coração raiz da paixão
medra devagar
sempre
em outro lugar.
Entre as estátuas brancas o meu rosto
mais firme do que a pedra
imóvel fita
a substância do amanhã
que a saudade traz
e neste vento se desfaz.
É junto ao grande lago que encontro
o espelho verdadeiro,
onde a minha Alma brilha,
e é um mistério sem cruz
a minha e a tua luz.
E tu, que és,
fantasma do passado,
dor que sempre me fita
e me deixa num torpor,
porque não vem um salvador.
As estrelas entram pela janela do quarto,
ou será apenas a sua luz
que reverbera no soalho de acácia,
trazendo a claridade para dentro de Mim
e mais dentro
um dentro sem fim.
Eis-me no Caminho que os deuses trilham,
pisando, fortes e robustos,
um chão, poeirento e pedregoso,
é um chão do povo,
um chão sedento na lama
e que por Ti, Companheiro, chama.
Inquietação serenidade plenitude
e o mais que cabe num verso
está em Mim
quando agarro numa chávena de café
e vou sorvendo o líquido escuro
lentamente
como quem bebesse da Alma
um pôr do sol numa tarde calma
À hora em que o dia sai da imensidão da noite,
da frente para trás,
desfio a lembrança mais audaz -
quando mouros e cavaleiros com ceptro e espada
buscam glória e memória
no tempo
que hoje é
ao nosso pé.
As horas se consomem no tanger do sino
e eu vejo-me pequenino
de mão dada com o meu brinquedo
uma boneca de pano
e não havia ilusão
nesse tempo de quietação.
Labirinto de Creta nestas ruas desertas
onde a aventura é mais pura
lá eu caminho
e é de Confiança
e sinal de esperança
cada saída que se alcança.
À noite, no firmamento, eu vejo sempre uma estrela
que é bela,
não lhe sei o nome,
por isso digo «ó Luz»,
vem aclarar a minha cruz.
A neblina cobre a serra ao longe,
mas mais Longe ainda
vive esta Dor que não finda,
névoa pura,
que sempre dura.
O prelúdio do dia é na madrugada que se colhe,
nessa hora escura e fria,
que também é sombria, quando para ela se olhe,
também na vida é assim -
um céu muito Azul
e muito claro
nasce da noite no breu
em que um homem primeiro se perdeu.
O tempo se desfez como bola de sabão
solta na aragem da tarde
e o sonho também
acreditei na forma justa no mundo
acreditei
e, afinal, me enganei
tudo era ilusão
de um jovem Coração.
Apressam-se os homens antes que seja tarde demais
para o dia nascer de novo e novamente
elevados à altura dos deuses pedreiros
construírem na cidade
um lanço de eternidade.
Na talagarça pesponto um ponto
e desenho
numa aventura de artista
a árvore tombada pela ventania
que lembra uma cruz fria.
Mas se olho de cima para baixo
do céu para a terra
a árvore se eleva.
O santuário do Coração está cheio daquela vida
que incensa e sagra
cada instante
que nos leva para diante.
Um sorriso azul aconchega-me na tarde
como se o Sonho florisse
no teu rosto
e do cais de onde partem barcos de papel
um lampejo claro de luz
reverberasse
e luzindo chegasse.
Assombro de não ser uma estátua
nua de pedra fria
que apenas visse passar o coletivo da multidão
indiferente
à dor do presente.
Florescem os jacarandás
e um manto lilás cobre o chão da avenida
de novo
é o maio maduro da cidade
que se demora
eternamente agora
À vista a Montanha,
íngreme subida,
e que importa chegar ao cume
se a branca magia
se o sortilégio do Coração
é não subir um degrau em vão.
No jardim aberto colho a Rosa verdadeira
e ela me acompanha
até à hora final
e, sem porquê saber,
novíssimo dia está a amanhecer.
Atravessado pela luz, o pássaro vermelho voou
solto do ramo verde e doirado
que dá o abrigo
e na busca do verso que eu persigo
vejo na Natureza
um exemplo de grandeza.
Naquela rua aonde nunca passei,
espera-me, transparente e nua,
essa graça que é a tua.
