domingo, 30 de outubro de 2011

Teatro de sombras


Em luz, densidade do recorte das figuras,

a sombra... e os risos silenciosos das crianças.

Teatro movente: quando Krishna, o professor, ensina

a Arjuna, na batalha decisiva, presente em cada

homem em cada dia. E assim, nas sombras, o teatro

é luz.

sábado, 29 de outubro de 2011

Dourado


fulgente. A Baixa-Chiado move-se no sentido

dos ponteiros do relógio que hoje recuam; na casa

dos gelados, a fila chega à porta, na casa do café, as

senhas obrigam à espera... Há sol e fados:

património que podemos deixar à humanidade,

como contradição

de raça e de povo.




sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Sal do mar e sal da terra


Teremos nós, hoje, a virtude do sal que salga?

Ou, como diz num passo António Vieira, estará perdida

a substância?

Sem história de futuro, não há, senão no desacerto

dos desencontros, uma ténue Verdade

na vida. E o caminho que fazemos (povo, indivíduos, nação)

transporta-nos para um mar tão de agora,

que já não há nem o sabor à maresia.

Mais pobres, pobremente ficamos

sem o sal.



quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Diáspora


Perturba-me este momento tão presente - tão vivo -;

não entendo se quero seguir por becos e vielas ou, ao invés,

caminhar por uma ampla avenida. A estrada que me leva à capital

leva-me também à vida, mas perturba-me

o medo, a dor, a exigência.

Quebra-se o sonho: toma-se só a realidade:

vive-se e o que se vive é a existência,

não a sonhada, sempre adiada num futuro,

mas aquela que sendo real, se veste

das chãs cores da realidade.


Perturba-me este momento tão presente - tão vivo -;

queria, antes, refugiar-me toda no sonho e

nele adormecer para sempre sem ter de viver

nem ter de esquecer!


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Resposta


Vacuidade de saber. De todo, não me interessa

conhecer. Filme já revisto e sem história.

A cada gota de chuva, as fachadas dos prédios

se lavam e lavadas guardam as nossas casas;

último reduto do ser, primeiríssima memória

do ter.

E nos pensamentos que se cruzam, as mensagens

instantâneas deixam um rasto

de devastação - sem qualidade, a palavra

é uma mera confrontação.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Simplesmente


há uma coisa que atravessa a nossa existência -

a existência de todo e de cada um - ; chama-se

liberdade. Ser livre é acima de tudo ser responsável,

ser adulto, ser emancipado. Por isso, tanto me espanta

aqueles que observo como imberbes, quando a idade deveria

patentear uma natureza e um saber de gente crescida. E são

tantos!, meu Deus, são tantos! Tantos que estão presos a uma

pseudointelectualidade bacoca e vaga de imitação. Justamente,

o exercício de liberdade exige a originalidade: que mais não seja

tomando um café numa esplanada, no meio da avenida, desperto

para tudo aquilo que é essencial na vida. E como num jogo de xadrez,

copiar a jogada - registada no livro - não é o mesmo que pensá-la:

também na vida há tantas vidas iguais que se repetem, mas cada um

deve, no ímpeto do deslumbramento daquilo que é novo, mover-se

a partir do centro interno e original do seu ser. A isto chama-se ser

livre - totalmente livre - para além da natureza da prisão

que sempre nos condiciona.

domingo, 23 de outubro de 2011

Adeus


Será, é, Adeus... sem mais senão Adeus.

E no instante em que penso Adeus, o futuro

acontece. O presente é novo porque não se enraíza

na crença do passado. E já nem penso, digo, alto, Adeus.

E tudo à minha volta se deslumbra neste meu pensamento e

na minha voz. Adeus! solenemente, Adeus! e as calçadas que

amanhã de manhã pisarei em Lisboa, nos seus desenhos de

arabescos e caravelas, florescerão como num eco vivo de pedra

e acenarão, com os seus desenhos, Adeus!

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Mergulhar



Há seres que movimentam em nós um

sentimento de equilíbrio. Perto deles, sentimos

uma fonte de energia revigorada - e até, na adversidade,

se colhe a força. (O contrário também é verdadeiro).

Por isso, quando no caminho se proporciona

uma escolha, a opção deve abarcar esta abrangência

de vibração imperceptível. Não é possível mergulhar,

se não se puder respirar.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Emergente


é a necessidade de mudar o acordar...

