E depois do Adeus
Observo que a minha entrada no Liceu (como na altura se chamava)
teve a marca casuística do vinte e cinco de Abril de 74. Entrei após
Abril, num outubro, que se despedia do verão, como naquela época
sempre sucedia. Estava um tempo outonal, estou certa, e a ida para
o Liceu preparava-me para o amadurecimento na vida. Ontem, no
desnorte dos caminhos percorridos, passei-lhe à porta de entrada,
e pude observar que é hoje uma Escola moderna, sem o movimento
de impetuosidade e indisciplina revolucionária daqueles tempos. As
aulas, no seu modelo tradicional, quase tinham sido suprimidas e os
professores, que de algum modo lecionavam, faziam-no num modelo
inovador - que ainda hoje não sei avaliar se teve alguma eficácia.
O que posso dizer é que o que aprendi, nessa época, no Liceu, foi,
sobretudo, o respeito democrático pelo outro, a reivindicação
legítima perante injustiças, o sentido crítico em face de diferentes
modelos de sociedade, a importância da luta coletiva, a discussão
intelectual em torno de questões emergentes. O que perdi a nível
dos saberes atomistas e enciclopédicos, ganhei a nível de uma
dimensão humanista e crítica; e, tudo isso devo a uma canção (E
depois do Adeus) que foi o sinal primeiro com o qual se iniciou
uma revolução sem disparos nem sangue.
E, hoje, e depois do Adeus, de ontem, a todo esse passado, observo
que, com a morte do autor da letra da canção, definitivamente se
encerrou um ciclo de existência. Todo esse tempo (toda essa década)
mergulhou definitivamente naquilo que é História. E esse passado,
a que sem dúvida regressarei muitas e muitas vezes, está agora, sem a
emoção, reduzido a factos de reminiscência analítica; uma espécie de
narrativa em que, simultaneamente, sou o observado e o observador.