Se Te derem uma Flor
ama-a e eternamente aconchega-a no Teu Coração
pois é tão frágil como uma infância que é feliz
só de se esperar
que nunca vai acabar.
Se Te derem uma Flor
ama-a e eternamente aconchega-a no Teu Coração
pois é tão frágil como uma infância que é feliz
só de se esperar
que nunca vai acabar.
Passeio por entre versos
à procura de um pouco de luz
como quem deambula pelas ruas da cidade
em busca do sol
mas se nos perdermos numa viela enegrecida
nada resta da claridade
nem do assomo da verdade.
A quietude antes do movimento
o passo da esperança
o gesto largo e despojado
e é neste palco da vida
imorredoiro
que se transforma a tristeza em oiro.
A insónia abre a janela do Mar
onde o meu Sonho
iria buscar
às profundezas
mil e uma certezas
e lúcido e desperto
tenho a Verdade mais perto.
A régua e esquadro desenho a cidade dos homens
e nesta geometria de linhas retas
e ângulos
falta o cabeço de uma serra
a falésia debruçada sobre um mar
uma planície a tocar a linha do horizonte
faltam umas mãos a remexer a terra num vaso de barro
falta uma roseira que silenciosamente
floresce
como o Amor quando cresce.
Silêncio na casa que dorme o Menino
que é um deus pequenino
e por este seu sonhar um mundo
tão perfeito
parece que cada um de nós
o guarda dentro do peito.
Ao anoitecer, parece-me ver nascer
por esses Caminhos onde somos peregrinos
uma aurora fugitiva
e assim se confunde o Tempo
do ancião outrora criança
princípio e fim de toda a Esperança.
Desenho uma Rosa
e pinto-a de Azul, a cor do Céu.
Momento fugaz
como tudo o que a Vida traz.
De lá, tão longe, as palavras são apenas um rumor
que chega até Mim
tal como o brilho desta Luz
que por ora é apenas uma oração
triunfante no meu Coração.
Onde está o Outro esse foragido de Mim?,
que só encontro à beira da estrada,
quando o dia anoitece
e o Céu resplandece.
Até parece que a Alma esquece
que é de Dor este martírio do Mundo
quando semeada a terra e podadas as hastes
se colhe o fruto perfeito
com as Mãos do cansaço
e alheio ele repousa num regaço.
O céu de dezembro na aragem do dia
parece um mar revolto
com as nuvens a passar e a passar
rente ao horizonte
onde eu encontro uma Fonte.
Medito naquela ponte que não há
entre a realidade e este Sonho
de eterna quietude
como se no meu regaço
deus fizesse e desfizesse um laço.
À noite, aflora aquela mansidão dos Poetas
que, no silêncio dessas horas em que o dia entardeceu,
rompe quietamente a escuridão
e cada verso é uma Luz no seu Coração.
Colho um novo pensamento
quase fruto na íngreme distância do olhar
e medito e é infinita a ideia
que me comove
quando a semente da razão
toca o meu Coração.
Límpido, eis um pensamento de Esperança:
quem baila no mundo esta dança da vida,
ardente e audaz, de tudo é capaz.
Chove agora uma chuva que é silêncio e dó
e certeza
de haver, justo e certo, no Mundo
o meu vaguear profundo.
Sem hesitar, a árvore sonha o Céu.
Também eu, sem hesitar,
é nesse Sonho que eu quero estar.
És um faroleiro do mar
e só em Ti encontro
no rigor dos dias
a estreita passagem
para as horas sadias.
No alvorecer,
meu Ser
que o Universo contém
como que desperta para um Além.
Como uma barca que balança
nas ondas do mar,
assim vejo nas águas do Mundo
tristes e sós
a vacilar quem não tem voz.
Venho tecer os dias
como tecedeira que tece
e não esquece
que a manta se acrescenta
fio a fio como ano a ano a vida
até ao dia da partida.
Do Poeta o rosto talhado
em cada verso
é mais e maior que toda a imensidão
ainda que pareça ser ilusão.
Um café... e agora que farei?,
talvez medite num verso humilde e raro
que torna todo o Céu mais claro.
Naquele tempo de haver sempre uma Esperança,
uma flor floriu
e tanto espanta esse florescer
que hoje eu também
floresço
e a m' espantar eu cresço.
Quase táteis, as letras das palavras
no écran da máquina
constroem versos imprecisos
e letra a letra, palavra a palavra, verso a verso,
tudo permanece e é disperso.
Mais do que a inquietude em Mim,
há, no meu Coração,
uma serena Confiança,
que irradia para Além
como aquela estrela de Belém.
Acordo na noite.
E sei que a cidade ainda adormecida
despertará em breve
para um outro sono da vida.
Longe da multidão e do mundo,
meu Ser tem o gosto larvar
de permanecer num só lugar.
Como um vagabundo que recolhesse
pensamentos cansados
que já não servem a ninguém,
assim vejo passar a densa multidão,
apenas colhendo a ilusão.
Talvez seja singelo o canto
que como uma árvore apenas nascida
procura no mistério da vida
o sopro magnífico
e constante
que dá o alento a cada instante.
O miradouro da janela
é mais amplo no amanhecer
e suavemente me convida
a olhar, a contemplar e a conhecer.
Atravesso o empedrado do Caminho
por sob as copas das árvores
e é bela a estrada desta madrugada
sem sonho num silêncio verdadeiro
como se encontrasse o instante primeiro.
Porque nos juncos do caminho
raiou o Sol, meu irmão,
desse manto repartido
um laço terá nascido
para sempre na imensidão.
Dantes, toda a árvore ressequida,
sem vida, que povoasse um sonho meu,
me parecia ser sinal
de uma aventura sem igual.
Mas, agora, livre enfim,
dessa dor em Mim,
cada sonho é apenas um sonho,
em que cada árvore morta
já nada importa.
Entre a terra e o céu
'spera meu Ser
pelo instante imortal
desta busca universal.