Se cada um despertasse lucidamente do sonho,

nas primeiras horas da manhã, em um e outro dia

tudo mudaria. Por mim, à minha parte, irei movimentar

a Vida; erguer-me-ei na madrugada

e olharei com firmeza a larga estrada,

e, porque da minha janela vejo

uma nesga de mar e a serra,

qualquer epopeia que escreva

será cativa

da verdade desta realidade, mesmo que a imaginação

teime em me erguer do chão.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Up and down


Viver momento a momento

é um estreito movimento que como

um iô-iô avança: up and down  sobe

e desce a esperança.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Passagem



Tão volátil é o verão,

como qualquer outra estação.

Também no Tempo do mundo,

cada Era não dura senão um segundo;

e os anos mil, que se fecham agora,

abrem e descobrem uma nova aurora.

Será o novo Signo promissor ou o Homem

não crescerá em valor?

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A Memória


é a tristeza que não custa. É aquela que está

tão presente nos momentos da lembrança e da

evocação. À memória chama-se, em português,

saudade.
Confiança


em quê? Confiança de que no movimento

justo e rigoroso do Universo há um sentido abrangente

que na inteligência do Cosmos desenha o sonho de Deus.

Confiança, sim! Não nos homens, mas nos Céus.

domingo, 16 de outubro de 2011

Andanças


Daqui para ali. É um movimento decerto,

mas, quando se pára para escutar,

tão é o longe quanto é o perto... e esta

deveria ser a atitude de cada um:

estar atento ao que está longe e ao que

está perto.



A Vida é Bela


No Natal, o meu filho ofereceu-me um voucher

da Vida é Bela. Não o usei ainda; nem sei porquê.

Mas, olhando para a caixa, observo nela a utopia de

mais do que uma geração do pós-guerra na Europa.

A par com o sonho da sociedade fraterna e justa do

socialismo, nas democracias do Ocidente, venceu o mito

da vida é bela. Ou seja, cada um, a seu nível, e na sua

classe social, esperava alcançar gratuitamente e sem

esforço as benesses de um estado social protetor, que,

como um pai, oferecesse tudo quanto se entendesse

como necessário: os cuidados de saúde, a escola,

a reforma, etecetera. Para muitos destes homens e

mulheres ateus, alguém cuidava, alguém provia,

alguém protegia. E, afinal, hoje, o voucher do bem-estar

e da felicidade voltou a estar inteiramente nas mãos

individuais de cada ser: o que eu faço e não o que me é dado

é que marca a diferença entre os homens.


El Indignado


é o paradigma do Homem de um certo tempo

do presente que leu a Carta dos Direitos Humanos.

Contudo, este Indignado das grandes metrópoles e dos ditos

países civilizados, está tão somente na esfera de reivindicação

do direito ao trabalho, da equidade de uma certa justiça económica

na distribuição da riqueza, e da honestidade do governo político. É já

muito, sem dúvida, quando em oitenta e três países do mundo, à mesma

hora, e no mesmo dia, o Indignado se levanta e marcha. Mas, acredito, que

a indignação tem de ir mais fundo: tem de descer à raiz da natureza humana,

que apenas faz erguer a voz em protesto, quando a injustiça diretamente nos atinge.

Para alcançar um verdadeiro propósito universal: el indignado tem de saber

exprimir-se em solidariedade com os outros, independentemente

do jugo social, político, económico, religioso. E, sim,

sairei à rua também quando o balizamento

tiver esta abrangência. Quando el indignado protestar

que o mundo está construído à imagem da nossa

- de cada um -

indiferença e egoísmo humanos.

sábado, 15 de outubro de 2011

Dormência, afinal


Traço distintivo do ser, o adormecer

e esquecer... raramente quem sonha vê para além

da vidraça da telenovela que passa

no teatro da vida.

E se a sina é ditosa, mais triste

será a prosa, porque

um verdadeiro romance, de verdade,

tem uma elegia épica que arde

e que obriga

ao pensamento, transformando o dia a dia

a cada momento.

Mas, quando a dormência é tal, afinal,

não há senão prisão  sem mote

para uma saga construir e uma gesta descobrir.
Pensativo cigarro


Desfaz-se o fumo como coisa imaterial...

Desliza dos meus dedos um último pensativo

cigarro. Abandono à distância do que é, agora,

passado: um outro tempo! ido!

