O verdadeiro poema nasce e morre
na vida a acontecer
é a gargalhada é o riso
é o feito épico de cada homem
que ninguém conhece
e que nasce e morre e se esquece.
O verdadeiro poema nasce e morre
na vida a acontecer
é a gargalhada é o riso
é o feito épico de cada homem
que ninguém conhece
e que nasce e morre e se esquece.
Escuto
o movimento que permanece
e a hora perdida
e fico na soleira da porta
lendo um verso antigo
contigo.
Em vão me aproximei deste espelho
que mostra minha sombra
anoitecida
é esse o lugar da despedida
onde a vida se desencontra da vida
- mas os passos no Caminho são outros -
anima-me um Sonho de Criança
em roda em roda, numa dança.
Ser nuvem no céu
e passar
passar
lá tão longe no mar -
e se te parece estranha esta minha evasão
é porque não sentiste o meu Coração.
No vagar límpido dos gestos
com que afago
a epopeia de Vergílio,
há um tempo sem idade
- um tempo em que deuses e heróis são reais
e os meus Sonhos são a eles iguais.
Bordei o pano de linho branco
como quem numa pintura bordasse
o sol a flor a ave
e no instante em que bordei
parece que acordei.
É belo o brilho da claridade
se o dia finda
- e em toda a natureza não há igual beleza
que ver o dia a findar
com a luz da coragem de recomeçar.
O sono veio como vieram as flores
que adormecem
e porque tudo esquecemos
da vida
fica apenas a respiração
e o bater deste meu Coração.
Balança, balança,
dá-me a Tua Esperança
e a subtil força do Teu Ser -
ó deus, que longa é a escada
e que dura é a cruz
que ao cimo nos conduz.
É na madrugada que eu acordo,
quando o Silêncio
é perfeito
e a promessa do dia nasce com a primeira Luz,
longe, tão longe,
mas por isso me seduz.
Guardo os restos do vaso quebrado
numa redoma de vidro
e cada caco se ajusta e parece estar
inteiro nesse lugar -
também assim eu sou
um vaso quebrado que se guardou.
Aquieta-se o vento
e no meu pensamento
corre enfim uma suave brisa
e a Palavra,
erguida como estandarte,
mostra a Paz que há na Arte
nesta
e em qualquer parte.
Também se chamava Sonho
à Lembrança
e desatava-se a corda presa à realidade
para se mergulhar num Tempo sem idade.
Se eu colhesse a perfeição das coisas,
como quem colhe uma Rosa
num Caminho,
tudo seria tão exato e completo
que perfeitamente
eu diria
«meu amor, como eu te amaria».
Ah, o espanto da madrugada em Mim,
quando insone
a noite se adianta antes do dia
e, ao Longe, o oráculo das horas ouço no breve tanger
dos Sinos do Mosteiro,
Ah, mas eu acordei primeiro.
Devagar se despe o Coração
e sem as roupas
da emoção
é tal como para um lírio
o desfolhar é um martírio.
Entre o sonho e a realidade,
nasce
a Rosa verdadeira
Aquela que é a primeira num recanto
do Céu,
mas também no roseiral
onde não há uma outra igual.
Tu que permaneces ausente e misterioso
vem florir
neste jardim que é novo
onde as aves pousam rumorejando
e as fontes gotejam -
mas até quando.
À noite, acendem-se as luzes elétricas nos andares
e cada prédio é um firmamento,
um pedaço de Céu,
com um mapa estelar,
que só eu ouso desvendar.
As copas das árvores reluzentes em verde e oiro,
a chávena de café à minha espera,
o livro aberto -
tanto do Universo em Mim desperto -
mas o silêncio
do mundo
é maior e mais profundo.
Levei para longe o pensamento,
tão longe
que no longe se perdeu -
e dessas alturas do Céu
distante
choveu uma chuva de diamante.
As coisas simples que os meus olhos veem
são luzes brandas
de uma tristeza que há em Mim -
oh, se pudesse sempre ter o amanhecer
dentro do meu Ser,
que Fado eu recriaria
na despedida de cada dia.
Despi o Coração das vestes andrajosas
da imaginação
e regressei a Mim mesmo
autêntico, puro e real
tão perto
de quem sou afinal.
Como um Céu por todo o lado,
e por todo o lado
imensidão,
digito o pensamento
de forma a caber
na branca página do meu Ser.
De que lugar vieste, ó claridade, ó luz,
para romperes a Noite escura
da minha amargura
- e simples e mais simples é o Caminho
da tua luminosidade
flor que encantas na Cidade.
Tinge-se de amarelo
o momento mais belo deste dia,
quando sonhando eu imagino
do passado a lembrança
que traz no acaso da vida a Esperança.
A casa, do lado de dentro,
parece coisa morta sem porta de fechar nem de abrir
e o incenso que se incendeia
defuma e no ar volteia
e rodeia
o meu pensamento
que sempre se perde no vento.
Talvez a renda neste bordado
seja mais que a prata e o oiro -
nela está o meu tesoiro -
Horas de tanto pensar e bordar
Horas de um santo caminhar
é oiro
- aqui está o meu tesoiro.
À janela, de vigia, sei que não posso encontrar
essa onda do Mar -
mas firme eu permaneço -
e, à janela, eu até esqueço
essas dores
do Mundo inteiro
vendo o cimo do meu outeiro.
Há versos silenciosos,
tal como há uma Verdade nunca dita
mesmo quando
a Palavra de perto te fita
e são vagas de assombro
e são ondas de espanto
que duram eternamente tanto.
Canteiros e canteiros de flores
ladeiam este Caminho
- aonde vais, esse não é o cais -
e, se procuras o destino,
vai, sê para sempre um Menino.