As folhas de outono são mais belas
e doiram minha Alma que resplandece
e do Mundo não se esquece.
No tear deste mundo, se tece cada dia
logo ao amanhecer
e isso é a jornada do Ser
que como ave abre caminho
e voa Além
com toda a força que tem.
A palavra nasce na névoa do pensamento
mas encontra o trilho perfeito
nos caminhos da imensidão
quando toca no Coração.
Não sei o nome dessa Flor
que em fogo meus olhos incendeia
nem conheço o seu mistério
apenas sei que desponta do alcatrão do chão
quando milhões de passos lavram esta estrada encardida
e num sopro de vida
ela floresce amanhecida.
Escuto o mar
e nada oiço que se agigante
nem que reverbere naquele instante
do naufrágio da vaga na areia
e triste ideia colhi
- ser o silêncio de deus também
como esta onda que vai e vem.
Incógnita é a morada
do santo que segue a estrada
do tempo que não volta mais à sua mão
e o oferece,
a cada dia que amanhece,
como um pão repartido,
porta a porta,
e que a Alma conforta.
Da névoa te direi
que é o lugar da Esperança
e, nesse branco baço nebuloso,
que rodeia primeiramente o pensamento,
antes do poema ser,
há um ideal
há um sonho sem mal.
Vem, Caminha comigo,
amigo,
vamos juntos calcorrear por essas vilas e cidades
os caminhos da Liberdade
e, sem idade, nesse movimento infinito,
não há saudade nem espera de uma nova primavera.
Chove.
E, num dia que é perfeito,
sem mágoas nem dores no peito,
a chuva outonal
é o sinal profundo
da desdita neste mundo.
Como tardas Encoberto,
sonho das Eras
e Esperança de não serem mais vácuos os dias.
O Sol doira já no horizonte,
e daquela fresca fonte
escorre desde o amanhecer
a límpida água do teu Ser.
Não tardes. Vem.
A manhã e o Mar esperam por Ti
como uma Criança que sorri.
Triste, porque é eterno,
aquele sono não desejo nem quero
que é a sonolência das almas desesperançadas
que tanto na vida como na morte
tanto na escuridão e na luz
arrastam essa cruz.
De tuias e figueiras odoríferas
e as mil aves do paraíso
o éden brotou
como canteiro de jardim
num sonho de infante
- belo, puro, abundante.
Antes do finito movimento da onda
tombar raso na areia da praia,
a escuridão da noite
cobria o abismo e nada nem ninguém
havia além
daquele sopro de vida incandescente
raiz de vida da humana gente.
Às vezes, quando é de tarde,
e a luz embrandece
nada me esquece
daquelas ruas estreitas e daquelas paredes brancas
que, como uma barca a navegar,
anseiam por um porto de Mar.
Abro a janela e a névoa, muito branca e pura,
entra pela casa adentro e ilumina
com um fulgor
o Teu gesto de amor.
E, esse gesto, que é um afago e uma carícia,
é tão dúctil como a neblina
de outono
o cimo das árvores embevecendo
numa constância de Coração
- branca e pura imensidão.
Pousa, na minha Alma, depois do lúcido
instante do voo,
o pensamento ébrio e feliz
de todo o lar ser sempre uma raiz.
Delírio do sonho nesta multidão
que segue um único rumo de estrada
e que sem pensar em nada
olha a paisagem sem a ver
e sem enlouquecer.
A alvorada tem o encanto e a Luz
do amanhecer que anuncia
toda a Esperança e toda a Paz
mas, no teatro do dia,
a aurora dura um segundo
e as dores do mundo
tomam conta desta dança
e nada fica nem há Lembrança.
Nas estantes as páginas dos livros
são o ermitério denso das Palavras
mas, quando a Luz nasce e vem sobre elas,
um movimento vivifica todo o pensamento esquecido
e que é mais do que um bem
é um sopro do Além.
O ecrã encerra o mistério
deste Sul sidério
que não tem maresia
nem uma ilha encantada
nem duma caravela a jornada.
É antes uma ondulação sem mar,
silenciosa e pura,
que na alma sempre dura.
Na dança da Alma, o eirado é o jardim,
e desnudo, como um campo florido,
toda a sensação nele se colhe,
no aroma e no olhar,
como um tempo que passa sem passar.
É de outono este dia sem impureza
e límpido
cotejado de silêncio e céu
em que eu procuro
no Sonho da verdade
a Paz de uma eternidade.
Rumor de memória tão subtil
que até parece que do tempo se esquece
que na vida de um Poeta há sempre o sinal
de todo o homem lhe ser igual.
Anoitece
e minha Alma parece
entardecer como este dia
falta o júbilo e a alegria
de ser num eterno agora
um som de água
que contém
um Mar e um outro Além.
Lavadas de orvalho, minhas mãos colhem
logo no amanhecer o oiro do teu Ser.
E assim, como quem colhe um tesoiro,
que luz como uma estrela do céu,
eu colho aquela boa esperança
que em ti nunca esmorece
nem fenece.
Sonhamos o branco desta espuma de Mar
como quem na amurada de um navio
sonha o sonho de terra firme
onde encontrará o Abraço, o Beijo e a Flor
do homem salvador.
Numa qualquer manhã, colhes
no desafio do dia quase por nascer
a inteireza plena do teu Ser.
Branca e leve, a barca balança no Mar,
e cada onda breve
assinala o muito a navegar.
E, neste balanço do Mar, também minha Alma
nas ondas se balanceia e, como a barca, branca e leve,
parece que ela no Mar ondeia.
Da janela que se abre para o Mundo
vejo as manhãs de ouro
e um silêncio de prata
que me arrebata.
É frágil este lugar das palavras.
E ténue. Mais frágil e ténue do que o Céu
onde nenhum homem pode chegar
sem antes desbravar o seu Mar.
Não queiras, Musa, que eu verseje
naquela rima antiga.