E o presente? Que linha é esta, que percorre

o espaço, sem movimento de futuro? A pátria

apaga-se também no mesmo cinzeiro onde pouso

este derradeiro cigarro e as cinzas engolem o último

morrão de luz. Ninguém acredita que uma contração

económica salve. Ninguém acredita que o empobrecimento

e o retrocesso sejam a solução. Tal como cada um dos

cigarros que, durante anos acendi, nunca me devolveram a

esperança de nada. Eram, apenas, pensativos cigarros!, e,

nesta Hora, tal e qualmente, está apenas pensativa a nação,

sem a ação heróica de ser.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O lápis


Hoje, justamente, em cima da minha secretária,

encontrava-se um lápis pronto e afiado. E digo

justamente, porque, hoje, também, precisei de comprar

uma lapiseira nova e levei de casa um lápis por afiar,

já que a minha velha lapiseira se estragou... Afinal,

o bastante, o necessário, sempre aguarda por nós

tão serenamente quanto um lápis de carvão preparado

para desenhar firme nos interstícios de tanta sombra.
Mergulho em nós mesmos


É um desafio não ocultarmos a Verdade. Isto

é sempre o mais difícil, sobretudo, quando essa Verdade

requer a nós mesmos um confronto exato e rigoroso.

O que sei de mim? O que sabemos de nós? De que inteireza

se reveste a nossa autenticidade? Hoje, num difícil acordar,

procurei olhar para a realidade envolvente: social, política e

económica - e a partir daí ver a Verdade de mim. Não foi

complicado, o registo feito pela C., que agora adorna o meu

quarto, recorda-me diariamente, ao despertar, que a vida

não é um caminho fácil, mas que alguns,

sabiamente, conseguem reverter, como por um milagre

humano, as asperezas do quotidiano, vivendo

com dignidade. E viver com dignidade é ser autossuficiente.

E isto que é a Verdade para mim é, de igual modo,

a Verdade para as nações e para os estados... Por isso,

se fosse possível, ofereceria à nação o exemplo de memória

que guardo de todos aqueles que sem a Sorte,

viveram uma grandeza de vitória.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Aqui e agora


O momento atual é de molde a pôr

em prática todos os exercícios sobre

como viver inteiramente no instante presente.

Sem vislumbre de futuro, só o aqui e agora importa.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Silêncio tão contrário


Porque foram repetidas as palavras mais íntimas

da J.? Será sempre este o movimento dos seres? Necessidade

aguda de dizer: o príncipe tem orelhas de burro! Necessidade

humana. Necessidade básica. Quando sentiremos pudor

de usar as palavras?


terça-feira, 11 de outubro de 2011

Tarde


Desidrato de não saber.

Antes melhor pousar a loiça lavada

num alpendre luminoso, que andar na sombra

com cacos de tanta coisa quebrada.

Reconstruir. Refazer. Recriar. Este «re» que prefixa

a vontade quase adormecido! Por isso,

nem sei se me quero mover em outros novos caminhos;

antes melhor pousar-me como a loiça

e ficar inerte, esperando que o vidrado estale,

e que o rendilhado mostre

um envelhecimento solene.


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Noite


Na noite, o trânsito ilumina as ruas

e assinala os caminhos... Cada vez mais,

precisamos destes faróis por entre a escuridão

que nos envolve. Porque não há entre os homens

tão só um que ilumine também? Estranha humana condição que

não encontra em cada ser uma vela ardente que, como

um automóvel, propulsione uma  luz incandescente

que marque um direito rumo e uma certa estrada.

domingo, 9 de outubro de 2011

Towards zero


Quem neste instante caminha inconscientemente

para um mesmo singular ponto?

Espaço e Tempo convergindo humanamente

sem que se perceba o movimento.

É isto o inexorável destino? Fio de areia escorrendo

para o limite futuro.

sábado, 8 de outubro de 2011

Simples outonal



Percebe-se que é outono, porque as folhas

quebradas e castanhas tombam à volta no chão

nos caminhos. Sinal de que a Natureza conhece o

Ciclo e o Tempo; sinal de que não se confundem as

Estações, nem mesmo quando para o Homem corre

o verão fora de época. Pisando as folhas tão secas,

vejo claro, em paralelo com as árvores, que é

preciso saber em que Estação

corre a nossa humana vida.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Imperioso


é, definir uma clara linha atuante nova...

