São doze os azulejos, doze os meses dum ano
e de janeiro a dezembro
só me lembro de em cada amanhecer
colher a Luz para viver
e neste ato de pedinte e de sentinela
digo, Amigo, - «a vida é dela».
São doze os azulejos, doze os meses dum ano
e de janeiro a dezembro
só me lembro de em cada amanhecer
colher a Luz para viver
e neste ato de pedinte e de sentinela
digo, Amigo, - «a vida é dela».
Num labor de ave que como que constrói um ninho
eu construo este Caminho
e recorto cada verso do livro do pensamento
infinito e ardente
como Alma que sente.
E se a Palavra viaja como num barco à vela
eu vejo e viajo com ela.
Um traço e outro traço na página em branco
e é com uma caligrafia nova que se escreve o poema
tanto assim devia ser também no Mundo
um outro semear
para um outro fruto colher
de uma outra natureza e de um outro ser.
Ao acordar, um banco de nevoeiro
cobria este chão
e era um clarão nascido da terra
que por Mim acima subia
nada via, mas sentia
que por entre os homens
um coro pela Paz
é como um arco-íris lilás.
A marcha começa logo ao amanhecer
ter um dia para viver
sem tumulto nem desgraça
e ver que no tempo que passa
as horas são úteis e têm nobreza
enche de júbilo o meu Ser
e deixo o destino acontecer.
É num presépio que há no teu Coração
que nas palhas deitado
um menino sem pecado
estende humanamente a sua mão
abençoa como só um deus sabe
antes de adormecer
e enternece o teu Coração ver.
Néons e na noite a neblina que cintila
e me conduz
como no escuro um foco de luz
à derradeira Verdade
parece que é tarde mas não é tarde
uma ânsia firme em Mim arde.
O pensamento da gente
é como ovelha sem rebanho nem pastor
que sempre anda perdido
e desconhece
que pensar também se esquece.
Caminha que a estrada vem
e a cada passo
não queiras adivinhar o trilho
ele é como um filho
crescido
e de ti nascido.
É inverno e vence o Sol.
E, se me espanto,
nesta singela grandeza,
vejo no homem a natureza.
Lugar lindo é o Sonho na noite
que através da escuridão
é Luz é Clarão
nesta imensidão.
Se a água sempre corresse
e eu nunca adormecesse
nem quando a noite cerra o dia
então no Tempo o meu Ser
poderia a si mesmo se conhecer.
Redesenho a Palavra
e ela é agora flor, planta, estrela de Natal
e no meu mundo sem igual
não há mácula nem desterro
nem há homem que persista no erro.
Choveu brevemente na tarde
e eu saí a procurar nesta água do céu
um batismo que me livre do meu pecado
desta ilusão
de correr como corre a multidão.
Tocam os sinos às trindades
e a cada badalada
na minha Alma corre um rio
- fio invisível -
que não é de ninguém
nem do Mar que está Além.
Não veio o inverno ainda,
mas parece que a minha vida se esvai
como se chegando próxima àquele cais
os deuses, os imortais,
aí estivessem e fossem a Mim iguais.
Leio muito devagar
e as palavras ganham o contorno físico de pérolas
e são singelas na sua pura Beleza
e como na natureza da Amizade
nelas um lume brando arde.
A cada um dia e não mais
um mote para a errância na vida
e será tristeza será saudade
o mote que agora me sustém
nesta ânsia que da Alma vem.
O pensamento em sua nudez
lembra o puro firmamento
o céu anil que vês
e se honrares o mistério
do tempo que um dia virá
não importa o hemisfério
a Paz contigo será.
Dos pássaros que o infinito amam
te direi, quando no mais branco da cal
tudo for na minha memória igual.
Entre o anoitecer e o amanhecer
é o tempo todo meu
e nunca nada se perdeu.
Esta é da vida a suprema Beleza
repousar como repousa a Natureza.
Despede-se o outono lentamente
para que o inverno
entre dentro destes versos
que florirão
mais tarde talvez
como numa primeira vez.
Num deserto sem água,
desenhei uma fonte
e jorrando como um rio
essa água que corre a fio
lembra-me que nunca sede haverá
quando um homem se refaz.
No rufar de um verso
cada sílaba tem o seu valor
tanto quanto na vida uma dor.
À nossa janela chega o amanhecer
e é um regalo para os olhos
essa Luz ainda ténue e muito frágil
que nos enche de Coragem.
Aqui está o Tempo em que aguardamos
e em que esperamos
Esperança Amor e Paz
que uma Criança nos traz.
É no lado de dentro do Coração
que o Sol, divina Luz,
com a sua reverberação,
à Alma nos conduz.
O frio de dezembro chegou
e a manta e o cobertor
que não há no presépio de Belém
são o conforto que um ser humano tem.
Deixem correr o Tempo
como uma folha de papel rasgada
que já não vale nada
mas tem uma memória nela gravada.
Algures na esfera nebulosa
se tece uma prosa
e um verso
e pode ser um canto de outono
em que uma a uma a palavra vem
como folha que cai
e que não regressa mais.
Pego na chávena e tudo é automático
e mecânico -
o fio de líquido negro e aromático de café
enche a xícara -
e, então, eu penso que não me apetece beber
e que a minha sede do viver
a minha ânsia da vida
é como um sopro livre que vem
e passa e não se detém.