Dá-me um novo alento,
e que eu sinta por dentro
que cada verso tem a medida da vida,
luminosa e acabada,
e de todo o homem desejada.
Em todos os caminhos
com princípio e com fim
vejo apenas uma ténue imagem de mim
e sem vontade
perdida no rigor da idade
procuro contudo a estrada perfeita
silenciosa e pura
caminho que para sempre dura.
Folheio o livro
e as palavras, as sílabas e as letras,
desprendem-se de cada página
brincam com todos os sentidos
criando um poema novo
que é como pão para o povo.
Quando chegar aos pátios no grande edifício
no centro da cidade
encontrarei a minha mocidade também
em cada um dos rostos de quem
com a vida se espanta
e não sabe que ela se agiganta.
À noite os luzeiros distantes
entram pela casa
e fito então as estrelas no soalho do chão
como se harmonia do universo
viesse ter comigo
e todo o céu fosse um abrigo.
Do dia claro colho aquela ousadia
dos Poetas
firmar um Céu sobre os penedos e os rochedos
com um verso sereno
como se um deus acenasse
e então já nada mais importasse.
É de ouro este instante
em que a Paz
vem inteira colher da natureza
o fruto já maduro
e se estende e se estende
infinitamente pelo futuro.
Daqueles que caminham no mundo
nada sei
nem dos Sonhos nem da Esperança
nem da simples Confiança no Amor
errantes e perdidos
sem abrigo além
eu sou também como é alguém.
À sombra da grande árvore do pátio
descansa o meu Coração
ela é o Mestre que me ensina
a também eu morrer de pé
nesta vida que é como é.
Como é tão frágil o céu!,
na mansa quietude da alvorada,
e, sem uma luz, parece obscurecido de noite fechada,
tão densa e eternamente
que é de angústia a minha Alma sujeita
por a manhã não ser perfeita.
Em espanto, vejo o correr da vida
neste cais aonde chegam e de onde partem os navios
e eu moradora do cais
permaneço
neste porto que é infinito lugar
da minha Alma estar.
Túmida, a terra parece um mar silencioso
que repousa nos meus braços
como se eu embalasse o Mundo
e, do mais fundo de Mim, a Criança eterna
me sorrisse, sem que o tempo fugisse.
Neste instante mais lúcido, versejo
e a rosa que vejo
no meu peito florescida
é o meu mestre na arte da vida
e, sem raiva já, nem medo nem temor,
colho neste jardim esta flor
que entre as sílabas do poema deposito
e serenamente fito.
Varrido de tempestade, o pensamento
encontrou, enfim, uma acalmia
e cada onda é agora
aonde a Felicidade mora.
Da árvore, colho o fruto
e, no sabor que ele tem,
conheço o caminho e a estrada
é agora alvorada
caminha destemida, Mulher,
que no fruto que se quer
não há condenação
se desfizeres no mundo a Ilusão.
Simplesmente um verso
em mil palavras redimido
contém da Alma o sentido.
Sonhei aquele Mar constante,
de vaga em onda a rebentar na areia,
mas era Sonho sem ter a verdade
de uma tempestade.
Acordo na noite
e os penedos de neblina
roçam lucidamente a minha pele
e um frio de morte em Mim
parece não ter fim.
Da longa viagem ao paraíso, o menino pássaro
descansou e, pousando enfim na terra dos homens,
viu, desprendendo-se da brandura desta tarde de setembro,
as avezinhas correndo pelo céu, livres, tão livres, e dessedentas
que só elas não sentem nem a voragem nem as tormentas.
O cimo da árvore, de tanto sonhar o céu,
é já só sombra de nuvem muito branca,
agora a escorrer pelos ramos
como uma neblina num tesouro
à procura de um reflexo de ouro.
Como uma fonte que me dá de beber
é este silêncio na alma
no silêncio de uma tarde calma.
Neste chão onde permaneço,
em árvore, arbusto e flor,
não há memória de um começo
sem o rasgo de um fulgor
por isso, na alvorada deste amanhecer
a natureza em Mim,
árvore, arbusto, flor,
teve, num breve instante, o seu verdor.
Em toda a alma que é de paz
vivifica um encantamento,
sereno, tranquilo,
na voragem do tempo.
Foram de mar as searas
que antes de Mim cada homem ceifou -
e eu, poeta de uma só lembrança,
sou de vento, de chuva, e de sol
nesse amuleto de esperança
que é o sorriso de uma só Criança.
À beira do caminho, o Poeta
pousa as Palavras
nesse chão de terra e de pedra
para que floresça um verso
nesse húmus do Ser
que não se rende nem esgota
nem é uma simples coisa morta.
Sob um céu sempre azul,
navegaste dos mares os caminhos
e nada de Ti se perdeu nem esqueceu
nem foi hora de desdita
nem de desconsolo também
neste rumo incerto que a vida tem.
E cada colina é um mar
e cada mar uma galáxia do universo -
e cada passo corrido
conduz ao destino merecido.
À sombra desta árvore secular
permaneço -
e no bem que o jardim tem
apenas o meu Sonho segue para Além.
Trilho de pedra no meu Coração -
caminho das horas benditas
em que tu, Coração, acreditas.
O sol rente ao cimo da encosta -
silvo de luz ao longe no horizonte
evoca em Mim a sede de água de uma fonte.
Depõe as armas, o tempo é de paz -
é até pecado ter as armas em riste
quando um bem existe.
Tudo limpo no meu pensamento -
qual planície campo aberto
em que desperto.
Espelho deste meu entardecer,
em mansidão,
do lago, simples e perfeito,
são as águas que guardo no peito.
Ao acender das luzes,
vejo na noite simples mistério
um lusco fusco da multidão
ainda mais solitária e vazia
do que uma alma que se esfria.
Ao meu redor, branco e luzente,
o interior da casa
perfaz o sonho de um Caminho
de terra e de saudade
como se, sem idade,
eternamente eu procurasse
e não achasse.
