segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Curso em Milagres

Vem-me à memória, súbita e agreste, o tempo da juventude

passado numa aldeia em terras alentejanas; e nesse tempo, ora tão remoto,

ora tão presente, também eu fiz o meu curso em milagres, tendo como

mestras a avó R. e a avó H.. À casa - que agora é minha - acorriam as gentes

todas da aldeia, porque tinham um achaque ou uma ferida, que demorava a passar,

porque uma criança tinha nascido e era necessário protegê-la, encomendando-a à

Lua, porque um objecto tinha desaparecido e não se conseguia encontrar. À avó R.

cabia o papel matricial e fecundador de dar voz às imensas ladaínhas com que preservava

dos males e desviava os perigos e à avó H. (com uma postura moderna mais civilizada, de quem

viveu nas cidades e contactou com pessoas cultas) cabia a receita de uma pomada ou de

um medicamento para aliviar um mal-estar ou de um conselho inteligente sobre como resolver

uma situação. Assim amparadas, as gentes só podiam ver todos os seus problemas

resolvidos: aonde não chegava o milagre acudia a ciência. E eu - tal como agora evocando

tais memórias - assistia maravilhada e sempre atenta aos gestos e às palavras

de ambas (mãe e filha, minhas avós) que me revelavam um outro lado da vida,

mais denso, mais misterioso, mais subtil,

aquele que eu não podia aprender em livros de escola nem em catequeses.

Por isso, agora, na casa, deixei amplo e livre o espaço onde as minhas avós faziam

os milagres, figurando apenas uma taça de estanho em cima de uma mesa, simbolicamente

pronta a receber qualquer inconcebível  prodígio.