Multiplico cada hora da vida por uma fração de tempo
e o resultado me cruxifica
nisto que é a suma verdade
o amanhã é demasiado tarde.
Um gesto demorado, muito lento,
como se com as mãos e o corpo cortasse o ar
e o tempo
cuja ausência me grita
é dor
a tristeza dum penhor.
Há um tempo em que está frio
e há um tempo em que estou triste
tudo na vida existe
tal como um rio corre naturalmente para o mar
sem precisar de o procurar
Um pouco de céu
basta
e não é longe nem perto
é na perfeita distância
do homem na sua ânsia.
Não queiras adormecer.
Deixa o sol viver dentro de Ti
pela noite fora,
como no dia de agora
em que pela porta entreaberta
se vê a tua Alma liberta.
Caminhos sem ninguém
e ao longe a águia imponente
que habita o Coração da gente
cruza os ares da infância
e não há não há distância
No céu da imaginação, o Sonho é sempre lilás
porque um deus o faz -
mas a caneca partida e a flor murcha no vaso
são no contraste a minha vida
são o que do assomo em Mim eu faço.
Eclodem as folhas verdes na árvore
e, então, percebo
que a vida assim acontece
mesmo que seja estranho,
neste acontecer,
só a minha alma ser a viver.
Veio à terra a promessa
de que o sol e a chuva nestes caminhos
não mais nos encontrarão sozinhos
e mil homens acordaram
e num abril madrugaram.
Timidamente floresce a orquídea,
presa ao chão da terra
por onde caminham os meus passos
e heroicos e gigantes
têm a grandeza dos instantes.
É na esquina destes prédios que me confundo,
procurando o jardim
que há ainda dentro de Mim.
Parece que estou sentado à beira rio,
vendo o curso de água a passar,
qual espelho fugaz
que me mostra que no entardecer
a luz é uma ave
num voo mais suave.
Escolho uma a uma as peças da loiça quebrada
são cacos indiferentes
tocados pelo frio
dum armário vazio.
Goteja dentro de Mim também
a chuva que cai do lado de fora
e a cadência é igual
dentro e fora do meu beiral.
Encaro o esforço de cada dia
como uma caminhada
ou como se construísse um verso
- passo a passo sílaba a sílaba
tudo se repete e é diverso
Do Norte da casa, avista-se o poente agora
- e até parece que para sempre
se vai embora o sol e a luz,
quando à tardinha eu perscruto a grandeza do horizonte,
como quem bebe a água de uma fonte,
desejando que os raios de luz
se escoem e eternizem na natureza,
e seja essa a minha certeza.
Deste-me um nome
talvez túlipa ou borboleta
para florescer ou esvoaçar
aqui ou noutro lugar.
E sempre na largueza da vida
e no que ela contém
deste-me um nome e eu sou alguém.
Sento-me a escrevinhar,
sabendo que o sol poente
por um momento não quer abalar
e, então, cheio dessa Luz,
na folha de papel,
a minha Palavra me conduz.
O canto de dor do mundo chega aqui
e está tão próximo de Mim
que até parece estar à minha beira
e talvez seja pecado
tudo estar tão ao meu lado
e eu estar amordaçado.
Mais pura e limpa a madrugada,
se puder ser encontrada
naquelas palavras que sussurramos com a voz,
quando a Paz está dentro de nós,
e, então, a luz que brilha em luz de um fragmento da lua
de sombras se despe, nua fica
e a noite santifica.
Nas terras altas, o louco tem abrigo,
pois o Céu
está consigo.
Vem o anjo da paz a esta Hora,
quando no meu coração
a aflição
e a tormenta
me deixa de si sedenta.
E, então, por um instante que é eternal,
não há no mundo nem dor nem mal.
Bem-vindo, verso, num dia de sol,
tens mais luz,
e vestes-te de cores,
como se neste mundo fosse perfeita
mesmo a palavra mais estreita.
Regresso à Fonte da vida,
que, como um fio de água a escorrer,
liberta todo o meu Ser.
