domingo, 30 de setembro de 2012

Murmúrio


Tão à sombra das árvores raras

do meu quintal,

descubro a solução para a minha vida:

mudar como vitória escondida.


E assim sem oração

nem pedido

tenho o destino cumprido.




sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Aventura


nova. Pisar com cuidado todas

as pedras do caminho. O outro é eu.


Por isso a fragilidade em fuga

descoberta

em quem eu não Sou

é também minha.


Algures

tudo se assemelha a tudo.

Página idêntica.

Soletração e gaguez.



quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Marulho


do mar sem praia.

Areia despida das ondas.

Descomeço do fim da epopeia

da gesta marítima do tempo

que vem.

Futuro de todas as coisas

fotografado no instante presente.

Que onde? Que mar?


Naufrago é para sempre todo o instante.




terça-feira, 25 de setembro de 2012

Que hora


é esta?, quando chove

no início de outono, sem apagar

as marcas das pégadas

das ações inacabadas.


Docemente será o fim?, deste folhetim

em verso, que ainda não rasguei

por medo de viver

sem uma história a haver.


Mas tudo passa na vida, tudo passa,

como nesta hora de chuva

que me recorda o limoeiro

sedento, que viu terminado o seu tormento.



segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Pauper


Talvez que, na natureza, apenas inveje

os pássaros.

Cantam de madrugada

no raiar do dia

e estendem as asas em voo

em inteira liberdade,

sem momento sombrio.


Quisera ser assim,

mas a minha humana condição

prende-me ao solo da terra

em tais momentos

que são a angústia

do pleno sol na plena luz.



domingo, 23 de setembro de 2012

Vaga-lume


Outrora foi um tempo de pirilampos,

não havia a noite que estava iluminada.

Mas hoje, do tanto que se perdeu,

passados os anos,

fenece a luz.


Poderia já não fazer anos!,

se simplesmente o outono não viesse

talvez eu sempre jovem

mergulhasse apenas

no fio de ouro

do mundo.


Mas... tudo é tão atómico.

Nada dura senão um segundo.



sábado, 22 de setembro de 2012

Madrigal


Silêncio. Gotas de água escorrendo

pela janela aberta.


E o murmúrio inteiro

do céu e do mar

diz-me para confiar.


Talvez o deus da matéria rarefeita

dê aconchego a este Fado

e permita que no influxo das ondas

surja a matéria infinita

a marulhar por sobre os pensamentos

suspensos

através do tempo.



terça-feira, 18 de setembro de 2012

Pôr do sol


Entardece na cidade calmamente

como se o dia perdesse a força do amanhecer

e agora, em silêncio, tombasse

em ouro velho antes da chegada da noite.


Silêncio de água tão puro,

apenas quebrado pelos meus dedos

firmando-se nas teclas do computador

para trazerem à descoberta

o pensamento vago filtrado

pelo exercício desta hora.


E escrevo como se não houvesse senão

um pôr do sol

silente e angustiado

por cima dos telhados das casas,

onde cada um se encerra

na sua tristeza

longe, tão longe, da corrente da natureza.




segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Book-crossing


E que sopre o vento

deixá-lo soprar...

para esquecer a dor

e todo o mal que o mundo tem,

abra-se um livro

que seja de ninguém.



sábado, 15 de setembro de 2012

Clamor


Quem sai de noite para pintar as estrelas

encontra-se mais perto do sol,

talvez Pessoa deambulando

soubesse da justa e perfeita medida:

pintar audazmente o caminho da vida.








quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Líquido cristal


Em Lisboa, a cidade é tua.


És o guerreiro e o herói.

Partes à descoberta dos mundos

e renasces em cada esquina mais

profundo que o sábio índio tribal.


Em Lisboa, não adormeces.


Vives, mesmo à noite, na claridade

do dia e caminhas na estrada do alvorecer

como se não houvesse morrer.


Assim és o citadino perfeito,

capaz de colocar no peito um cravo

ou uma rosa singela,

como se a felicidade, debruçada

da janela, desconhecesse

as dores da última caravela.


 


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Log out...


É assim que me sinto: desligada,

desconectada, apagada.

Nem o canto do pássaro (inexistente)

alimenta o despertar para a realidade da vida.

Podia, como o monge medieval, dormir

300 anos, e acordar como se ainda ontem

tivesse adormecido. Mas onde está a árvore?,

à sombra da qual o tempo se sustém.


Lisboa. Ruas, avenidas e praças. Viadutos modernos,

sem campos de trigo... Apetecia-me agora

fazer delete e apagar todas as palavras,

como à noite se apaga o sol da Vida.



domingo, 9 de setembro de 2012

Lusitânia


Motherland, o que é feito

do canto do pássaro que despertava

na manhã os teus guerreiros

de coragem firme e destemidos?


Vem Viriato, de novo,

ensinar a este Povo

que o jugo da opressão

resigna hoje toda a nação

a aceitar apenas como esmola

um simples pedaço de pão.



sábado, 8 de setembro de 2012

Fim de tarde


acontece sossegado. As árvores, em volta,

vão-se crestando de amarelo.

Será um outono suave?

Chegam-me da rua os murmúrios das crianças

e o som do trânsito na via rápida.

Diferentes percursos se atravessam, assim,

no meu pensamento: o perto que brinca feliz

e o longe que desconheço e é incerto.



sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Velejador solitário


À vela, segue a minha embarcação

sem naufragar.

Os zéfiros comandam

e quando a aragem é branda

não é possível avançar.

Canseiras, desafios e incertezas

são a suma grandeza

deste caminho de velejador.

Não há cantos de sereias

nem deuses no Olimpo.

Não sou o herói Eneias

nem Gama descobridor.

Por isso a tal Índia a que não chego

é apenas uma pobre nação,

e minha alma é simples rochedo

para o cinzel da minha mão.





quinta-feira, 6 de setembro de 2012

De passagem


É fortuita e passageira

a caminhada na vida;

mas cada dia tem um novo gosto

e uma nova etapa acrescida.


Tempêro de orégãos

sustém na comida

o tal gosto pela vida.




terça-feira, 4 de setembro de 2012

O buscador


Procurar o fio de prumo para aferir

a linha vertical do voo das aves,

na penumbra de fim de tarde.


Procurar o livro que tenha as palavras

mais exatas

para iluminar o anoitecer.


Estas são as tarefas do buscador,

incapaz de vigilante tão só

desfiar o rosário das horas

e das dores até um novo dia nascer.


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Vaso de flores


Crisântemos, despedidas de verão,

que hei de plantar,

apenas para ver a nova estação a chegar.


Talvez que na morada dos Céus,

haja um vaso de rosmaninho

para Deus não se sentir tão sozinho.