Ó tempo de vir a ser,
Ó tempo
que sabes aquilo que é
e aquilo que será
nascido dum instante profundo de Paz.
Um verso antigo veio ao meu encontro
e fez e desfez o poema de agora
onde a Saudade se demora.
Amanhece e a alvorada esquece,
e vem a noite e já não lembra o dia,
oh, vida sombria,
perde-se o tempo em nós
e ninguém ouve a nossa voz.
O sol nasce no Caminho
e é sozinho
que ilumina e conduz
cada homem com a sua cruz.
No meu ombro molhado, serena e quente
a tua mão da mão ao coração
encerra uma lição.
Espaço a espaço se iluminam os andares
e o meu olhar demora-se neste entrecortado de luz
que a uns seduz
mas que a Mim revolta como uma desgraça
ser o sinal que o dia passa.
Coisa inútil é o pensar,
o partir e o chegar.
Deixei que a realidade,
esses palmares à beira do meu rio,
viesse ser o Sonho de um breve instante -
um mundo que pulsa em Paz para diante.
Antes que chegue o frio do tempo de Natal,
deixo que o murmúrio das fontes
que só existem na magia do pensar
ecoem pelas salas e pelos quartos perdidamente
como num amor sempre presente.
A lua tem duas faces,
a que resplandece com o brilho do sol
e a que se oculta e vive em segredo -
assim é também no homem
esse supremo desafio
e tanto que já nem sei se hoje choro ou rio.
As palavras do caderno viajam
na espiral do pensamento
e não há cansaços
em cada um desses passos.
De oriente a ocidente, caminho
por estas ruas enegrecidas,
e nelas deixo a minha vida
como se o destino ditasse um fim
fora e dentro de Mim.
Passamos indiferentes
a estas gentes
que nas noites habitam as cidades
e que são sempre velhos e pobres
sem nobreza nem distinção
dentro do nosso Coração.
Por onde caminhas Tu sem bordão
quando o cansaço te quebra o andar
e as rugas da tua mão
te lembram o muito procurar
é outono na vida bem o sabes Tu
é outono e até o olmeiro está nu.
Rainha e Imperatriz
do tempo,
é a Palavra mais bela
a que traz o silêncio com ela.
Não termines o dia sem desfazeres a grinalda
que ergueste na manhã
para humanamente te coroares
herói desta viagem
que atravessa todos os mares
que está em todos os lugares
onde um homem ganha o pão
com o trabalho da sua mão.
Primeiro o meu espírito
no caminho se perdeu
(e foi uma noite de breu)
até que ele regressou
à luz inteira do que sou.
Havia na chuva um silêncio
quando jovem eu adormecia
e aquela musa distante
no Sonho para Mim sorria.
Tempo foi. Tempo passou.
E a musa não se quedou.
Cada Flor tem em si o mistério
da Vida - floresce
e mergulha no Silêncio
e torna a florescer
até um dia em que não pode mais morrer.
Do mundo é o despertar a cada manhã
e percorrer aquela estrada do viver
sem entristecer
de desalento por ver a desgraça
de quem a meu lado passa.
O prodígio de viver
e de ter dentro do meu Ser o imenso Fado de homem
que é pensamento a pensamento
renovar a dor e a passada
dum tempo que hoje é nada.
Na noite, prendo com um alfinete o Sonho
à cabeceira da cama e levanto-me.
O mundo lá fora é um mundo lá fora.
Todos dormem sem saberem da Magia
que nasce, quando nasce o dia,
mesmo na noite cerrada,
antes da alvorada.
Só a Paz é capaz de estar onde Tu estás,
saltimbanco desta jornada,
teu é o Mundo e não tens nada.
Algures por aí o Silêncio
é o sinal portador da esperança,
porque é mais puro e natural
e não está revestido de qualquer mal.
A Sul há um rio que não morre
e que corre
alheio e indiferente
à angústia que há na gente.
Busco, nas impossibilidades da vida,
aquela Flor que brota do asfalto
e que brilha mais alto.
Enquanto a água de outubro
resgatar a infância que há em nós,
seremos por instantes felizes
chapinhando e caminhando molhados
como se no nosso Coração um eterno sol
fosse um eterno farol.
Sou esta rua despida
por onde as pessoas a passar passam
sem olhar
e sei que o fulcro derradeiro da vida
nesta marcha comprida
é o ser e o estar.
Acordo na noite
e vejo que é indiferente
sonhar ou viver a gente
quando a este mundo chega um frio
e na verdade tudo é sombrio.
Trazes no Coração a vontade mais querida
a do fazer e do refazer da vida.
Trazes o tempo agarrado à tua pele
como quem num poema
de tanto repassajar as palavras
as vê envelhecer
tolhidas na desgraça
de serem inúteis a quem por elas passa.
No meu bairro ao entardecer,
tudo é silêncio
e vem-me, então, uma vontade de morrer
como se findando eu fitasse,
estático e indiferente,
este absurdo mundo da gente.
O dia nasce devagar
e a cor que o mundo sustém
verde-água verde-verde verde-anil
domina a imensidão
dos lugares onde os homens estão.
Trazes nas Tuas mãos um tufo de folhas
colhidas do chão
e é dourada e vermelha a cor
do nosso Amor.
Dentro do tronco da árvore,
um outro tronco -
e dentro do meu pensamento,
um outro pensamento.