Sem sombra, num claro assomo
de Esperança,
cotejo livros na lembrança
e procuro a Palavra primeira
única e verdadeira.
A memória de luz
suaviza este momento do entardecer
tanto, que não há choro nem pranto
por mais um dia que termina
em que a rosa no jardim colhida
é apenas um sinal da vida.
Pela tarde fora
o tempo não demora
neste verso de rima pobre
nem no mar que vem
pois tudo é Além.
Na casa da avó, há uma cadeira de balancear
e nela me balanço para ver o Mar
e no ir e vir das marés
tenho a imensidão do Mundo aos meus pés.
De tanto pisar caminho
e de tanta pedra e espinho
senti minha a dor de quem passa
e no mundo não tem
a simples esmola de alguém.
Por isso, meu Amigo, quando deres o óbolo final,
lembra-te que és um simples mortal.
Lê o mundo,
e não te canses,
como se fosse um poema
arrancado do Coração
de um Poeta, triste e só,
que eleva a sua voz.
Ouve, agora, a noite quase sem vento
e, nesse murmurar na escuridão,
desperta e não adormeças,
pois pode ser que te esqueças,
no noturno sono,
da imagem do amanhecer
que luz no espelho do teu Ser.
A quem encontrares no Caminho,
saúda tirando o chapéu largo
e humilde
perante o grande mistério da vida
espalha a Confiança
que trazes num regaço de Esperança.
À sombra das horas fugitivas,
fito o horizonte
e até parece que jorra de uma fonte
meu pensamento sem pecado
límpido
e esvoaçante
como a natureza de cada instante.
Mistério profundo
esta Dor no mundo
de viver
até um entardecer.
Levemente esqueço.
E, então, abre-se em Flor
o Mar
- Alma calma e de paz
e viva no cemitério onde tudo jaz.
Âncora da vida e do Coração
essas mãos perfeitas
abrem-se para Mim
sem que o tempo tenha um fim.
Ó grandes edifícios de betão
das grandes cidades do Mundo!,
que não vedes o entardecer na minha colina
quando o sol se põe
e uma réstia de Luz
pequenina
tinge de um brilho incandescente
este momento do presente.
Bamboleantes, na vertigem da luz,
as árvores cimeiras às minhas janelas
deixam o vento passar por elas
e eu olho e observo
sempre no maior espanto
curvam-se mas recuperam
sempre a verticalidade delas.
De novo, a orquídea floriu
e nessa hora incerta de florescer
nada nem ninguém
sabe da dor que se tem.
No antes do adormecer,
vem o Sonho ao meu encontro
e eu abro os meus braços como num abraço
para o estreitar gentilmente
e nesse Sonho vives tu, peregrino,
que ao arrepio do destino
moras no Sonho que é meu
e Orfeu me encantas
com as tuas palavras tantas.
Se alonga a tarde nestes dias de verão
quando eu procuro por ti, musa inquieta,
na hora mais deserta.
Um dia este céu de noite escura
será estrelado
e a lua terá o sol espelhado
e neste magnífico firmamento
porão os seus olhos os homens por um momento.
A encosta, nesta tarde,
é o meu Sonho de eternidade
e luz nela ao entardecer
um sopro brilhante de Sol
- lindo farol.
Nas ilhas encantadas,
o rei vive
sublime e portentoso
sempre moço
e por tão Longe o Coração espera
docemente e sem dó
e sem medo de ficar só.
Beberei um dia
da água de todas as fontes
e nesses mil horizontes
me sacio
e em Mim correrá um rio.
Mistério de ser e não ser
o destino
o ditame da multidão
pois em cada mão há uma linha cruzada
e entrecortada
que nos diz que a vontade é quase nada.
À amurada de um navio,
sonho a lonjura
deste Fado
que em tanto caminho andado,
mouros, poetas e heróis,
firme permanece
rio que não se esquece.
Planta hoje
e não te surpreendas
de não teres já o fruto na tua mão
sem o tempo não cresce a semente
nem a árvore amadurece nos seus ramos o pomo
e assim neste devir
de colher o que se planta
tua alma já não se espanta.
Um halo de luz envolve a Casa
e a Criança desenha com as Palavras
o Jardim onde hão de florir
pensamentos e sonhos novos
talvez seja um Poema
um Caminho pleno de Confiança
a raiz de toda a Esperança.
Nascida do ventre da noite silenciosa,
a aurora é como uma prosa
fluente e ritmada
e tão desejada
que parece ver-se um Mundo perfeito
ao raiar do dia
- e isso é poesia.
Minha Alma procura a Sul
a Verdade inteira
um canto de ave
um ribeiro manso
o Sol e a Lua
e alegra-se num contentamento suave
quando ao entardecer
tudo parece continuar a viver.
Colho do tempo, sem revolta,
o tempo que não volta,
quando, como na Pérsia antiga,
eu movo no tabuleiro ousadamente um peão
no movimento translúcido da minha mão.
Em dia de são joão, há muito tempo atrás,
eu atravessava o tejo para Te abraçar
e era doce e manso sempre esse dia
puro recanto de harmonia.
Neste cais de almas sem esperança,
como uma barca balança
o correr da longa vida
e triste, sonha a meu lado,
o pierrot mal amado
que sem estrela nem luz
nem quietação
fantasia uma ovação.
Criança ainda devo ter acreditado
num Mundo sublime e perfeito
tal qual era a inteireza que eu sentia
dentro do meu peito
quando sem haver solidão
brincava com bonecas de cartão
mas tempo foi que tanto passou
que agora onde eu estou
vejo um Mundo triste e insano
e eu já sem bonecas de pano.
Na imensidão da noite, luz a madrugada
no canto daquele pássaro do paraíso
e, então, perco-me do tempo
e regresso aos verdes anos
dos enganos e das quimeras
dos desassossegos e das longas esperas
para ser o que hoje eu sou
sabendo para onde vou.
Gratidão ao Fado,
se pisei em dores tanto do caminho,
antes desta chuva límpida
acontecer
e me dar de beber.
