E, de súbito, regressou a harmonia,
feita de silêncio e perfeita paz.
Visito, enfim, a memória breve
e me espanto por nesse lugar de encanto
florescer, como uma flor de orquídea a nascer,
cada caminho novo do meu Ser.
E, de súbito, regressou a harmonia,
feita de silêncio e perfeita paz.
Visito, enfim, a memória breve
e me espanto por nesse lugar de encanto
florescer, como uma flor de orquídea a nascer,
cada caminho novo do meu Ser.
No cimo da encosta, o meu olhar vagueia
e tudo em redor me parece
distante e infinito
como se eu fitasse o céu e as estrelas.
Longínqua distância de Mim,
a mesma, igual, sem ter um fim.
Um rio corre
e ouve-se esse correr distintamente
ainda que apenas se sonhe na margem inquieta
da noite esse rio na paisagem
mas é tão real a imagem,
é tão perfeita na sua imensidão,
que não se rejeita
esse murmurar de oração.
Escasso é o tempo de primavera.
E, de vagares, sem desatinos,
as raízes profundíssimas das árvores
procuram na terra o alimento, o sustento.
Nada será em vão.
Virá o verão, o outono, o inverno
e apenas permanece o que é superno.
O poema escreve-se sozinho
e, nesse desalinho,
ganha forma cada verso
pedaço cru do universo.
Demora mais o tempo,
quando o pensamento se agiganta,
mas é nessa liberdade
do movimento das horas
que a minha Alma vibra e canta
como se tardasse o anoitecer
e eu tardasse em me perder.
Florescida, a terra renascida,
suave pranto das fontes
no entardecer
e minha Alma vela
perscrutando no horizonte
a linha clara e suave daquele tempo futuro
em que no regaço as flores
terão mil cores.
Um pastor e o seu rebanho
caminham pela beira da estrada
seguem pela alvorada fora
como se os campos fossem translúcidos
e brilhantes - ricos como diamantes.
Este pastor é um menino fugido
de um recanto do céu
e traz com ele toda a esperança
de para sempre ser Criança.
Prelúdio de primavera,
na encosta,
no verde luminoso que reluz
e eu, na minha cruz,
pesponteio ainda uma invernia
lendo caderno a caderno de desesperança
falta-me o tesouro da paz
e a lembrança
de que até oculto no inverno
o Sol é eterno.
Tátil, o movimento do sonho,
é na realidade um momento de verdade
que posso sentir na minha pele
como uma chuva a cair
sem ruído
no meu corpo despido.
E eis que de surpresa em surpresa
subitamente desperto
e, nesse milagre completo,
o mundo fica mais certo.
Cerro as persianas da janela do quarto,
anulo as cercanias lá de fora
que teimam em ser
cores, cheiros, ruídos e movimentos
desta agitação quotidiana frenética e insana
mergulho na densidade de Mim a sós
e percebo então por entre a solidão
que esse burburinho
não me deixa nunca sozinho.
Na orla dos céus,
junto à linha do horizonte,
bebo a água de uma branca fonte
e, sem saber que sina um deus me destina,
caminho com um passo seguro
até ao Longe, no futuro.
É este o límpido jardim
que habita dentro de Mim
e é instante breve, sem fim.
É inverno.
As palavras dançam ao sol da tarde
antes de anoitecerem
tristes e sós
no poema da minha voz.
Um rio de água correndo
e um sopro de vento -
é assim no meu pensamento,
quando, ao relento,
procuro aquela imensidão
da Palavra que se solta
e que, a Mim, já não volta.
Na montanha branca do pensamento,
cada instante é tão eterno
que pode durar num para sempre
sem outono nem inverno
e é aí que eu sei que tu me dás a tua mão pequenina
sem o tempo passar e nada havendo a lamentar
e descobrimos, então, de mão na mão,
todos os segredos da maravilha do mundo
porque é tão perene a hora
como no canto alegre de uma nora.
Ao alinhavar no fio da lembrança,
o pesponto tem a forma
da própria vida -
dura, inclemente, sem misericórdia -
e elas, reerguidas frente a essa dureza,
são um testemunho de nobreza.
Dizes-me da Esperança,
meu Amor,
e falas-me da imensa Liberdade
que existe num homem de verdade
e cada Palavra tua é uma semente pequenina
que na minha Alma nua não conhece a sina de se perder
ou de, sem fervor, morrer
Peregrino da Confiança e do destino feliz,
és, porque Deus quis,
a Flor e a Raiz
A ave da minha Alma leve
vive em liberdade -
e não porfia, nem de noite nem de dia,
chorando por uma saudade.
Escuto-a, às vezes, no seu cantar,
num voo celeste,
que me maravilha,
e fico com uma vontade sem par
de no meu Ser assim também viver.
O cais é a morada
daqueles que atravessam os mares
em grandes navios e que quase sem destino
se entregam ao Mundo -
é esta a grande glória dos outros,
daqueles que sem letargia
vivem cada dia.
Mas em Mim, na minha Alma descontente,
só o sonhar vibra e avança
e cada dia é só lembrança.
A névoa passageira da noite
envolve o meu espírito
num martírio -
e, nesse instante, procuro o mar,
onda, monção, e, livre o Coração,
navego para além da neblina
para ir buscar naquela ilha perdida
memória para esta vida.
Bruma que se desfaz no amanhecer
sem se poder conhecer
a reta linha do sonho sonhado
tão mais verdadeira
que a névoa passageira.
Nas ruas, ao entardecer,
acrescenta-se de silêncio o dia -
e eu caminho por entre esta solidão
de prédios como se percorresse um bosque mágico
... e a fada dos encantamentos viesse ao meu encontro
num qualquer largo ou esquina
numa visão repentina.
Mas não é assim! Na cidade adormecida de cansaço
não se ouve mais nenhum passo.
Quer o Destino
que cada passo que deres
ainda que pequenino
te leve aonde quiseres -
mas o Destino te acompanha
nesta estrada infinda
e não há prisão tamanha
que te detenha ainda.
Um manto de nevoeiro
envolve a serrania
e o Longe obscurece
neste fulgor passageiro.
Rumorejam fontes
desconhecidas
e eu, lucidamente, a névoa
atravessando,
procuro um sinal de um Futuro
como quem procura um porto seguro.