Assim se multiplica a Esperança,
quando se é Criança.
Brevemente me esqueceu aquele verso
de outrora - o verso onde toda a tristeza mora.
E, agora, neste instante,
salpicado de orvalho
e de Luz,
pesa menos a minha cruz.
Da minha janela vê-se a encosta
e este mundo aqui a meu lado
é tão perfeito
que o meu Coração se satisfaz
neste brilho de Paz.
Caminho na tarde e sonho
que este trilho infinito
conduz àquela ilha verdadeira
onde o Rei sitiado vive em prisão
e compassivo espera
por um sinal desta nova Era.
Ali, aonde a encosta se vestiu das cores da noite,
parece que o mundo adormeceu
e que dorme, nesse breu,
o sono justo de uma alma triunfante
este meu mundo errante.
É de Paz este momento.
É como um sopro gentil de vento,
que no rosto sabe tão bem,
e que vem só porque vem.
Sento-me no sofá e esqueço o absurdo do mundo
neste momento em que a minha voz
neste lance que há em nós
cinzela e esculpe aguerrida
cada silêncio da minha vida.
É um fio de espuma de uma onda do mar
este meu pensamento
que ora vem e depois se vai
o passado lembrando -
e para colher da vida a lição
a mão toca o Coração.
É arte cravar no chão as suas pegadas
e deixar um rastro de Alegria e de Inquietação
no caminho por onde os outros também vão.
Pela grande Harmonia e Beleza
da Natureza,
acredito
que em Tudo há um fito.
As estantes estão vazias
e as Almas mais frias
na solidão do seu pecado
vêm sentar-se ao meu lado
como se o romance das suas vidas
fosse um folhetim
que numa tarde de domingo tem um fim.
Um pouco mais do azul puro e límpido do céu
no meu desenho em Ti sustido,
meu deus,
e talvez, talvez,
o homem não tropece outra vez.
Murcharam já as flores na orquídea
e a alegria que eu sentia
desapareceu também
e vivo a cada dia como alma que porfia
no tempo que a vida tem -
não ser como a orquídea que refloresce
e sempre se engrandece.
O tempo é vindo
e nos pátios, por entre os velhos plátanos,
passeia a mocidade
que, distraída do segredo da vida,
grita a eternidade sem fim
e o seu grito entra dentro de Mim.
O petiz tem um coração feliz,
brinca ao pião,
e dorme e acorda
como se sempre saltasse à corda.
Sei que sonho no sonhar
como se se abrisse de par em par
uma janela na imensidão da noite
e suave viesse ao meu encontro
com a delicadeza de um anjo
a Luz perfeita
na qual a minha alma se deita.
Regresso ao poema como quem regressa a casa
e reconheço nos recantos dos versos
a minha Alma entristecida
que quase sopro de cansaço
que quase suspiro de agonia
tomba e esfria.
A raiz de Mim mergulha num céu
de paredes brancas e silêncio
onde o anjo que vela
e que toda a noite está desperto
acalma e acarinha
toda a desesperança minha.
Era longa a estrada
e mais distante era o destino
por que eu ansiava desde menino
e cresci. E sou agora nesta viagem que demora
a pessoa que já não brinca ao pião
no sem fim de uma ilusão.
Memória de chover
e, no entanto, que brilho o deste sol
no meu Coração
perfeita imensidão
do tempo e das Eras
na certeza de que me esperas.
Trazes no cântaro a água viva da fonte
e caminhas como se encontrasses em cada passo
uma certeza e um fim
e tudo isto tão longe de Mim
que me parece que a vida se esquece
quando a noite desce.
Atravessa a paisagem o fio de luz
deste verso
e vai pelo universo
e será claridade talvez
e grandeza e pequenez
como o destino que deus fez.
Sonhei-te, mas não vieste.
Possivelmente havia um Mar a separar
na eterna distância
e o real entra pela minha Alma adentro
nuvem desfeita
em que o meu corpo se deita.
Esta água de beber
e que em Mim permanece
é como um verso lido e relido
tão perfeito de sentido
que não pode se pode esquecer.
Pousa a mão sobre o Coração e espera
que essa nuvem branca
venha ter contigo
e te leve, tão leve, pelos ares
em busca de um jardim
que seja o princípio, o meio e o fim.
No oiro da tarde, agitam-se altaneiras
minhas tristezas
e quase chegam ao céu
e são lembrança de um Poeta que chora
aqui aonde mora.
À noitinha, nessa hora de meditação,
corro os olhos pelo caderno
e vejo um D. Quixote e um dragão
e na luta que eu imagino a começar
cercam-me as ondas de um alto mar.
Um dia virá em que por um momento serei
o infante e o rei
e nesse instante mortal
minha Alma descoberta se liberta
e, de súbito, desperta.
Uma vela acesa um barco no mar a navegar
um arco-íris na linha do horizonte a estrela da manhã
e o meu corpo imóvel
sentindo os braços as pernas as mãos os pés os dedos
e indo Além dos medos.
É com a palavra madura que eu colho
em cada esquina
que escrevo o livro da vida
e uma a uma cada página se solta
e parece que não volta.
No espelho, o rosto não tem idade
é como uma Alma que se fita
e nela a Esperança é infinita.
O sopro do vento desaparece e vem
assim como uma dor que se tem
e oscila, neste movimento do mundo,
o meu pensar,
onda perfeita num Mar.