Sob este céu cinzento de primavera,
caminho constante
porque sei
que virá o claro dia
de viver ousadamente
e sem grilhão
por entre a multidão.
Nos muros de Cnossos,
procurei a chama ardente da vida,
mas de Mim foragido, não pude achar,
a luz que incendeia aquele lugar.
Espero pelo dia verdadeiro,
o primeiro,
em que a humanidade,
longe da sombra e da ruína,
seja uma Criança pequenina.
Chove lírio roxo a flor do jacarandá
e a Mim me esquece
que até o amanhecer finda
tal como a vida se esvai
em silêncio, sem ai.
Pela janela entrou o Sonho de seres
de um destino de gentes
diferentes
e, nesse seres múltiplo e igual,
manhã e noite consentida,
criaste um sentido para a vida.
Augusta a sombra
parece um rendilhado de croché
nos ramos que se entrecruzam no chão
- e percebo, então, que nada é em vão.
A cercania do vento
despenteia os meus cabelos
e nas árvores há o baloiçar dos ramos
este é, pátria, o tempo da desdita
em que, sem glória nem conquista,
o torvelinho apenas contém
pedaços soltos de um Além.
É gentil este quebrar de onda
na areia da praia
leve inquietação passageira
que aviva neste instante o pensamento
de que é incerto
o oceano decerto.
Planta uma semente
e nessa límpida tessitura de raízes
brota uma árvore florida
em uma outra manhã da vida.
Novamente o Sol
- a iluminar os meus Caminhos -
entardece no beiral
e eu suspeito que no brilho e, na luz
tão desejada,
se acrescenta
o que o Mundo movimenta.
E a Ave voou
para tão perto de Mim...
e, então, num raro instante
de Beleza singela,
pareceu-me haver uma Perfeição
no Mundo
em que sem fome, nem guerra nem exploração
é possível fazer-se uma canção...
À margem do poema, um rio
de palavras corre
e, nessa outra tessitura,
outro poema se desenha
mais real, e sem nevoeiro,
porque é todo e só pensamento
perfeito a cada momento.
Distante o casario branco
lá no Sul
aguarda a Hora
do regresso do Poeta foragido
que triste, e só, e perdido,
junta letras e sons e vogais
imaginando roseirais.
Eu canto a Liberdade
em toda a primavera florida
como um canto de vida -
e nesse canto existe o espanto
sublime e tão natural
de haver o bem e o mal.
É noite ainda.
Nunca deixa de ser noite,
quando o Sonho que habita em mim
parece não ter um fim.
E ainda que os pássaros cantem
pela madrugada adentro
abro a janela e só vejo a escuridão
e, nela, o meu Sonho, o meu Coração.
A Criança em Mim
eternamente procura
aquele castelo da ventura,
onde vivem para sempre felizes
o príncipe, a princesa e a fada encantada,
sem que o cansaço da jornada
tolha a alegria verdadeira
de toda a comoção que é sentida
e no coração vivida.
Chove a flor do jacarandá
nas ruas da cidade
manto lilás
e, noutro tempo, eu colhia
nesta chuva a alegria
singela
de me molhar nela.
Nas ruas, é sagrado este silêncio
em que nada, na tarde, se inquieta
e a minha Alma desperta
ascende mais alto
até àquele Céu da bem-aventurança,
bela lembrança.
Mas, no puro instante da Felicidade,
sei, porque achei, mora também a Saudade.
Erguem-se as velas no grande mastro
da inquietação
e baloiça este Ser
da manhã até ao anoitecer.
Ao sol do entardecer,
não há outro viver para Mim
do que procurar sem fim
a frágil Luz com que se alumiam
os anos e os meus desenganos.
Corrupio de Mar nesta enseada
do pensamento
que, numa roda viva, parece fenecer
nesse para Além do ser.
Não é da morte o insondável mistério
que me perturba -
é o prodígio da vida,
de alma rasgada,
na busca do Nada.
Quando amanhece
e há um Mar de Paz à minha volta,
há uma brancura
que de um imenso horizonte se solta
e que é límpida e pura
como o ser feliz sem amargura.
No compasso da noite,
a insónia é a perturbação
de quem sabe que vive em vão.
E nem as estrelas, refrigério da Alma,
a dor da existência acalma.
Pesa na Alma a lassidão
silenciosa deste tempo crepuscular
em que, em vez de se Abraçar como filho
e como irmão cada ser,
se mata e a vida se perde
como se não houvesse um campo verde
de viço e de alegria também
que se oferecesse a alguém.
Memória de sol e de campo
e de toda a coisa singela,
simples e Bela.
Em busca do silêncio, aos deuses
ofereci a seiva da minha vida -
e, agora, com um Coração que ora,
encontro nesse recato
a lembrança do meu ato.
Onde a luz é natural e mais pura
renascem os dias e é feliz o momento,
nesse onde de graça tanta,
que o Mundo espanta.
Na voz das Crianças,
há um enredo de Mar límpido
e secreto
que é justo e que está tão perto
do Coração
que nada é em vão.
Mas, nessa justa medida,
metade é silêncio na minha voz
como um rio que perde-se na foz.
Quando o meu Coração chora
é porque o vento lá fora
numa inclemência desmedida
sopra mais forte do que a Vida.
Tarda o verão
hoje no meu Coração -
angústia das horas inquietas
que só um gesto ardente,
mostra o que a minha Alma sente.
No desalento, não há paz
nem há conquista
apenas uma tristeza à vista
costura um pano rasgado.
Mas, no meu deleite, só encontro
no dia horas nobres
e bordo com uma linha muito fina
o manto de cada verso
pois a viver começo.
São águas profundas
as deste rio
que vejo correr desde o nascer.
O grande mistério que é o Sol,
estrela do dia,
em assombro e espanto
refulge também no meu ser,
e é sempre oiro, sem anoitecer.