E isto faz-me recordar um poema escrito por mim,

quando ainda era adolescente, qualquer coisa como

«sei as Horas loucas a rirem-se», de mim, diria neste instante

de novo. O Tempo, as Horas, sempre presentes

ao longo da minha vida, e sempre um igual sentimento

de que algo inerte prepondera e que o curso

de cada dia me desvia do centro mais interno de ser.

Mas, como bem sabem as Horas,

a inteira e única responsável sou Eu.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Esquecimento...porquê?


Esqueci-me... mesmo, do feriado de ontem;

pareceu-me antes um deslumbrante dia oferecido

para pertencer a mim mesma e para eu, de mim a mim, unicamente

dar fé. Foi excelente - a meio de uma semana de trabalho -

há não sei quantos anos (mais de cem) ter sido implantada a

república. Mas porque me esqueci? (Ou melhor, quem, para além

dos dignatários envolvidos em cerimónias oficiais, se lembrou?).

Esquecemo-nos, porque, num regime dito democrático,

que diferença pode haver entre uma

monarquia ou uma república?! Além do mais, apenas uma família

real acaba por ficar muito mais em conta do que as já extensas listas

de presidentes, vice-presidentes, ex-presidentes, e respetivas

famílias que a dita república tem de custear. Apenas encontro

uma nota de evocação positiva: a belíssima imagem da República,

de bandeira desfraldada na mão, abrindo o caminho

da Liberdade... Mas a imagem desta Mulher, hoje,

desapareceu por completo, como se também a

Liberdade fosse tão difícil de encontrar quanto

comer um cacho de uvas brancas, pequeninas. 


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sincronicidade


Hoje, depois de ontem, tive a aventura

da sincronicidade presente numa aula sobre

a origem do mundo. O universo cindido, tal como

a R. o interpretou. E regressa a mim a ideia do plural

único de dois - matéria filosófica, mas também pragmática

da vida. E a ciência? «Pesa tanto e a vida é tão breve»,

como diz Pessoa. Por isso, não mais neste dia quero pensar:

irei antes mergulhar no inusitado verão,

já outono que é, e aprender a dar à luz

a mim mesma - se entretanto nascer,

verei um céu dual.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Dual


Ambas - duas - 

antecede o infinito...

Cada supernova que brilha no cosmos

é apenas um ponto - mais de dois pontos

é um movimento nos céus...

O anúncio da atribuição do prémio Nobel da Física,

deste ano, faz-me mergulhar na perplexidade da ideia de

um universo que, podendo ter tido um início, poderá nunca

ter um fim - sendo dual, seria mais simples.













segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Verde Maçã


Percorrer a avenida ao desabrigo do encontro

com alguém, é o destino atual de tantos no percurso

de cada dia. Solitariamente, também, no paraíso, Eva

provou a maçã - quem sabe que sorte não adviria para

a humanidade, se, ao invés, em franco concílio, a proposta

da serpente tivesse sido debatida e ponderadas as consequências.

Parece, enfim, que o fatum do homem é ser só, desde o instante

primeiro da idade de oiro; para o Bem e

para o Mal -está o homem  irremediavelmente só - , mesmo

se integrado numa rede social. E a rede, seja a família

sejam os amigos na net, não estará atuante

quando a emergência de decidir ocorrer.

«Como a maçã ou não?», terá seguramente Eva pensado

para consigo mesma, mas, como sempre sucede com

as verdadeiras experiências, absolutas, que são

intransmissíveis, só a ela podia caber a decisão

e a prova. Sempre que tal acontece, não há rua,

nem avenida, nem praça, onde

não estejamos senão tão inteiramente sós

quanto Eva

pecando pela primeira vez. Destino primeiro

do homem, mas também último e derradeiro.




domingo, 2 de outubro de 2011

Cegueira


«de que maneira pode um livro ser infinito?»,

pergunta Borges.

Respondo: se qualquer outrem, no devir dos séculos,

sempre lhe acrescentar novas palavras... e,

quando esgotado o Tempo,

nele escreverem os anjos do Céu. E assim,

neste movimento de quem escreve e de quem lê,

passa a Vida num momento,

sonho breve que É.


sábado, 1 de outubro de 2011

Vítrio
 em memória da Carina


De vidro, transparente, as plantas dos pés

firmam-se no chão. É uma inteireza de frescura

que se colhe como se numa onda após outra mergulhassem.

Depois, vislumbrei ao longe o Tejo, e não era vítrio

o meu olhar, porque toquei, também hoje,

o absoluto do silêncio completo e inamovível,

e desejei que fossem de vidro

todas as pessoas.