É outro o céu de estrelas
e é outro este chão
que sustém cada passada
e a estrada que leva Além
com a força que a Vida tem.
A música que passa e o tempo que se escoa
é como um pensamento que voa
e se perdeu a voar
mas na minha Alma até parece
que na lógica da Razão
só manda o Coração.
E diz o Coração pequenino
que és ainda um Menino.
Regresso ao tempo das descobertas
e das coisas sei os nomes
ilha pássaro onda mar
e aonde quer que o Caminho me levar
farei por sempre me encontrar.
Como uma água que corre,
neste chão,
meu pensamento caminha para a imensidão,
e, na hora primeira da noite amanhecida,
há marés de Mar na minha vida.
Quando o outono vier,
e de prata e oiro estiverem as árvores vestidas,
recomeçarei
como recomeça a Natureza
libertando-se de toda a certeza.
É de oiro este instante
em que toda a paz profunda
a Natureza inunda
e entardece e é belo
e sabe-se que a noite vem
e o sono também.
Porto de abrigo, este cais de pedra
reverbera como ponto de luz
e colhe da infinita distância
as estrelas e o luar
que estão também aqui neste lugar.
Sem pressa,
como um mundo que começa,
se dá um primeiro passo
e é tão grande a aventura
que o Caminho ainda dura.
Acendem-se as luzes dos apartamentos,
e há de velar, como eu, pela noite,
esperando um amanhecer,
gente que sente,
mas que tem uma alma diferente.
É um poema escrito no chão que pisamos,
por isso está, como o mundo,
desordenado
e, sem futuro nem passado,
nem presente que da má sorte o resgate,
não tem vida nem tem arte.
Quem sonha que sonha, sem despertar,
vagueia como numa onda que é o sopro do mar
e nem a muralha dos rochedos,
gigantes de medos, perturba este sonhar completo
como se um deus estivesse por perto.
A praia tem rochedos
e tem segredos também
e minha Alma vagueia
nessa orla de areia
onde um dia, louca, procurou
um tesouro que nunca encontrou.
Cansei de ser criança.
Cresci.
E esse pedaço puro de Mim se perdeu
no aglomerado de gente também crescida
o este e oeste da vida.
Folheio as ondas do mar
como quem procura na marca de água
um cavalo marinho
ou a imagem de uma sereia
presa numa teia.
Murmúrio do vento
lá fora,
onde toda a paz profunda mora
nos campos e arvoredos
numa natureza de segredos.
Acende-se um fogo no céu
e o meu pensamento é chama de luz
onde cada um dos meus passos faz o grande eco
de ter na bondade e na esperança
uma Alma de Criança.
Não agora quero viver
nem quero neste instante permanecer
apenas depois
quando o mundo for como uma rosa em botão
florescendo na minha mão.
Mistério do silêncio que é orvalho
e goteja límpido e puro
no meu pensamento ao amanhecer
como se o Mundo fosse acabado de nascer.
É um longe sem fim
onde parece perder-se a esperança
e está dentro de Mim
como um campo muito branco que balança.
Na minha quietude de estátua,
repercorro o trilho desta encosta
íngreme e sinto-me audaz
e nem penso que tantas vezes fugi
numa ânsia de não estar aqui.
A preto e branco vejo o mundo,
árvores negras, céu de breu,
e a fonte clara
de onde jorra aquela água de beber
que é a esperança do meu Ser.
Por entre as persianas, a luz.
Que belo poema do entardecer
é permitido aos meus olhos ver.
Descansa a rosa no meu colo
e nesse hausto breve
o meu caminho é mais leve.
Em todos os passos que deres,
procura a firmeza do chão,
não tropeçarás assim
mesmo perto do fim.
Corri. Caminhei,
mas não te alcancei.
És furtivo como a noite mais escura,
Tempo incerto,
minha eterna lonjura.
Do outro lado estás Tu.
Não sei das tuas forças
nem das tuas incertezas.
Mas sei, porque essa é a lei,
que és um viajante como eu
neste caminho que um deus deu.
É dentro de Mim que o oceano é vasto
e há marés e neblinas
e há também um pensamento que é nau
e que parte à descoberta
quando é a Hora certa.
Como um corpo que dança,
e, suave, balança,
sem nenhuma inquietação,
assim este verso te procura,
musa de ternura.
Corre mundo a nau das descobertas
e cada porto de paragem
é como aquela margem do Tejo
simples e fugaz
mas que traz um Abraço de Paz.
Sem princípio nem fim
o universo
vive dentro de Mim.
Com as estrelas conversei
sobre filosofia e arte
mas não pôde ser discutida
a humana forma de ser
de fazer guerra e matar e morrer.
Num momento,
o céu sedento do meu Coração
encontra, por entre búzios e corais,
uma lágrima esquecida
neste Mar da vida.
Ó Vida das mil faces desfeitas,
vem, antiquíssima e Bela,
trazer-me o cálice do absinto
para eu esquecer o que minto.
O caderno de escrevinhar
contém a verdade de cada dia
e se um verso em Mim confia
e jorra formoso nesta imensidão
é porque um deus me dá a sua mão.
Mora no passado a eterna esperança
onde em tempos fui Criança
e, brincando, via entardecer o dia
sem medo nem temor
como um anjo bento num andor.