O desafio é balouçar ao vento
como as árvores
e na vida permanecer de raízes ancoradas.
Este é o segredo da jornada,
dia a dia, passada a passada,
e tudo o mais é nada.
Viajo ao amanhecer
e, no rosto de cada desconhecido,
vejo a terra, vejo o chão
e sei que a cada um podia dar a minha mão.
Vem do Longe,
vem daquele tempo que é eterno,
o poema que dizes tão bem:
estou nos braços da minha mãe.
Cinzelo na dura rocha
o cântico do permanecer
e cada palavra revela a sublime certeza
da maravilha da Natureza.
Limpo e claro, sem tristeza,
o dia amanhece,
quando a noite se esquece
e o sonhar deixa de ser a ladainha
desta Alma minha.
Então, oiço o cântico do alvorecer
e desperto
e me esqueço
de que a Mim não me conheço.
A cidade dos homens
entra pelo meu verso adentro
e, num só momento,
o poema é bulício de fim de tarde
escutado com serenidade.
Chove no silêncio mais fundo da noite
e neste batismo da terra todo o pecado se perdoa,
límpida e branca, sem guerra, quando um deus nos abençoa.
À sombra dos grandes prédios da cidade,
procuro dos deuses o rastro.
É essa liberdade, que os deuses possuem,
que a minha Alma busca incessante
e que eu pudera ter só por um instante...
A madrugada pressentida,
límpida e humana,
floriu em abril
e foi primavera em Ti, enfim,
neste assombro que há em Mim.
O verso era tão grande que não cabia
no livro,
por isso o Poeta plantou o verso na terra
e esperou que de arbusto
se tornasse árvore
e amadurecesse e abrigasse
toda a ave faminta
de ler
num alvorecer.
Dos deuses não sei o destino.
E se me interrogo sobre a imensa valentia
da raça humana da gente
é porque na sua suma desgraça
há sempre um Sonho que não passa
e que sempre a acompanha
ainda que a vida seja estranha.
Desenho a rosa pétala a pétala
e no esboço do papel
o carvão rebrilha no escuro deste dia
de chuva e de neblina
como se fosse um sol negro de tempestade
acariciando uma rosa sem idade.
De novo, o Caminho das madrugadas
que se amam no despertar
do espanto
de ser a estrada estreita da vida
a nossa sublime medida.
Talvez seja verdade que o mar
tenha ânsias e dores
nesse marulhar descontente
espelho do que um homem sente.
Mas o azul não me cansa,
nem a dor nem a ânsia
nem o rumorejar do pensamento
me tiram este alento
de acreditar
na vastidão sem par.
Colho na encosta as flores mais desejadas
e nessa Alegria de infante
só me apraz o tempo futuro
em que o Sonho é ainda mais puro.
O cheiro da terra molhada
acolhe o meu Ser
e nesta ternura da Vida
vou destemida e assim quero viver
como quem penetra com o Coração
no poço da ilusão.
De rosa, em flor,
a árvore resplandece
e mais parece um ramo florido
que se ajeita num cristal
numa beleza sem igual.
Antes do amanhecer lustroso do dia,
viva é a noite
e me segreda em Sonho firme
um Ideal
tão justo e sem qualquer mal
que não desejo mais o acordar
nem quero a manhã do alvorecer
com medo de me perder.
Talvez se chovesse
a minha Alma renascesse
no branco lívido à minha volta
e aguarela pintada num cartão
espalhasse uma luz em cada recanto
onde a escuridão domina
e tanto essa fosse a minha sina.
Anoitece.
Calam-se as aves
neste espanto de ser noite.
E tu, Criança, ousas a aventura do Sonho
e, neste horizonte de edifícios que tocam os céus,
clamas por um deus de salvação
triste pregão, que, na rua, desamparado,
morre, sem ser escutado, aqui mesmo ao meu lado.
Vem, este é o caminho do mar
o caminho para encontrar
o começo e o fim
e o regresso
qual onda corredia
que minha Alma extasia.
Suave a primavera.
Suave o amanhecer deste dia.
E, como quem no Universo confia,
encontro nas coisas da vida, triviais,
os meus ideais
a loiça que escorre na bancada
o livro deixado sobre a mesa
a caixa de cartão à espera do papelão.
Imensidão sem fim, rasto de Mim
que ressuscita a cada passo
da dor que há no regaço.
O meu olhar maravilha-se,
contemplando o nítido pensamento de Ti,
homem, deus, bom pastor -
do infinito Tempo redentor.
A nuvem passou,
o céu clareou num momento,
e foi mais firme e sem tormento cada passo.
Lembrei-me, então, da velha caixa de música.
Perdida na lonjura da infância,
me encantava,
e eu, simplesmente, bailava dentro do meu Coração
como bailarina de corda
que a dançar recorda.
Serenamente espero.
Talvez, assim esperando,
um mundo novo esteja chegando.
E, na lonjura, o tempo além dura
numa doce serenidade
de que se erguem os homens de verdade.
E, de súbito, regressou a harmonia,
feita de silêncio e perfeita paz.
Visito, enfim, a memória breve
e me espanto por nesse lugar de encanto
florescer, como uma flor de orquídea a nascer,
cada caminho novo do meu Ser.
No cimo da encosta, o meu olhar vagueia
e tudo em redor me parece
distante e infinito
como se eu fitasse o céu e as estrelas.
Longínqua distância de Mim,
a mesma, igual, sem ter um fim.
Um rio corre
e ouve-se esse correr distintamente
ainda que apenas se sonhe na margem inquieta
da noite esse rio na paisagem
mas é tão real a imagem,
é tão perfeita na sua imensidão,
que não se rejeita
esse murmurar de oração.
Escasso é o tempo de primavera.
E, de vagares, sem desatinos,
as raízes profundíssimas das árvores
procuram na terra o alimento, o sustento.
Nada será em vão.
Virá o verão, o outono, o inverno
e apenas permanece o que é superno.