E é plácida a Hora calma
desta tertúlia que vem da alma
para me encantar aqui neste lugar.
A alma, porque a perdi,
não mais a achei,
nem mesmo quando se iluminam as ruas ao anoitecer
e os caminhos ficam mais claros
para se encontrar
o conjuntivo do verbo amar.
Pus-me diante dum espelho
e por um instante era eu e outro de Mim
com as mesmas e únicas raízes fundas mergulhadas na terra
então abracei-te-Me
e pude colher o fruto maduro
de um abril futuro.
Ao meio-dia ainda não era tarde demais
para o canto da cotovia
e eu todo o dia esperei
mas do Universo era a lei
que dizia
espera por outro dia pelo canto da cotovia.
Ó cheia de graça, mulher divina,
que carregaste uma cruz,
aparece agora plena de Luz
em Todo o campo de batalha
onde o sentir a vida se enxovalha.
É abril e, neste ocidente,
vigio da amurada
as nuvens que são como castelos de ameias altas
que eu quero que se dissipem
rapidamente
para que o Céu resplandeça
e a hora não esqueça.
Não conhecia o Mar, antes da onda
que trouxe à areia
a espuma branca e pura
vinda da suma lonjura.
De nenhum pássaro conheço a história,
mas acredito que há um grito
tão humano como o meu,
se sem sonho e aflito
o pássaro se perde no céu.
Assombro de Te encontrar
em todos os lugares
longínquos
montanha floresta deserto
e no interior do Mar
tão perto
É um verso por certo que ilumina a escuridão
e faltam versos
no Mundo
tanto que me confundo
Pinto o barco de vermelho
e deixo que o milagre deste dia
seja a onda que me leva e leva e leva
até à Tua dor
que se transfigurou em Amor.
Uma brecha no céu, entre as nuvens,
é suficiente
para que o dia amanheça brilhante
na largueza de um instante.
Deleto letra a letra a palavra escrita
e nada sobra
assim como na vida
- semântica vazia do verso começado
e logo estilhaçado.
Chove
e no silêncio de Mim
nada se move
jaz a turva inquietação
como um rio que de repente
se afundasse num oceano ardente
Brinca o Universo com a poeira estelar
e nasce uma galáxia
tão perfeita que um mundo contém
grão de areia
que é de ninguém.
Cheguei e era primavera no jardim.
E de tão longe eu caminhei
que esperei
que a busca tivesse chegado ao fim -
e procurei, mas não encontrei, afinal,
por entre as estátuas erguidas,
as glórias neste mundo consentidas.
Só dança quem a música ouviu
lembrando
e bailando mesmo contra o vento
aquela melodia que a brisa traz
e que é um hino de Paz.
Tão em breve será o tempo das papoulas
e do trigo maduro nos campos
e lá chegarei
mondando em versos incompletos
pensamentos concretos.
Passa a hora que passa
e passa também a tua vida
por isso enche de água a jarra da flor
tal como quem rega um jardim
e sabe que chega o fim
Na esplanada do jardim, quase ninguém.
E a grande cidade
fica assim despedida
do encontro com quem nela passa
e se entardece
porque cada dia chega ao seu fim
apenas me vejo a Mim.
É em tons de Azul que o verso se compõe,
primeiro uma palavra solitária,
como que regressada da grande viagem estelar
do caminho do pensamento,
depois, do silêncio por fora e por dentro,
nasce timidamente uma melodia,
e, como quem o poema já sabia,
eclode num clarão o dia.
O sol por entre as nuvens em Mim
porque é dentro
que nasce a primavera
a cada hora
em que o inverno se vai embora.
Será que existe um lugar onde o sol brilha sem cessar,
e nunca é noite nem entardecer,
e onde nunca alguém se pode perder
talvez talvez talvez
no meu Coração uma outra vez.
Morei num Sonho ideal,
paraíso talvez,
quando na Infância
eu nunca perdia a Substância,
depois cresci, e do Sonho me desfiz.
Tanta a luz que por um momento
o meu olhar é para dentro
na procura daquele rio silencioso
que se chama paz
no mundo ou em Mim, tanto faz.