No centro do Coração, aqui,
a minha Alma é raiz
e brotam mil ramos de vida
quando o pensamento sente também
o caminho daqui e d'além.
Ponho sobre a mesa de mármore
o caderno das horas
e vejo que é pedra reluzente
a dor que a minha Alma sente.
No meu beiral, vigiam as aves celestes
e noite e dia, ao seu cuidado,
cada passo é mais amado.
E o caminho a Ti me conduz
cinza oiro luz
e um dia que nasce inteiro
mesmo no meio do nevoeiro.
Espero a noite ainda
aquela noite que não finda
e que virá um dia mansamente
ser o mistério da gente.
Dança o meu pensamento
e rodopia sem parar
como se só na força do vento
se pudesse encontrar.
Ignoro o movimento do tempo,
quando me sento
a olhar
as nuvens a passar.
E nada mais importa nem um grito
se solta
se tenho o céu à minha volta.
Fugaz é o dia, a noite e a manhã fria.
E aquele caminho da esperança
de que me não lembro hoje já
também não sei aonde está.
Passo a minha mão pelo ramo da roseira
e, como quem afaga uma futura flor,
toco ao de leve nas branduras
dum orvalho matinal
procurando nesse lento gotejar
a rosa perfeita
numa cruz desfeita.
Talvez seja eterno o instante
em que este verso como pão repartido
alcança no mundo um sentido.
Um rasto de oiro no cimo das árvores
é o sinal de que a tarde chega ao fim
e perto e longe de Mim
aquela névoa no pensamento
que como a noite chega e vem
é minha e de mais ninguém.
Bem sei que as flores nas jarras
murcham e secam
e que numa vida humana se contam os dias.
Bem sei que tal como amanhece
também entardece
e que não há sempre o sol do meio-dia.
Bem sei todas estas coisas da existência,
mas o mais que tudo, eu sei,
é que no mundo há uma lei.
É do cimo da encosta que vejo nascer o sol
e nascer a lua e nascerem as estrelas
e só assim o meu universo fica completo
como se o céu estivesse sempre perto.
Um tostão, apenas um tostão,
e assim se celebrava a festa do santo,
quando eu era criança e pedia na rua
um tostão, apenas um tostão,
a cristão e a não cristão.
Um amuleto da sorte
e o anjo da guarda salvador
são a salvaguarda da morte
e um caminho de amor
por isso confio e me entrego
e meu coração sossego
Far away é a terra do exílio
a terra da planície
despida
miradouro da vida
O tempo é um caminho que não volta
nem se repete
ainda que após uma primavera venha um verão
e nisso pareça que a emoção
se iguala numa mesma medida
mas não é assim na humana vida
Quando o que é real
não for desigual
então poderás caminhar
de pés nus sobre este chão
como numa mansidão
Penso mar e é o teu perfil
engastado nos rochedos na orla da praia
que se desenha nesta claridade da espuma
que traz sempre de novo
a força heroica do meu povo
Perdeu-se o bibe e o brinquedo de corda
e agora neste tempo
em que os sonhos azuis
nunca mais virão
dei-te mesmo assim a minha mão
Vestígio da noite ainda.
Uma noite que não finda.
E, por isso, neste noturno matinal,
não encontro da luz um sinal.
Na minha Alma nova
como num cantar de cotovia
há o encanto
do Sonho e do Espanto.
Por um instante, não mais, fica, Amor,
nesta roda das palavras
que são grito estridente
daquilo que um homem sente
na larga travessia
por um instante, Amor,
vê, neste puro rumorejar da hora,
que o meu Coração parece que chora
quando a palavra demora
e o tempo de Mim se vai embora.
De lilás, em suave manto,
se cobre o meu Coração,
tal como ruas, praças e avenidas
se cobrem destas flores floridas
que anunciam um novo verão.
Só no tempo da infância
é possível
a graça
de acreditar que a dor passa.
Por isso colho o ramo,
tal como o colhi no passado,
e já nem sei se há dor ou pecado.
A alma repousa neste lugar de Mim
e espera, oh, como espera,
pela aurora
neste sítio onde agora mora.
A casa flutua no meu Sonho de mar
e é navio transatlântico
que procura na suma lonjura
o eterno porto
também eternamente sonhado
que é futuro, presente e passado.
Recantos de silêncio entre as palavras
e o mais que dizias que uma vida são dias
e que é no agora que um homem chora
me lembra em recordação
o meu futuro Coração.
Assim balançam os ramos
da árvore
como balança na vida
este Ser
que perece
como na noite o dia se esquece.
No momento de alinhavar o poema,
antes de o pespontar,
o pesadelo do presente,
mesmo em frente da gente,
é a linha que cose e que costura
esta realidade tão dura.
Por isso neste verso não há alegria
nem neste poema há um hino à razão
que nos conduzam ao centro do coração.
Regresso às palavras irreais
como Instante, Sonho, ou Coração
quando ponho minha mão na tua mão.
A tarde de domingo requer a arte
de Amar
como se ama o segredo de cada dia
na madrugada fria.
Página gigante
do gigante poema
do céu liso e branco,
mostra-me a Tua face verdadeira
para eu me revelar inteira.
O castelo de areia
também envelhece
quando as ondas lhe desgastam as ameias
e no sol da tarde
o turbilhão da maré
não mais o deixa de pé.
Como palavra num verso
que nos chama para a vida
assim eu também
clamo
com vívido ardor
por aquela Paz
que no coração nunca jaz.