O poema escreve-se sozinho
e, nesse desalinho,
ganha forma cada verso
pedaço cru do universo.
Demora mais o tempo,
quando o pensamento se agiganta,
mas é nessa liberdade
do movimento das horas
que a minha Alma vibra e canta
como se tardasse o anoitecer
e eu tardasse em me perder.
Florescida, a terra renascida,
suave pranto das fontes
no entardecer
e minha Alma vela
perscrutando no horizonte
a linha clara e suave daquele tempo futuro
em que no regaço as flores
terão mil cores.
Um pastor e o seu rebanho
caminham pela beira da estrada
seguem pela alvorada fora
como se os campos fossem translúcidos
e brilhantes - ricos como diamantes.
Este pastor é um menino fugido
de um recanto do céu
e traz com ele toda a esperança
de para sempre ser Criança.
Prelúdio de primavera,
na encosta,
no verde luminoso que reluz
e eu, na minha cruz,
pesponteio ainda uma invernia
lendo caderno a caderno de desesperança
falta-me o tesouro da paz
e a lembrança
de que até oculto no inverno
o Sol é eterno.
Tátil, o movimento do sonho,
é na realidade um momento de verdade
que posso sentir na minha pele
como uma chuva a cair
sem ruído
no meu corpo despido.
E eis que de surpresa em surpresa
subitamente desperto
e, nesse milagre completo,
o mundo fica mais certo.
Cerro as persianas da janela do quarto,
anulo as cercanias lá de fora
que teimam em ser
cores, cheiros, ruídos e movimentos
desta agitação quotidiana frenética e insana
mergulho na densidade de Mim a sós
e percebo então por entre a solidão
que esse burburinho
não me deixa nunca sozinho.
Na orla dos céus,
junto à linha do horizonte,
bebo a água de uma branca fonte
e, sem saber que sina um deus me destina,
caminho com um passo seguro
até ao Longe, no futuro.
É este o límpido jardim
que habita dentro de Mim
e é instante breve, sem fim.
É inverno.
As palavras dançam ao sol da tarde
antes de anoitecerem
tristes e sós
no poema da minha voz.
Um rio de água correndo
e um sopro de vento -
é assim no meu pensamento,
quando, ao relento,
procuro aquela imensidão
da Palavra que se solta
e que, a Mim, já não volta.
Na montanha branca do pensamento,
cada instante é tão eterno
que pode durar num para sempre
sem outono nem inverno
e é aí que eu sei que tu me dás a tua mão pequenina
sem o tempo passar e nada havendo a lamentar
e descobrimos, então, de mão na mão,
todos os segredos da maravilha do mundo
porque é tão perene a hora
como no canto alegre de uma nora.
Ao alinhavar no fio da lembrança,
o pesponto tem a forma
da própria vida -
dura, inclemente, sem misericórdia -
e elas, reerguidas frente a essa dureza,
são um testemunho de nobreza.
Dizes-me da Esperança,
meu Amor,
e falas-me da imensa Liberdade
que existe num homem de verdade
e cada Palavra tua é uma semente pequenina
que na minha Alma nua não conhece a sina de se perder
ou de, sem fervor, morrer
Peregrino da Confiança e do destino feliz,
és, porque Deus quis,
a Flor e a Raiz
A ave da minha Alma leve
vive em liberdade -
e não porfia, nem de noite nem de dia,
chorando por uma saudade.
Escuto-a, às vezes, no seu cantar,
num voo celeste,
que me maravilha,
e fico com uma vontade sem par
de no meu Ser assim também viver.
O cais é a morada
daqueles que atravessam os mares
em grandes navios e que quase sem destino
se entregam ao Mundo -
é esta a grande glória dos outros,
daqueles que sem letargia
vivem cada dia.
Mas em Mim, na minha Alma descontente,
só o sonhar vibra e avança
e cada dia é só lembrança.
A névoa passageira da noite
envolve o meu espírito
num martírio -
e, nesse instante, procuro o mar,
onda, monção, e, livre o Coração,
navego para além da neblina
para ir buscar naquela ilha perdida
memória para esta vida.
Bruma que se desfaz no amanhecer
sem se poder conhecer
a reta linha do sonho sonhado
tão mais verdadeira
que a névoa passageira.
Nas ruas, ao entardecer,
acrescenta-se de silêncio o dia -
e eu caminho por entre esta solidão
de prédios como se percorresse um bosque mágico
... e a fada dos encantamentos viesse ao meu encontro
num qualquer largo ou esquina
numa visão repentina.
Mas não é assim! Na cidade adormecida de cansaço
não se ouve mais nenhum passo.
Quer o Destino
que cada passo que deres
ainda que pequenino
te leve aonde quiseres -
mas o Destino te acompanha
nesta estrada infinda
e não há prisão tamanha
que te detenha ainda.
Um manto de nevoeiro
envolve a serrania
e o Longe obscurece
neste fulgor passageiro.
Rumorejam fontes
desconhecidas
e eu, lucidamente, a névoa
atravessando,
procuro um sinal de um Futuro
como quem procura um porto seguro.
As águas do rio vão correndo
ora lustrosas ora turvas
tanto faz -
pois na saciedade absoluta
do momento
acorda o pensamento.
Todo o dia choveu.
E ao céu do amanhecer,
tingido da cor da noite
sem estrelas,
faltou a luz solar.
Também assim minha Alma porfiou,
como nuvem que chovesse
a lavar o asfalto negro das ruas
desta cidade
onde vive adormecida a humanidade.
É assim, é um pedaço de Mim
que se solta,
quando, procurando o sol
e a luz de um verso,
encontro apenas
uma negra escuridão
no labor da minha inspiração.
Anoitece
e quase se esquece
a lembrança deste dia.
Também é assim na vida vivida.
Um ror de anos é passado,
o quase inverno espreita ao lado,
e a memória é esquecida
e a dor jaz sem vida.
O rosto e a máscara
de esconder
são no homem o Ser.