Colhe a rosa,
não te demores
e deixa que a fragrância do seu perfume
seja como um incenso na hora da despedida
um breve sopro de vida.
Chego à rua mais estreita,
onde janela a janela,
os prédios formam uma caravela.
E, então, embarco e parto para esse Longe
que só existe no teu Coração
- ilha afortunada
em mares e marés perdida
em cada instante da vida.
A porta está aberta e soa o tanger dos sinos
ecoando na habitação -
memória de ter sido como aquele que sente -
entre tanta gente
de tão estranha condição
que, hoje, à minha beira, só há solidão.
Vai devagar,
não tenhas pressa de chegar ao fim do caminho
e cada passo que deres com confiança
dá-o como se fosse o primeiro
e o derradeiro.
Deambulo pela cidade como quem procura
sem encontrar
um recanto de paisagem natural
tanto de árvores tanto de verdes giestas
aonde estão os arbustos onde poisam as aves
para as ouvir cantar
não sei - perdi-me no emaranhado das ruas -
e só vejo pessoas cruas.
Ainda é inverno e a planta de Natal resiste
vermelha e luzidia
a lembrar que mesmo o destino
numa manhã sombria
pode ser de cor e de Alegria.
No teu regaço, Mãe Divina,
não há sofrimento nem triste sina
nem calvário nem cruz
há só uma esperança infinita que conduz.
Por um instante a claridade
e é demais
o brilho da luz na madrugada branca
imaculada das dores
com que depois acordará o mundo
quando acordar
e a luz não puder encontrar.
Em filigrana desenhadas
as deusas,
na chávena de porcelana,
são tão mortais
e de toda a Mulher tão iguais,
que por sorte me tornarão mais forte.
Já é manhã e já entardeceu.
Que é hoje ou que é agora,
se minha Alma não tem hora.
Quiseras o infinito de sombra a sombra
neste lugar,
mas o instante sereno
contém o que na Alma lhe vem.
Por isso, querendo, sacia a tua sede dessa eternidade
e atravessa brandamente cada tarde.
É na madrugada que eu escuto o silêncio da noite
como se não tivesse estas paredes
e as janelas estivessem rasgadas no horizonte
no cimo do monte
e então tão perto do Céu
me parece que lá fora esta quietação
habita dentro do meu Coração.
Esqueço-me, às vezes, no tanto de estar só,
que as multidões se domam
no ser e na esperança
e o que resta desse mal
é a qualidade universal de ser igual.
E um pássaro cantou
e encheu de voz o silêncio na tarde
como se tudo o que fosse preciso se dizer
estivesse contido no seu ser.
Meu olhar pousa no mar,
esperando dos Marinheiros o regresso,
que aventura é partir,
sabendo que se há de vir.
Choveu. Antes o sol brilhou.
E, nesta bela inconstância,
é recordar a infância.
Como quem procura a paz,
eu procuro um verso
que se desdobre num cântico e num hino de amor
é esta a minha oferenda para o mundo
que demora um segundo a ler
mas que preencha no homem o seu ser.
Talvez, se meter a mão no bolso,
eu encontre o fio e o pião
e as lendas das fadas verdadeiras;
e tudo o que existe,
e que não é triste, cabe num bolso de calção
o terreno da imensidão.
Dei-te de presente as palavras, puras,
que eu mais amei
e com elas tu fizeste um verso silencioso
simples e imortal
como um desenho afinal.
O vento frio verga os ramos mais altos
da copa da árvore
e parece que cada ramo se vai partir
com a dor desse sentir.
Como te moves, numa cadência angular,
que no início das coisas queres pousar,
és uma borboleta
e no meu espanto te vejo andar
como quem procura onde começar.
Que estradas ficarão
desses caminhos que seguimos
de Alma lavada e nua
e se a esperança não morrer
não podemos no mundo nos perder.
