sábado, 24 de setembro de 2011

E depois do Adeus


Observo que a minha entrada no Liceu (como na altura se chamava)

teve a marca casuística do vinte e cinco de Abril de 74. Entrei após

Abril, num outubro, que se despedia do verão, como naquela época

sempre sucedia. Estava um tempo outonal, estou certa, e a ida para

o Liceu preparava-me para o amadurecimento na vida. Ontem, no

desnorte dos caminhos percorridos, passei-lhe à porta de entrada,

e pude observar que é hoje uma Escola moderna, sem o movimento

de impetuosidade e indisciplina revolucionária daqueles tempos. As

aulas, no seu modelo tradicional, quase tinham sido suprimidas e os

professores, que de algum modo lecionavam, faziam-no num modelo

inovador - que ainda hoje não sei avaliar se teve alguma eficácia.

O que posso dizer é que o que aprendi, nessa época, no Liceu, foi,

sobretudo, o respeito democrático pelo outro, a reivindicação

legítima perante injustiças, o sentido crítico em face de diferentes

modelos de sociedade, a importância da luta coletiva, a discussão

intelectual em torno de questões emergentes. O que perdi a nível

dos saberes atomistas e enciclopédicos, ganhei a nível de uma

dimensão humanista e crítica; e, tudo isso devo a uma canção (E

depois do Adeus) que foi o sinal primeiro com o qual se iniciou

uma revolução sem disparos nem sangue.

E, hoje, e depois do Adeus, de ontem, a todo esse passado, observo

que, com a morte do autor da letra da canção, definitivamente se

encerrou um ciclo de existência. Todo esse tempo (toda essa década)

mergulhou definitivamente naquilo que é História. E esse passado,

a que sem dúvida regressarei muitas e muitas vezes, está agora, sem a

emoção, reduzido a factos de reminiscência analítica; uma espécie de

narrativa em que, simultaneamente, sou o observado e o observador.