domingo, 4 de setembro de 2011

A Perfeição

O rasgo literário está presente, quando de um conjunto

de palavras emerge a poesia. Não há grande escritor em que isso

não aconteça - e justamente é num articulado em prosa que esse feito

é mais relevante. Sem a musicalidade poética não há trecho literário, embora

os domínios daquilo a que chamamos literatura sejam vastos e vários. Um bom

exemplo disto mesmo é o conto «A Perfeição» de Eça de Queirós. O grande

escritor encontra, por exemplo, nesta narrativa, o equilíbrio perfeito entre

a cadência melódica das palavras e das frases e o seu significado. A harmonia

é tão perfeita que o título do conto enuncia um paradoxo de conteúdo:

ao mesmo tempo que Ulisses, o Homem, rejeita a perfeição da imortalidade

presente na vida dos deuses, que lhe é oferecida por Calipso,

o autor encontra na perfeita união do significante e significado

das palavras o timbre que ecoa e alude ao mistério

da eternidade de cada momento. E isto eu experimentei, quando, nos últimos

dois dias, vagarosamente, reli esta história. Imperfeitamente soletrando,

na minha mortal condição humana, saboreei dos deuses o néctar

como sentada numa rocha, rodeada de um mar muito azul,

silente e eternamente suave.