Sonho, afinal, antes do sono vir
e parece-me sentir
que subo um interminável monte
e como quem no cimo do horizonte
tocasse o céu e uma estrela
acordo do sem dormir
e aguardo pelo que há de vir
Infinitamente breve, o instante que passou
leva com ele o pensamento
do que sou
e assim tão longe na distância
corre o Tempo numa suma eternidade
que de Mim tenho saudade
Noite, antiquíssima, que geras no teu seio
o clarão que alumia os povos,
vem mansamente
para que do teu regaço
nasça um novo
passo.
Agora reparo que é estranha a Mim
a ausência e um fim
por isso quando de brilhar o sol se esquece
e o ocaso não é ilusão
perduram as horas no meu Coração
A linha da encosta lá no alto
toca a linha do céu
e tão perto e tão distante
lembra que também nas nossas vidas
se entrelaçam linhas parecidas.
Esta é a hora mais mortal
a do silêncio
no tanger dos sinos
que antes de alegria soaram
e no meu Coração tocaram
Pelas ruas do meu bairro,
sou corsário
singrando em belas naus inventadas
e quando chego ao cabo do mundo
vejo que o Sonho é profundo.
Respiro o sopro dos dias
como quem
o faz pela última vez
e é uma força que daí vem
colhida em ninguém
Dou-te a mão e penso
que é estranha esta condição
de dar a mão dando eternamente o coração.
Abro o livro ao calhas como numa adivinhação
e o que encontro é uma página
em branco,
sem caracteres nem palavras,
muda num silêncio puro
parece que o Mistério se cala
tal como deus não fala se é ou não eterno e imortal
e dos homens semelhante ou desigual
O manto branco de neblina na encosta
faz-me pensar
que é num dia chuvoso e cinzento
que um homem se vê melhor por dentro.
E o fim da tarde chegou como uma esquina
entre dois prédios
que conhecemos bem
mas de um e outro lado a sombra e a luz
parece uma enorme cruz.
Todo o dia meditei
sobre a Verdade do meu Ser
realidade ou ilusão
se ao menos nas ilhas Afortunadas
eu pisasse o firme chão
talvez que a Verdade nascesse no meu Coração.
Não esqueças que o rio apenas corre
numa única direção
e que quando no silêncio morre
tem no mar a vastidão.
A escuridão veio com a noite que chegou,
mas o final da tarde foi lento
a passar -
um sol que começa a nos namorar.
Fito na brancura do pensamento o fruto
já maduro
e trinco nas sílabas das palavras as duras sementes
até que um amargo na boca
faça estremecer
o desenho do poema no meu Ser.
O dia amanheceu cinzento
tanto
que não pude eu amanhecer
na luz de um outro viver.
Fez-se silêncio à minha volta
e em Mim
e nas paredes da casa já não escorre
na brancura
o tardar do tempo desse Longe
que é ter no Coração
a terra prometida
quiçá perdida.
Eis que a vida acontece,
qual chávena de chá de beber,
que eu agarro
e prendo na minha mão
sem sorver o gole da imensidão.
Domingo à tarde. Ninguém pelas ruas da cidade.
Apenas eu ouso atravessar a avenida
como quem procura na vida
o regresso
à casa da lembrança
de quando eu era Criança.
Colho a romã e cada bago vermelho
rola no meu seio
como uma semente de vida
que apetece trincar
para infinitamente estar.
Entre a minha casa e o resto do mundo
a distância
e parece que dos confins da Terra
me chega um rumor
- triste -
a guerra persiste.
Era uma parede muito azul,
tanto, que era como se escorresse do Céu a cor
e, então, eu encostava-me nela, ou no céu,
e era um lume
cá dentro de Mim
que nunca chegava ao fim.
Um sorriso é o que basta
do princípio ao fim de uma vida
é ternura infinita
é amor que não se esquece
e que ao mundo se oferece.
Nos corredores do desassossego,
há muitas portas viradas para o lado de dentro
que perturbam este meu pensamento.
Eis que a tarde chega ao fim.
E não sei porque vem da obscuridade o dia -
mas vem
é na noite que nasce o clarão
da nossa imensidão.
Ó centro de tudo, talvez nos confins do mundo
onde é sempre primavera,
possa um verso nascer no meu rosto
e ser um tesouro
de prata e ouro.
