domingo, 29 de abril de 2012

Projeto


de sol sob o lancil da minha varanda

para que, quando me debruce,

toda a luz me aqueça e me adormeça,

como se a perfeição

estivesse na minha mão.










sábado, 28 de abril de 2012

Indiscutivelmente


pedaço a pedaço o silêncio

povoa as ruas outrora

tão vibrantes.

Envelhece

o bairro

e a cidade

e é sempre triste o fim.


Por isso, na decadência do Império,

deve ter havido também

este mesmo silêncio

a povoar os mares

...............................................

- onde as naus? onde ancoradas estão?


sexta-feira, 27 de abril de 2012

Canto à liberdade


De olhos humedecidos,

e de bandeira desfraldada,

cantámos canções heroicas

como se fizéssemos a jornada.


Mas hoje, revisitado

o momento,

bate bate o Coração

como um Tambor

ao som da canção.


Bravíssimos!, os cantores

da Liberdade, senhores!










domingo, 22 de abril de 2012

Lua em ouro e prata



Arquétipo

de uma ausência, carência,

esse frágil tão frágil que em todos nós

habita.

Pulsar de um longe tão distante,

que, quando te abri a porta,

tive à minha frente

inteira

a lua na minha mão.

E então síncronos o ensinamento e a vida

balouçaram

nos braços da Justiça

tão perfeitamente que foi

noite e clarão hoje na manhã e na tarde.












quinta-feira, 19 de abril de 2012

Só os plátanos


adormecidos nos pátios

do velho edifício

saberão talvez da cadência

monocórdica

dos versos perdidos

e nunca ditos.


Velhas árvores,

aguentai um pouco mais!,

aguentai sem um ai!,

pois também este poema aguarda e espera

no balanço dos dias

pela luz do adormecer.





quarta-feira, 18 de abril de 2012

Estilhaços


E, de repente, com um som vindo do vazio e do nada,

o copo alto,

cheio de lápis e de canetas,

quebrou-se

em estilhaços.


Quisera recompor a peça...

mas, quando algo se estilhaça,

o melhor é varrer e esquecer,

diz o Destino,

o fazedor de teias,

avisando

que nada é permanente

na vida da gente.





terça-feira, 17 de abril de 2012

Saudade


Móvel sentimento de lembrança,

doce e amaro,

como uma esperança

que já não é.


E o brinquedo de madeira

de corda, ave que rola para sempre

aos meus pés,

simples e singelamente

é pensamento dormente

roda que rola

tão eternamente.


Pudesse eu o tempo parar!,

com a ave sempre a girar!




 

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Nouvelle vague


Computação. Ordenação.

Estatística. Estatística.

Olhar o quadro e não ver.

Computação. Ordenação.

Algoritmo.



E quem pôs o braço no ar

não sabia

a palavra  «versejar».




domingo, 15 de abril de 2012

Rewind


O que é fantástico na Modernidade

presente, desde há quase um século, é a

possibilidade de deixar o tempo transcorrer

e, depois, rebobinar,

voltar atrás, e rever toda a sequência

perfeitamente e exatamente como sucedeu

sem falhas nem lapsos.

Emergência de uma tecnologia nova

que permite o registo fiel do som e da imagem.


Por isso, tão grata é hoje a análise

retrospetiva. E, deitados no divã do psicanalista,

revisitamos, vezes sem conta,

fragmentos das nossas vidas, tentando

encontrar o fio, o nexo, o pretexto

para a indolência e para o desconforto.

Voltar atrás para melhorar o presente: mas

para alguns, o perigo é ficar para sempre enredado

nesta malha tão bem urdida - ver/rever o filme

sem viver a vida.



quinta-feira, 12 de abril de 2012

De esgueira


O povoamento

constrói uma outra Natureza,

aquela que observo debruçada do parapeito

deste quinto andar...

Que gigantes

habitam tais casas

como estas enormes edificações

para o alto?, pensar-se-ia.

Mas não é assim. No posto dos correios

encontrei as gentes - que não são gigantes imponentes -

a enviar e a receber encomendas e cartas;

exatamente

como numa aldeia

remotamente perdida

as palavras que chegam amanhecem

a vida.







terça-feira, 10 de abril de 2012

Partir


ou ficar? assim num único lugar

que fosse, ao mesmo tempo, ausência e presença.


Seria como ser rei e mendigo

senhor com dons

e sem abrigo.


Mas malbaratada a sorte

e o que com ela vem

fico

ou parto? diz-me alguém?



segunda-feira, 9 de abril de 2012

Trajeto


A tinta da china

desenho um mapa-mundi

com o relevo das montanhas mais altas -


da minha janela

exploro o caminho pela serra para o palácio -


........................................

E embora tudo não passe de um sonho,

imagino o trajeto

mais próximo ao Céu,

onde, tal como Prometeu,

roubaria o fogo a um deus.



domingo, 8 de abril de 2012

Páscoa


Sol e Aleluia

cantados nos entretrechos

de uma sonata

lânguida e argentina.

Música que não ouvi, sol que não senti.

Mas é um tempo de renovação

e o tango-canção

povoa minha alma nem eu sei por quê:


talvez aguarde

pela quaresma futura,

aquela que redima

generais e exploradores 

como desgraçados senhores.



sábado, 7 de abril de 2012

O olvido


é minha razão e alimento,

é meu movimento -

estranhamente acontece

e volta não volta

bato de novo na mesma porta -


então como espiral

de fumo sempre tudo se desfaz.


Mas gira que gira,

volta que volta,

onde está aquela porta?




 

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Altas veredas


verdes campos de desassossego,

sempre a Verdade e a Mudança tão longe

e tão perto no interior talvez vazio de cada um.



quarta-feira, 4 de abril de 2012

Instante


Tão somente

o instante passa...


E a estrada tão perto de mim

que desconhecia

leva-me

ao centro

de cada instante mal-amado

que hoje é passado.




terça-feira, 3 de abril de 2012

Esperança


A Esperança dorme...

Talvez por isso nenhuma voz se levanta

a cantar um hino heroico de amanhecer.


E hoje o silêncio é tamanho

que nem se ouvem os pássaros;

até parece que lá longe dormem também,

como se o dormir fosse o refúgio

letárgico

de quem não tem um ramo de árvore para poisar.



segunda-feira, 2 de abril de 2012

Registo


Nossa Senhora e o Menino - registo simples

que adorna a Sul o quarto. E quando a casa se enche

de luz, o amarelo vivo do contorno, debruado a fita dourada,

parece enaltecer o dia em cada marcha de jornada.


Agora, aqui,

apetece-me despir a casa

de objetos e de adornos, talvez me inspire

nas prateleiras despidas e nos farrapos dos livros

e me sente, enfim, a escrever

como se um registo estivesse a fazer

ao sol quente de abril

a Sul no meu jardim.


 

domingo, 1 de abril de 2012

Deslumbramentos


Quase sem dar por isso, a manhã passou,

passou a tarde, também, anoiteceu, e, finalmente,

um novo dia nasceu.


E tudo acontece tão vagarosamente

que é quase como fosse sempre o mesmo dia,

a mesma manhã, a mesma tarde. É como se os deuses

no Olimpo tecessem um véu transparente

que, a meus olhos, imobilizasse o Tempo.



Meio século é meu,

mas não deixa de me fascinar

quem, prestes a fazer cem anos,

se ergue e se deita numa cadência estival:

nascer ou morrer - tudo é igual.