Ser de um outro lugar
inexistente
e começar aí o caminho da vida
sem tropeções
nem errância na voz
apenas com a Coragem que há em nós.
Não tenhas pressa.
Não corras como corre este tempo
que nos diz
que não há uma raiz.
E se puderes vê no ciclo das estações
que há primaveras e verões
depois de no inverno anoitecer
o homem no seu ser.
Colhe então devagar
o sol e o luar
a prata e o oiro
e acharás um tesoiro.
Um dia virá em que este instante
de silêncio
e de serena verdade
encontrará a eterna mocidade
e então como quem num canteiro
de um jardim
encontra a rosa acabada de nascer
assim este instante em Mim
nunca chegará a morrer.
O meu pensamento é disperso
quando o dia chega ao fim
e eu fico mais perto de Mim.
Hora de ponta. A multidão não ouve e não vê.
E eu procuro apenas um sinal
do que é a vida nesta condição mortal.
Cá fora, e por dentro de Mim, um jardim
imenso, sem fim...
mas é sonho por certo
de quem não vive desperto.
No meu bairro ao anoitecer,
é que apetece viver
como se dos confins do Universo
a Paz descesse
pura e natural
e dela nascesse um mundo original.
São graníticas estas mãos que embalam
na noite um filho no regaço
e que sem cansaço nem tremor
são eternas como o Amor.
Longamente corre um fio de água desta fonte
límpida e verdadeira
a lembrar que também o tempo corre
e que de sede também se morre.
E a liberdade é assim um desejo sem fim
de ser na mais justa medida
uma estrela brilhando na vida.
E se o céu por um momento escurece
na Tua voz clara, meu Amor, ela permanece
como do Oriente a Luz que ao Bem conduz.
Aconchego a chávena de café nas minhas mãos
e observo em silêncio o alto da colina
e talvez seja então que o poema brote no meu Coração
nesse momento vago sem lucidez
assim como o mundo quando deus o fez.
Uma vida não chega
para Abraçar
o fundo do mar
nem para despertar num amanhecer
e ter uma nova natureza num novo Ser.
Por isso em cada instante que nasce
numa eternidade
procuro a minha Alma sem idade.
À janela um pequerrucho rega
uma trepadeira azul
e o sol brilha orvalhado nesse momento
em que não há miséria
nem fome
nem a dor nos consome.
Quero falar-te do vento
numa tarde de abril
mas subitamente penso no paraíso
sentindo o teu sorriso
e nada mais é preciso.
Retorna a Alma ao caminho da peregrinação
e os dias apressados
e as gentes de todos os lados
são o labor
que a Vida consente
neste tempo presente.
Na Beleza ascendemos
e na Paz perfeita florescemos
qual coisa no seu exato lugar
a cruz na terra e o Coração no céu
e o olhar desse homem que não tem véu.
Para além daqui há o Longe e há o Mar
e há países, guerras e fronteiras,
e há palavras verdadeiras
e sonha o que em Mim sonha
sem se deixar levar
nesse para além daqui por achar.
Meu mar é meu silêncio de onda que não volta
nem torna a passar
como a água do rio que não pode recuar.
A minha Alma habita aquele Sul
que não se pode encontrar
na simples geografia
e que é um lugar
onde tudo o que tem princípio e fim
nasce e morre dentro de Mim.
Todos os dias eu espero por um entardecer
que seja uma alvorada consentida
e que no sopro da vida
esse instante derradeiro
seja para Mim o primeiro.
Nem a verdade me conduz
por entre os caminhos da existência
nem a sapiência é meu mote
por entre os homens
o que escolho na vida é uma Alma compassiva
e singela
como se a humildade vivesse sempre nela.
No pousio do pensamento, medra e floresce
como uma flor de jardim
a ideia tantas vezes repetida
de que há o sonho além da vida.
Um verso que sai de dentro de outro verso
sem inquietação e sem dor
inunda a vida de cor
e viva, então, a palavra
parece o arado de quem lavra.
Aqui, tão longe das águas deste mar que nos cerca,
viajo em pensamento feito proa de navio
e lido com todos os medos e pavores
como marinheiro em trópico desconhecido
procurando, e procurando, da vida o sentido.
Um olhar que demora
e um tempo sem regresso
por isso, meu Amor, te peço
sê como a brisa do amanhecer
e corre pelos recantos do mundo
para me despertares do meu sono profundo.
Lava o teu prato sempre com um sorriso
porque é preciso
repetir gestos diariamente
ou então rega uma sementeira e aguarda pelo colher
e é isto o que é viver.
Não procuro, no movimento do mundo,
a Alma da Vida,
antes a colho na vide seca da videira que não deu fruto,
assim como eu que deponho as armas e não luto.
É incerto o tempo que se escoa
como se não houvesse outro tempo
que este acabado de nascer
num Coração que bate, bate, até morrer.
Os meus passos em redor da casa
levam-me
àquela estrada que conduz ao antípoda do mundo
e onde aí serei um vagabundo.
Não chorar pela multidão adormecida
nem pela crueza da vida
nem pela fome guerra e atrocidade
não chorar pela devastada mocidade
e será consolo em todos os momentos de dor
apenas um Sonho redentor.
É invisível esta dor no peito
fosse ela uma mancha sépia na pele
e seria como do tempo um sinal
que mostraria ser igual ser e não ser imortal.