As estrelas têm aquela luz natural
que aos meus olhos
parece irreal
como quando abro a porta da rua
e a noite nua
e sem distâncias
reverbera em mil fragrâncias.
Tamanha era a esperança
que no meu Coração pousou
que não viu não quis ver
um amor a morrer.
Sozinho caminho
e misteriosamente a estrada que fica para trás
no meu peito se desfaz.
Como quem procura uma floresta,
no meio de cimento e alcatrão,
assim meu Sonho
é em vão
pois neste mundo real
sonhar é coisa tamanha
que até parece estranha
Com um verso se conversa longamente,
que é tertúlia sem enfado
nem pecado
e por isso quem verseja
tem nesse mourejar
o mundo e um lar.
Silêncio, que, sem perturbação,
as horas idas
na solidão inflamas,
devolve-me a comoção e a piedade
daquela outra idade.
O meu ser real procura-Te,
Alma e Vida,
para nessa imortalidade
eu ser de verdade.
Nu o olhar com que agora vejo o passado
entristece como uma paisagem
que é real,
verdadeira e sempre igual.
Ao longe, a sirene soa,
e é urgente
entre as nações a paz
e entre os homens a justiça
tanto que no meu pranto
só me espanto.
Nunca se regressa ao mesmo lugar
- tudo é outro e diferente
até o que se sente.
O clarão das luzes elétricas da rua
despe o céu de estrelas
e a noite povoada de mistério e de deuses
é agora um palco nu e deserto
no meu Coração aberto.
Aonde fica o espelho do Mar,
que só a minha Alma
crê e vê
como nele uma barca a navegar
uma e outra e outra vez.
É um quase silêncio.
E neste rumor cristalino
pressinto a água duma fonte
que apetece beijar e sorver
com todo o meu ser.
No ocaso do nevoeiro, tudo é penumbra,
menos a Tua voz,
sonoro Mar,
que vem a me buscar.
E nessa entrega eu sou aquele que procura na imensidão
do oceano do mundo
um sentir mais profundo.
Pela janela azul, entram e saem as estrelas
quando é noite
e, na escuridão, brilham apenas os astros celestes
e é então que no meu Ser
límpida e pura
a solidão perdura.
Havia um tempo em que o meu olhar pousava
numa orquídea ou numa rosa
e cada flor tinha a sua cor
como se o existir se vestisse de fora para dentro
em cada meu pensamento.
Quem dera saber o mistério
e viver
sem o anoitecer.
Lembrança de ser Criança
com o mundo inteiro nos olhos
e de mão dada
é mais bela e pura toda a jornada.
O sussurro das horas a passar
na fragilidade
do dia
requer um fogo de chão
- um braseiro do Coração.
Agarro a chávena largo a chávena
tanto faz
não importa se chove ou se faz sol
se não for límpido o pensamento
que me dá a guarida
a cada instante da vida.
Em todo o dia eu não encontrei
um homem, uma mulher e uma criança
trazidos pela esperança,
mas a claridade perfeita nasceu,
quando percebi enfim
que a graça está em Mim.
Chegaram e rompia o dia,
e uma estrela
celebrada
brilhava na madrugada
e não houve mais ousadia
que aquela de ajoelhar
e um pequeno deus beijar.
Voltarei também eu um dia,
como regressa sempre um amanhecer,
e colherei, se assim for,
o teu gesto de amor
e as palavras que na tua voz
me dirão
do mundo a imensidão.
Tanto de quietação,
serena placidez,
que voa minha Alma uma e outra vez.
E, neste recanto perdido, o mundo justo fica
por um momento
longe de qualquer lamento.
Há dias assim -
canto só para Mim -
também aquela ave cantou
e não tinha vizinhança
mas não deixou perdida a esperança.
Por um instante, o filme da minha vida
passou de fugida
e foi de quietação
e foi de serenidade
como se saísse da eternidade.
Medito um verso,
o primeiro de janeiro,
e vejo nas pegadas do passado
a cal e as flores mortas
em todas as portas.
Mas um verso triunfará
na Paz
do nosso destino fugaz.