quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A tarde comove-se




no dobrar daquela outra esquina,

quando tão crianças

trazíamos as mãos guardadas

nos bibes claros

e o olhar era tão puro e tão raro

que não havia no horizonte

qualquer céu de neblina.


Mas, hoje, desfeita na memória,

a narrativa desta história,

apenas se enternece,

quando se esquece, porque se adormece.





quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A linha do tempo




Móvel é o tempo

e de tão passageiro

não deixa senão brevíssima

esperança

de uma ténue,

que ténue!, lembrança.




domingo, 27 de outubro de 2013

Na cidade litoral




marulha o mar

por entre os edifícios

e quem chega de novo

colhe, num instante,

na força da natureza,

o sinal austero dos tempos.



sábado, 26 de outubro de 2013

Azul distância




Nas sacadas, brincam as crianças,

porque o brincar

vai para além da distância

que nos move do mar ao céu

e nessa amplidão

está a morada do Coração.



quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Viagem




Nos carris, segue a direito o comboio

e pelo canto dos meus olhos

vejo correr a distância

que separa

a manhã do fim da tarde.


E há nisto todo um movimento

desperto: o comboio, tal como a vida,

pára e arranca estação a estação

sem esperar por quem

se perde no caminhar.







segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Hora




de amanhecer, no lanço

novo da jornada deste dia,

qual inércia esmorecendo,

por vir o sol rompendo.



sábado, 19 de outubro de 2013

Cogitação




Será?, será?, que há uma Justiça imanente,

perfeita, para além da gente.








sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Neblina




Tarde densa de neblina

junto à serra.

Tanto que os meus olhos

procuraram em vão

pelos teus

como quem procura

o olhar de Deus.



quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Verdade




Há palavras que ferem

como punhais

mas que necessitam perdão

pois a violência é sempre escuridão.



quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Silêncio e dor




Caminheiro que ao meu lado

segues pela estrada,

porque não aceitas a estrela

do céu colhida

para iluminar a tua vida?


Pois eu ofereço-ta a cada dia,

como quem só tem esperança e confia.






terça-feira, 15 de outubro de 2013

Memória




Se estivesse eu hoje

a Sul,

a claridade brilhando

ofuscaria

a imensa praia e o cheiro a maresia

que no peito tenho guardados

como penhores

das (minhas e das dos outros) dores.



segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Destemidamente




Há uma largueza incomensurável

no oceano que cada dia atravesso

solitariamente,

como se, de ilha a continente,

não houvesse qualquer outra gente.



sábado, 12 de outubro de 2013

Mistério




de me debruçar sobre o mar

e comungar

com gente desconhecida

uma parte igual

de vida.






quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A palavra




Que importa,

hoje,

a escuridão da noite,

se do breu irromper a palavra

mais verdadeira:

aquela que recorda

que houve num caminho distante

um tempo de diamante.


quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Dia comum




Tão mortal como qualquer outro,

também este dia

chegou ao fim

e não foi hoje ainda

que despertei

quando, ao largo, a vela icei.



segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Observatório




Aqui onde me sento,

observando os pensamentos,

habita um mar tão tranquilo

que não tem a vida mais do que

uma subtil paz,

tão contrária ao que no mundo

acontece; mas Aqui, serenamente,

se esquece...



sábado, 5 de outubro de 2013

Entardece




e o fio da estrada,

que me conduz ao ponto de luz

palpável

no interior do meu ser,

é agora mais ténue.

Parece que o vórtice da vida se apaga

quando já não há dor nem mágoa.


Por isso, nem a tangência de um sino,

recordando as horas,

desperta, em mim, a dor de outrora.



sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A Sul




É aqui mais raro o mar,

por isso, na terra chã

de horizonte longínquo

observo

a vastidão do meu ser

como se nesta aldeia remota

não houvesse senão uma porta.





quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Naturalidade




É natural o silêncio

nascido do vazio de uma hora,

quando só uma alma chora.







quarta-feira, 2 de outubro de 2013

De tarde




É vão o clamor a Deus

para que seja eterna esta tarde

de neblina

tão igual à recordação de outrora,

quando era de esperança

o viver no «agora».