Não é vã a palavra de que se constrói
no poema uma certa arquitetura do mundo
e quando as aves vêm pousar
ou quando as estrelas vêm brilhar
um mundo justo ganha uma forma plena
vinda dessa canção pequena.
Fica a minha Alma mais leve
quando a eterna Criança da Esperança
vem habitar o meu Coração.
E então caminhamos e conversamos sobre a Beleza das coisas
e tudo é tão puro e natural
e tão vibrante de espantosa magia
que no mundo por um instante é sempre e apenas dia.
É noite. Acende-se de estrelas a minha janela
e eu penso que a imensidão do céu
me visita por um momento
em que ainda desperto
eu acredito que a Luz está mais perto.
Lembra-te
e não esqueças
que para que amanheça no teu Coração
nenhuma noite será em vão.
Quando voam os pássaros
e eu os vejo a voar
algo fundo em Mim começa a se alegrar
e nessa inteira e sublime Liberdade de se ser
mora em Mim uma saudade de ter tido esse viver
mas na minha humana condição
livre é apenas o Coração.
Na grande cidade, ao anoitecer, iluminam-se as ruas
e esta luz elétrica abafa a negra escuridão
mas, no meu Coração, de urzes e giestas agrestes
há apenas Sonhos campestres
e a lua e a estrelas apontam a imensidão.
Mergulho no movimento da onda e escrevo
um hino a este dia
e Tu, apenas Tu, saberás
que é tão lúcido quanto o espírito da Paz.
Há um horizonte que me cerca
uma muralha invisível no sopro da noite
aprisiona e me emudece
como se não houvesse uma prece.
Não adies o abraço nem o beijo
que como um canto de ave num beiral
é a cada instante sem igual.
De permeio no Coração
um cofre bem guardado que contém
a paz o perdão o sacrifício e o amor
que santificam toda a dor.
Agarro com a minha mão todo o céu
e não deixo que nem uma gota se perca
desse azul silente
assim a minha Alma se sente
plena dessa cor de mar
por onde tenha de passar.
Se puderes, imagina um barco à vela
e um triciclo cor-de-rosa
e de Paz será o caminho
num regalo de muita e muita cor
que nem a escuridão esquece
mesmo quando é noite e escurece.
Se tiveres uma jarra com flores,
renova a água desse vaso
e verás florescer
o que está condenado a morrer.
Este é o meu mural num prédio em ruínas,
esta é a minha canção de silêncio
numa tarde em que sós
somos mais do que apenas nós.
Atravesso a Paz de olhos abertos
e encontro, nesta claridade inicial,
o rosto da humanidade irmã da minha.
E, felizes, e irmanados,
pomos no regaço da Esperança
a semente do tesouro
de um novo tempo vindouro.
Dá-me as tuas brancas flores
que junto ao ribeiro florescem
e farei uma grinalda festiva
para o dia da suprema Liberdade
aquele dia da Verdade.
Basta um verso,
meditado dentro do meu Coração,
para voltar a ser um menino
pequenino
que roda o pião
na palma da mão.
É o tempo, agora, de pousar a chávena de chá
sobre a mesa de vinhático
e de ler
e é de ternura este instante
uma pequena criança enfrenta um gigante.
O caderno de escrevinhar
e a côdea de pão
sol e chuva no meu caminho
e cada homem, meu Amor,
numa estrada sem dor.
Sem crispação, um mar muito azul e muito calmo,
um mar de paz, entrou, na quase madrugada, pela minha janela,
quando o motorista do autocarro fez um compasso de espera,
aguardando pela minha vizinha que correndo se lançava para o transporte.
E, com esta fé na humanidade, aventuro-me no mar, na claridade da tarde,
e navego com a onda que vai de ilha a continente
lúcida por entre a gente.
Deixá-las murchar as flores
se encantam enquanto é eterno
o momento da ilusão
de ser imortal
uma rosa num quintal.
Medito agora ante o vislumbre da noite que vem
que nada supera a Luz
nem a Aurora
dum amanhecer quando é a Hora.
O comboio chega à gare de destino
e eu, alheio a este fim de viagem,
procuro uma nova paragem
que me leve, por entre a Beleza das coisas,
a esse Mundo justo e perfeito
e sem mal
que é o que na vida mais vale.
Aqui, onde há um silêncio mais profundo,
é o cabo do mundo
e é onde o mar dos meus pensamentos procura a Beleza
assim como quem procura uma Certeza.
Quando a cidade acorda para um novo dia,
me espanto de não encontrar
uma vontade renascida
em cada lugar.
Abro a janela
e deixo que entre esta chuva inexistente
até encher o meu coração
duma água colhida na imensidão.
Tão cedo clareia na noite mais escura
a lua branda da ternura
e o Mundo tal como é
ignora o que está ao pé.
O manto de neblina cobre o outeiro
e nada é mais verdadeiro
que este tesouro de prata e oiro
que os deuses
às vezes aos homens oferecem
quando da dureza do destino se esquecem.
Vê, Irmão, este é o chão que tu pisas
e que eu piso também
neste tempo que o tempo tem
e que sendo presente
nele o passado se sente.
Aí, aonde o tempo tinha labores,
aprendi que o silêncio
é essa união
de amor e paz no coração.
