Pinto o barco de vermelho
e deixo que o milagre deste dia
seja a onda que me leva e leva e leva
até à Tua dor
que se transfigurou em Amor.
Pinto o barco de vermelho
e deixo que o milagre deste dia
seja a onda que me leva e leva e leva
até à Tua dor
que se transfigurou em Amor.
Uma brecha no céu, entre as nuvens,
é suficiente
para que o dia amanheça brilhante
na largueza de um instante.
Deleto letra a letra a palavra escrita
e nada sobra
assim como na vida
- semântica vazia do verso começado
e logo estilhaçado.
Chove
e no silêncio de Mim
nada se move
jaz a turva inquietação
como um rio que de repente
se afundasse num oceano ardente
Brinca o Universo com a poeira estelar
e nasce uma galáxia
tão perfeita que um mundo contém
grão de areia
que é de ninguém.
Cheguei e era primavera no jardim.
E de tão longe eu caminhei
que esperei
que a busca tivesse chegado ao fim -
e procurei, mas não encontrei, afinal,
por entre as estátuas erguidas,
as glórias neste mundo consentidas.
Só dança quem a música ouviu
lembrando
e bailando mesmo contra o vento
aquela melodia que a brisa traz
e que é um hino de Paz.
Tão em breve será o tempo das papoulas
e do trigo maduro nos campos
e lá chegarei
mondando em versos incompletos
pensamentos concretos.
Passa a hora que passa
e passa também a tua vida
por isso enche de água a jarra da flor
tal como quem rega um jardim
e sabe que chega o fim
Na esplanada do jardim, quase ninguém.
E a grande cidade
fica assim despedida
do encontro com quem nela passa
e se entardece
porque cada dia chega ao seu fim
apenas me vejo a Mim.
É em tons de Azul que o verso se compõe,
primeiro uma palavra solitária,
como que regressada da grande viagem estelar
do caminho do pensamento,
depois, do silêncio por fora e por dentro,
nasce timidamente uma melodia,
e, como quem o poema já sabia,
eclode num clarão o dia.
O sol por entre as nuvens em Mim
porque é dentro
que nasce a primavera
a cada hora
em que o inverno se vai embora.
Será que existe um lugar onde o sol brilha sem cessar,
e nunca é noite nem entardecer,
e onde nunca alguém se pode perder
talvez talvez talvez
no meu Coração uma outra vez.
Morei num Sonho ideal,
paraíso talvez,
quando na Infância
eu nunca perdia a Substância,
depois cresci, e do Sonho me desfiz.
Tanta a luz que por um momento
o meu olhar é para dentro
na procura daquele rio silencioso
que se chama paz
no mundo ou em Mim, tanto faz.
Colhe a rosa,
não te demores
e deixa que a fragrância do seu perfume
seja como um incenso na hora da despedida
um breve sopro de vida.
Chego à rua mais estreita,
onde janela a janela,
os prédios formam uma caravela.
E, então, embarco e parto para esse Longe
que só existe no teu Coração
- ilha afortunada
em mares e marés perdida
em cada instante da vida.
A porta está aberta e soa o tanger dos sinos
ecoando na habitação -
memória de ter sido como aquele que sente -
entre tanta gente
de tão estranha condição
que, hoje, à minha beira, só há solidão.
Vai devagar,
não tenhas pressa de chegar ao fim do caminho
e cada passo que deres com confiança
dá-o como se fosse o primeiro
e o derradeiro.
Deambulo pela cidade como quem procura
sem encontrar
um recanto de paisagem natural
tanto de árvores tanto de verdes giestas
aonde estão os arbustos onde poisam as aves
para as ouvir cantar
não sei - perdi-me no emaranhado das ruas -
e só vejo pessoas cruas.
Ainda é inverno e a planta de Natal resiste
vermelha e luzidia
a lembrar que mesmo o destino
numa manhã sombria
pode ser de cor e de Alegria.
No teu regaço, Mãe Divina,
não há sofrimento nem triste sina
nem calvário nem cruz
há só uma esperança infinita que conduz.
Por um instante a claridade
e é demais
o brilho da luz na madrugada branca
imaculada das dores
com que depois acordará o mundo
quando acordar
e a luz não puder encontrar.
Em filigrana desenhadas
as deusas,
na chávena de porcelana,
são tão mortais
e de toda a Mulher tão iguais,
que por sorte me tornarão mais forte.
Já é manhã e já entardeceu.
Que é hoje ou que é agora,
se minha Alma não tem hora.
Quiseras o infinito de sombra a sombra
neste lugar,
mas o instante sereno
contém o que na Alma lhe vem.
Por isso, querendo, sacia a tua sede dessa eternidade
e atravessa brandamente cada tarde.
É na madrugada que eu escuto o silêncio da noite
como se não tivesse estas paredes
e as janelas estivessem rasgadas no horizonte
no cimo do monte
e então tão perto do Céu
me parece que lá fora esta quietação
habita dentro do meu Coração.
Esqueço-me, às vezes, no tanto de estar só,
que as multidões se domam
no ser e na esperança
e o que resta desse mal
é a qualidade universal de ser igual.
E um pássaro cantou
e encheu de voz o silêncio na tarde
como se tudo o que fosse preciso se dizer
estivesse contido no seu ser.
Meu olhar pousa no mar,
esperando dos Marinheiros o regresso,
que aventura é partir,
sabendo que se há de vir.
Choveu. Antes o sol brilhou.
E, nesta bela inconstância,
é recordar a infância.