quarta-feira, 10 de agosto de 2011



Vaga de Calor


De algum modo, ainda no presente actual,

pesa, na avaliação e no julgamento dos outros,

a cor da pele. É extraordinário como

o feito da segregação e da escravatura, assente na pretensa

superioridade de uns sobre outros, ainda movimenta

padrões de pensamento. Isto incendeia a confrontação

desde o momento em que cada ser adquire a consciência de si

a partir da cor da sua pele. Não importa que haja leis

que não discriminem, pois no dia-a-dia a sociedade o faz.

E, na maior parte das vezes, basta um simples comentário,

até mesmo num supermercado,

que já é uma insinuação, por exemplo, «os do 2.º andar»,

«os do bairro», «os da rua», «os»,

indiciando que qualquer fonte do desassossego ou da perturbação,

no perfeito, harmónico e equilibradíssimo lugar,

só pode ter sido provocada por aqueles. E, justamente,

aqueles comportam-se, quase sempre, ao nível do que poderíamos chamar

as expectativas pré-concebidas. Por isso, não deixa de ser

curioso que a menina mais simpática e educada do meu prédio,

de trancinhas rematadas por missangas coloridas,

tenha chegado de Londres, no Domingo passado. Segurando

a porta, para que eu entrasse, sorriu-me largamente,

pois há meses que não nos víamos; e, hoje, penso que

a vaga de calor desta semana deve ser porque há um incêndio

em cada ser, que não nos deixa adormecer.

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