Limpo e claro, sem tristeza,
o dia amanhece,
quando a noite se esquece
e o sonhar deixa de ser a ladainha
desta Alma minha.
Então, oiço o cântico do alvorecer
e desperto
e me esqueço
de que a Mim não me conheço.
Limpo e claro, sem tristeza,
o dia amanhece,
quando a noite se esquece
e o sonhar deixa de ser a ladainha
desta Alma minha.
Então, oiço o cântico do alvorecer
e desperto
e me esqueço
de que a Mim não me conheço.
A cidade dos homens
entra pelo meu verso adentro
e, num só momento,
o poema é bulício de fim de tarde
escutado com serenidade.
Chove no silêncio mais fundo da noite
e neste batismo da terra todo o pecado se perdoa,
límpida e branca, sem guerra, quando um deus nos abençoa.
À sombra dos grandes prédios da cidade,
procuro dos deuses o rastro.
É essa liberdade, que os deuses possuem,
que a minha Alma busca incessante
e que eu pudera ter só por um instante...
A madrugada pressentida,
límpida e humana,
floriu em abril
e foi primavera em Ti, enfim,
neste assombro que há em Mim.
O verso era tão grande que não cabia
no livro,
por isso o Poeta plantou o verso na terra
e esperou que de arbusto
se tornasse árvore
e amadurecesse e abrigasse
toda a ave faminta
de ler
num alvorecer.
Dos deuses não sei o destino.
E se me interrogo sobre a imensa valentia
da raça humana da gente
é porque na sua suma desgraça
há sempre um Sonho que não passa
e que sempre a acompanha
ainda que a vida seja estranha.
Desenho a rosa pétala a pétala
e no esboço do papel
o carvão rebrilha no escuro deste dia
de chuva e de neblina
como se fosse um sol negro de tempestade
acariciando uma rosa sem idade.
De novo, o Caminho das madrugadas
que se amam no despertar
do espanto
de ser a estrada estreita da vida
a nossa sublime medida.
Talvez seja verdade que o mar
tenha ânsias e dores
nesse marulhar descontente
espelho do que um homem sente.
Mas o azul não me cansa,
nem a dor nem a ânsia
nem o rumorejar do pensamento
me tiram este alento
de acreditar
na vastidão sem par.
Colho na encosta as flores mais desejadas
e nessa Alegria de infante
só me apraz o tempo futuro
em que o Sonho é ainda mais puro.
O cheiro da terra molhada
acolhe o meu Ser
e nesta ternura da Vida
vou destemida e assim quero viver
como quem penetra com o Coração
no poço da ilusão.
De rosa, em flor,
a árvore resplandece
e mais parece um ramo florido
que se ajeita num cristal
numa beleza sem igual.
Antes do amanhecer lustroso do dia,
viva é a noite
e me segreda em Sonho firme
um Ideal
tão justo e sem qualquer mal
que não desejo mais o acordar
nem quero a manhã do alvorecer
com medo de me perder.
Talvez se chovesse
a minha Alma renascesse
no branco lívido à minha volta
e aguarela pintada num cartão
espalhasse uma luz em cada recanto
onde a escuridão domina
e tanto essa fosse a minha sina.
Anoitece.
Calam-se as aves
neste espanto de ser noite.
E tu, Criança, ousas a aventura do Sonho
e, neste horizonte de edifícios que tocam os céus,
clamas por um deus de salvação
triste pregão, que, na rua, desamparado,
morre, sem ser escutado, aqui mesmo ao meu lado.
Vem, este é o caminho do mar
o caminho para encontrar
o começo e o fim
e o regresso
qual onda corredia
que minha Alma extasia.
Suave a primavera.
Suave o amanhecer deste dia.
E, como quem no Universo confia,
encontro nas coisas da vida, triviais,
os meus ideais
a loiça que escorre na bancada
o livro deixado sobre a mesa
a caixa de cartão à espera do papelão.
Imensidão sem fim, rasto de Mim
que ressuscita a cada passo
da dor que há no regaço.
O meu olhar maravilha-se,
contemplando o nítido pensamento de Ti,
homem, deus, bom pastor -
do infinito Tempo redentor.
A nuvem passou,
o céu clareou num momento,
e foi mais firme e sem tormento cada passo.
Lembrei-me, então, da velha caixa de música.
Perdida na lonjura da infância,
me encantava,
e eu, simplesmente, bailava dentro do meu Coração
como bailarina de corda
que a dançar recorda.
Serenamente espero.
Talvez, assim esperando,
um mundo novo esteja chegando.
E, na lonjura, o tempo além dura
numa doce serenidade
de que se erguem os homens de verdade.