Entre a folhagem da árvore ressequida
há um Sonho de vida
que é a seiva de que se alimentam os poetas
quando o verso não vem
e o Caminho está para além.
Da sombra do interior da casa para a rua
para a luz
para o caminho que me conduz
nesta nobre viagem
em que estou de passagem.
O rio das águas brandas
corre sempre devagar
mesmo da foz para o mar
e, sem turbilhão nessa correnteza,
é mais firme no pensamento a certeza.
Um mundo novo
está dentro do coração da semente
daquela maçã muito vermelha
que o teu olhar espelha
e é tão real
um mundo sem mal.
Não sei desse Longe
que é caminho dos deuses imperfeitos
que, sem lembrança de terem sido um dia mortais,
aos homens destinam sinas desiguais.
Antes de seres de Coração novo,
pisa a terra dura
das dores e da amargura,
e só então resplandeces
para que mesmo no cansaço
se veja a vitória de cada passo.
Contemplando a luz da manhã,
renova-se o meu Ser
como quem folheia um caderno antigo
e encontra nele o orvalho dum amanhecer
que é a força do seu viver.
Quando olhares uma pedra branca e muito lisa,
pensa que antes já foi rochedo
e penedo bravio no meu Coração
assim como bordando em linho
a bordadeira da dor esquecida
desenha com fio uma beleza na vida.
Outrora os ramos verdes das flores
cobriam o meu regaço
e eram como um pedaço de planície vicejante
perfeita e inteira
e imorredoura
como quando o sol a lua doura.
Canto a Alegria do Ser,
sem bruma na manhã renovada,
e percorro a humana estrada
crente que do milagre da vida
seja a caridade por todos repartida.
A jarra com flores é onde poisam os meus olhos
cansados do inverno frio
e o meu olhar procura naquele instante
que sempre dura
(e por isso é eterno)
o florescer
que não possa morrer.
O frágil ramo despido da árvore nua
é onde poisa o meu pensamento
ou qualquer outra coisa de Mim
que é tão íntima e certa
que é uma permanente descoberta.
Folheio o livro e página a página
pressinto a hora e o instante
em que o Poema foi uma alta-voz
deste mistério que há em nós.
Talvez seja de dor a travessia deste mundo
e nos magoe o Caminho a cada segundo
mas ao teu lado, peregrino,
o Longe é uma Aurora
e é aí que a cor oiro mora.
É de cimento e pedra esta floresta citadina
por onde caminho por entre esquinas e ângulos,
sem humanidade,
que dor!, e que queixume!,
minha Alma subitamente sente
por não encontrar aqui a Alma de outra gente.
Quando me sento a escrever um verso
sei bem que há uma Verdade
que além de Mim cabe
no pensar de outro Alguém
e é neste vai e vem
que o mundo se sustém.
Onde?, sem tela,
fica apenas a moldura singela
como uma janela sem idade
que se abre para a Liberdade.
Não na alma que seja inverno,
mas, nos dias a passar por Mim,
eu vejo já próximo um fim.
E, no entanto, tanta é a estrada para andar
e tanto inverno sem acabar.
Puríssimo rosto que os anos no tempo desfaz
não olhes senão na direção do futuro
e verás nisso um gesto audaz
e porque a alma se renova a cada amanhecer
sê primavera e verão
sempre no mais fundo do teu ser.
Sê diferente, meu Irmão,
não queiras florir nesta imensidão,
sem que, sendo rosa em botão,
sejas único na multidão.
Vieste desse profundíssimo e vasto Universo
e trouxeste nos teus olhos o sinal
do Mar universal.
Cândida alegria em Ti,
doce Criança,
és o lugar da Esperança.
Era uma onda cristalina,
que pairava no horizonte,
e, translúcida e pura,
parecia um Abraço de ternura.
A névoa entrou pela janela,
respiro agora essa neblina branca
e, por isso, flutuam os meus pensamentos
num corpo preso ao chão
que não vagueia como a razão.
Folheio este caderno do tempo
dia a dia, procurando o signo que seja sinal
de ser cada instante
um momento cintilante.
Na hora mais sossegada,
eis que os Magos adoraram
Cristo, Menino Jesus,
e tanto que na manjedoura,
quanto na cruz,
houve um brilho de Luz.
Revisito a Beleza nas coisas.
E, vassalo da lembrança, repercorro os dias deste breve inverno,
procurando quotidianamente recompor
aquela inteireza perfeita
que já existiu num passado,
antes de haver pecado.
Lá fora o dia que finda lembra-me uma noite
sem estrelas no firmamento
então eu estendo as minhas mãos sobre esta mesa
e passo essas mesmas mãos sobre os papéis dispersos
como se visitasse num templo perfeito
aquela dor eterna no peito.
E finalmente é a promessa cumprida
no assombro de uma vida
desigual
mas sem que triunfasse o mal
o bem prevaleceu
e o Poeta viveu
como guerreiro do universo
em cada prosa num verso.
Passa e permanece
como a bruma que anoitece o dia
na imensidão esta travessia
tanto que nem os deuses com o seu poder
de dar a vida e a morte
nos podem livrar de tal sorte.
Conta-me de novo desse reino de ventura
onde as mães embalam os filhos no Coração
sem medo da perdição
diz-me secretamente ao meu ouvido
que esse reino é nascido
por mil anos
e que ao meu redor
eclode viva a semente
de uma nova humana gente.