Passo a mão pela mesa de madeira,
como quem acaricia
uma pele orvalhada
no meio de giestas e urzes
da mais alta montanha -
mesa, pele - coisa estranha.
Passo a mão pela mesa de madeira,
como quem acaricia
uma pele orvalhada
no meio de giestas e urzes
da mais alta montanha -
mesa, pele - coisa estranha.
Nada me prende a este lugar,
nem a imensidão do Mar
nem a gota fria das ondas,
porque aqui não há a planura
nem decerto a lonjura
dum gesto que sempre dura.
Distantes, na inquietação dos dias,
quando a Alma
perde o seu vigor,
apenas as árvores na cidade
são o sobressalto da Liberdade.
Desço os degraus de um tempo que antes foi
noutra idade
um rio de Liberdade -
quem dera, não era,
ter esse lugar à minha espera.
Oh, doce canção,
cujas palavras me despertam
em oração,
leva-me na senda da vida,
e triste e em dó,
canta para Mim só.
O verde acolhe a cor da montanha verde
e a paisagem perdura
no teu olhar de pássaro preso
como se a montanha sem idade
fosse um verde de verdade.
Colho a Rosa e guardo-a no Coração,
antes de ela amanhecer
no Poema - inteira completa perfeita
com a substância
do meu tempo da infância.
Ó Vida, das mil faces transbordantes,
por que não nasces em Mim,
quando na largueza dos instantes
o meu Coração se ilude
e na rudeza
se afasta da Beleza.
Dos astros nada sei
senão que pulsam tão perto
que eu obedeço como na vida
se obedece sem se perceber
que manda a vontade do nosso Ser.
Não deixes que o tempo seja mais forte
que o teu desejo de encontrar
uma chama acesa
nessa tua natureza.
Pressinto um branco instante,
no dia claro,
tão branco e tão luminoso
que o Teu rosto futuro há de ter fome
de searas doiradas
antes de serem ceifadas.
Folheio o livro,
procurando encontrar a Palavra nua,
despida, e toda singular,
do verbo acordar.
A cotovia é uma ave que eu via
no bosque dum Sonho
suave e passageiro
e, como tudo o que é pouco e finda,
hoje ela é uma ave linda.
Não busco o vento,
pois a violência de cada rajada
é como a memória do Mundo,
na dor, um nada.
A intensidade da Luz ao entardecer
é maior no meu olhar
que perscruta as copas das árvores nas alturas
de uma Catedral procurando,
no verde brilhante da cor,
ver um Anjo do Senhor.
A este chão que eu piso
com a firmeza de um gigante
estão presos os candeeiros que dão a luz
noite fora
como se fosse sempre a mesma hora.
Só o silêncio me move.
Nada mais
rompe as alturas da nota muda,
que reveste o Teu canto,
e no silêncio soa
e é uma ave
que para Mim voa.
Nestas folhas lisas de papel,
é que eu quero ser o amanhecer
dum Poema -
da noite escura da alma, informe,
como letra que dorme,
ao primeiro despertar da cor,
eu escrevo a Palavra Amor.
Algures no tempo da vida, a grande viagem
espera por nós
e cada um irá sozinho
pois é essa a lei do caminho.
Planto um jardim por fim
e esse jardim está em Mim
e voam borboletas a esse encontro
azuis amarelas como são tão belas
no meio das flores
e suavizam todas as minhas dores
Toca os meus sentidos todos
esta terra que geme
porque os Poetas sem sombra no olhar
e que a clara luz ressuscita
a Voz são a bandeira que se agita
e o grito que grita
Era a lembrança um outro tempo
tempo de uma brisa fácil
de acariciar com o rosto
e com o corpo na mais larga medida
de que tudo vale a pena
numa vida
Gosto de pensar na gota de água
que se evapora
e depois chove para ser regato e rio e mar
e neste infinito do Ser
me leva para Além a palavra mais pura
verso novo na suma lonjura
No hausto em que partimos é mais grata
a lembrança
de tudo o que fica para trás
um livro uma lapiseira uma folha de papel
uma segunda pele que veste a memória
e é este o passado e a glória
Em todas as artes há um poder
nascido do querer
que eleva todos os mendigos
e serve de abrigo
e é ninho de proteção
como quando um anjo nos dá a mão
É de um trigueiro cálido este horizonte
de quase verão
onde eu poiso a minha mão sonhando
que eu sou gigante
e que nada é distante.
Um pouco de Coração
e a Alma sempre a viajar
como deuses que ao destino obedecem
e nos caminhos da vida crescem.
À tardinha, à hora de pensar,
brinco com o brinquedo de corda
e é esse o meu meditar
e roda que roda, balança balança,
com o brinquedo de corda
sou sempre Criança.
Eram ondas e ondas no Mar
a atravessar outras e outras ondas
mas não havia tempestade
era no tempo a Saudade
de uma outra idade.
Ontem foi o dia de ser em Esperança,
foi o dia de ser Criança,
de esfolar os joelhos caindo no chão
e em que cada Estrela amarela
era do tamanho duma janela
larga imensa copiosa
numa aventura venturosa