Neste instante, em que nada penso,
basta-me da Luz a intensidade perfeita
em que me Alegro
e me Satisfaço
por em Ti, Caminheiro da longa jornada,
ser tão bela e afoita a estrada.
Não enjeites,
dá-me um Abraço
e, depois, solta-o no espaço
como quem solta um papagaio de papel
e, na corrida desta vida, deixa que o Abraço
seja como um laço muito comprido de um fio
que voa até aos Céus e mergulha no esplendor
do paraíso do Senhor.
Deambulo por entre as palavras
pois desertos são os dias
que vivemos -
e mesmo quando queremos
a lua, o sol e o mar
só na tessitura da ideia
veloz e universal
a vida é igual.
Antes que da vida
me esqueça,
beberei da água de todas as fontes
o orvalho do dia.
E, assim, amanhecerá
no meu pensamento
cada instante
e cada momento.
É a Sul
que a imagem
do Caminho é mais nítida -
e, nesse fulgor, de cada passo
que se firma na terra,
há uma Coragem que se descerra.
Busquemos, nesta hora,
o templo perfeito
para saudar a Vida
e saibamos ser da terra o Sal
que guia sem mal.
Colho o fruto luminoso
da palavra
aqui.
E, por entre nuvens e Céu,
éter volátil dos Poetas,
um verso abre o caminho sozinho.
Ainda a chuva lá fora.
Calma e serena, gotejando,
como um Poema celebrando,
parece para o Longe levar
esta angústia sem par.
Sempre o caminho do mar,
lúcido, e desconhecido,
como se tivera amanhecido,
neste instante,
em que a noite se avizinha
e eu perceba que a lua é só minha.
E de repente aquele tempo
foragido e esquecido
ressurgiu
trazendo à lembrança
uma mão cheia de esperança -
é assim num tempo de mim
que a memória não tem fim
Aquela nuvem que não quer
chover encontrará ao entardecer
a minha alma sedenta
desse orvalho
lúcido
que só existe no céu
e que é só meu
A brincar de saltar à corda
a criança permanece criança
e do espanto que há em si
do que o brincar é raiz
nasce na terra uma temperança
flor e fruto desta dança
É íngreme este pensamento
tal penedia da onda bravia
que do mar se solta
e que em luz
volta
O mar é o mesmo -
azul visto do céu infinito -
e a alma também
tal como o sonho que cada homem tem
e assim o mundo se sustém
Respiro do sopro sagrado
o alento -
e deixo que o dia entardeça
e deixo que a minha vida permaneça
como uma rosa em botão
que é bela recordação
Há um foco de luz
que teima em atravessar
o negrume da noite
como se uma janela se abrisse
e um luar para mim sorrisse
A chuva cai leve
na tarde que entardece
abrigando a noite -
e de súbito já nem sei das horas -
é neste cabo do mundo
que o silêncio é mais profundo
Quando os pássaros regressarem
e for de novo primavera
encherei o regaço de flores
e espalhando-as sairei pelos campos
trauteando aquela melodia da salvação
que guardo no meu coração
Sigo agora o caminho da memória
e recuo à madrugada
fugitiva
em que lágrima a lágrima
gotejando
e um outro mundo buscando
descobri em mim
uma miséria sem fim
O manto de nevoeiro
é agora mais denso e profundo -
não há já Índias no mundo
nem cais libertadores
nem espadas de senhores -
mas contudo eu sei
que neste recanto de mar
há um horizonte ainda por achar
Doutro lugar te direi
que o dia amanheceu na luz de ti
e que as sentinelas das sombras
não podem escurecer
o brilho do teu ser
quando em ti floresce como uma flor
a beleza do amor
Sossega coração
nada deixes passar em vão -
e se o enredo dos dias te angustia e mata
pensa que o segredo da vida
é a chegada e a partida
É contrário
ao sentido da vida
parar por um momento que seja -
por isso no meio do caos e da dor
ergo um verso em clamor vivo e vibrante
que nasça e morra no mesmo instante
Poucas são as palavras
para Te dizer
que no para Além de cada verso
há uma lágrima perdida
no silêncio da vida
que o Poeta não esquece
quando um novo dia amanhece
A moldura da paisagem
apazigua, tranquiliza,
mesmo no inverno mais duro,
é uma promessa de futuro.
Desfazer a meada em novelo,
redondo, cheio.
Também assim no pensamento.
Pegar num fio da ideia
e enovelar
até que o espírito, bem ordenado,
descanse ao nosso lado.
E a mente brilha, então,
na razão que a conduz,
liberta da sua cruz.
Nevou.
E de branco a planície se cobriu.
E, nessa hora fugitiva,
talvez um sino ao de leve tocasse
e minha Alma se maravilhasse.
É um barco no mar
é uma vela
e se penso nele ou nela
navego eu para o Longe também
no meu pensamento que não é de mais ninguém.
Em um dia assim,
brilhou uma Luz sem fim.
E maravilha de graça tanta
Que ainda hoje o Mundo espanta.
Está uma friagem
de inverno,
mas todo o dia o sol brilhou -
e a pobre?, será que se mortifica
por ver o sol a sorrir, sem ter para onde ir,
quando a noite chegar
e cada um estiver no seu lar?
O rumorejar de uma nora
no silêncio de uma manhã de inverno
desperta-nos para o que é eterno
e imutável -
maravilhosa recordação
de um tempo que não passou em vão.
Em cada rosto companheiro
há uma marca de saudade
de um tempo que era inteiro
e onde havia liberdade.
Éramos então Criança,
e, no lusco fusco de uma claridade,
brincávamos e vivíamos de esperança
mas que bela esta idade.
São mais firmes estas horas
do amanhecer,
quando em bando
as aves voam no ar
e até parece que não querem pousar.
É o tempo de recomeçar,
sem cansaço,
e de viajar até ao mais longínquo
recanto do pensamento
para ser como a avezinha no céu
que abraça tudo o que a Vida lhe deu.