Ondeando...
pelo mar, pelo vento, pelo sussurro
ora vivo ora tão suave dos sons que se projectam
pelo espaço da casa. E, sempre súbita, difunde-se,
necessária, a nota de pensamento,
que interrompe as tarefas da rotina do lar e obriga
a uma pausa de meditação. Naturalmente, é a minha telefonia,
velha, partida a antena, e que me foi oferecida
num gesto de solidariedade já há muitos anos atrás. Podia,
evidentemente, hoje, comprar uma outra; mas receio que o
posto emissor se possa dessintonizar
e eu perca, assim, em tempo real, uma nova forma de fazer rádio
que me lembra no continuum todo um tempo, que era tempo,
de existência.
É a FI-FM., ao meu lado, presente na saudável monotonia da repetição
diária de tudo o que hoje, na sociedade, convencionamos
como uma perda de tempo ou uma desvalorização das qualificações humanas.
E, assim, sem ter de pensar sequer,
basta-me empurrar o botão para que a totalidade
do Universo
esteja comigo do lado de dentro de casa.
quinta-feira, 30 de junho de 2011
quarta-feira, 29 de junho de 2011
Coliseu
Começo o dia dançando, talvez por
me lembrar da N. e da R., no palco do Coliseu,
tão gráceis, no colectivo, ao som festivo da música.
Então, não sei como nem porquê, lembro-me da Grécia,
envolta em tumultos, e que dizem à beira da bancarrota...
nem sei o que pensar... talvez seja melhor findar aqui
com a agradável certeza de que para o ano, também,
e de novo, a N. e a R. voltam a abrilhantar o Coliseu.
Começo o dia dançando, talvez por
me lembrar da N. e da R., no palco do Coliseu,
tão gráceis, no colectivo, ao som festivo da música.
Então, não sei como nem porquê, lembro-me da Grécia,
envolta em tumultos, e que dizem à beira da bancarrota...
nem sei o que pensar... talvez seja melhor findar aqui
com a agradável certeza de que para o ano, também,
e de novo, a N. e a R. voltam a abrilhantar o Coliseu.
terça-feira, 28 de junho de 2011
Olhares
A singularidade mais recente foi ter
acompanhado uma emissão de uma rádio regional
de Estremoz através da internet. Aonde as ondas
hertzianas não alcançam, a tecnologia informática
permite a abrangência. E, assim, ainda que eu estivesse
nos Himalaias, teria, seguramente, escutado as voltas
da conversa no companheiro
da noite...
Se a memória me não falha... na primeira vez que fui
a Estremoz, encontrei no largo do Rossio da praça só as gentes que
dão a voz aos cantos daquela terra e o
meu filho, muito pequeno ainda, terá seguramente colhido uma estrela
que teimosa se atravessava à sua frente.
Foi isto há muitos anos! Tantos que nem sei já
o dia, o mês, a hora.
Haverá ainda gentes, e cantos
e estrelas, em Estremoz? ...
Como a esta questão não há avanço tecnológico que me responda,
talvez que o melhor seja ouvir uma ária clássica de ópera,
Bohemian Rhapsody, e ir coser o botão
que hoje de manhã
se soltou no meu vestido.
A singularidade mais recente foi ter
acompanhado uma emissão de uma rádio regional
de Estremoz através da internet. Aonde as ondas
hertzianas não alcançam, a tecnologia informática
permite a abrangência. E, assim, ainda que eu estivesse
nos Himalaias, teria, seguramente, escutado as voltas
da conversa no companheiro
da noite...
Se a memória me não falha... na primeira vez que fui
a Estremoz, encontrei no largo do Rossio da praça só as gentes que
dão a voz aos cantos daquela terra e o
meu filho, muito pequeno ainda, terá seguramente colhido uma estrela
que teimosa se atravessava à sua frente.
Foi isto há muitos anos! Tantos que nem sei já
o dia, o mês, a hora.
Haverá ainda gentes, e cantos
e estrelas, em Estremoz? ...
Como a esta questão não há avanço tecnológico que me responda,
talvez que o melhor seja ouvir uma ária clássica de ópera,
Bohemian Rhapsody, e ir coser o botão
que hoje de manhã
se soltou no meu vestido.
segunda-feira, 27 de junho de 2011
Pequenas coisas
O dia descobre-se, na manhã,
agradavelmente húmido e fresco;
apaziguador do intenso calor de ontem.
A vizinha oferece-me feijão verde,
colhido da horta, e, aqui chegado,
vindo de uma terra cujo nome não sei.
O telefone toca.
A esplanada à tarde tem mesas radiosas na sombra.
O prédio regurgita na calma e no silêncio
das árvores enfileiradas para o entardecer.
Que dia perfeito só para contar palavras!
O dia descobre-se, na manhã,
agradavelmente húmido e fresco;
apaziguador do intenso calor de ontem.
A vizinha oferece-me feijão verde,
colhido da horta, e, aqui chegado,
vindo de uma terra cujo nome não sei.
O telefone toca.
A esplanada à tarde tem mesas radiosas na sombra.
O prédio regurgita na calma e no silêncio
das árvores enfileiradas para o entardecer.
Que dia perfeito só para contar palavras!
domingo, 26 de junho de 2011
Os Eternos Guardiães
Acredito que há, no mundo, seres
que eternamente velam. São vidas
totalmente apagadas
e desconhecidas
que na palavra mantêm viva a memória
ou que, através da acção, nos abrigam. Comum
é o espírito de sacrifício. Disto falámos, quando há
dois ou três meses atrás, eu e a R., perto da meia noite,
atravessávamos o Jardim Constantino, para o regresso a casa.
E, subitamente, já nem sei por quê, ocorreu-nos o bravo
exemplo dos Samurais de Fukushima, quase notícia de rodapé
dos telejornais. E, embora em tanto discordemos, nisto, eu
e a R., assentámos: é nestas acções de esperança
que corre o movimento do mundo.
Acredito que há, no mundo, seres
que eternamente velam. São vidas
totalmente apagadas
e desconhecidas
que na palavra mantêm viva a memória
ou que, através da acção, nos abrigam. Comum
é o espírito de sacrifício. Disto falámos, quando há
dois ou três meses atrás, eu e a R., perto da meia noite,
atravessávamos o Jardim Constantino, para o regresso a casa.
E, subitamente, já nem sei por quê, ocorreu-nos o bravo
exemplo dos Samurais de Fukushima, quase notícia de rodapé
dos telejornais. E, embora em tanto discordemos, nisto, eu
e a R., assentámos: é nestas acções de esperança
que corre o movimento do mundo.
sábado, 25 de junho de 2011
Silenciosas pedras
Quando vou sentada, na carruagem do comboio,
observo sempre à minha direita, numa das etapas
do trajecto, o espaço físico
da minha velha Escola. Hoje, do amontoado de
pedras do derrube dos pavilhões antigos, começam-se
a erguer novas estruturas de cimento, de onde saem grossos
fios de ferro, sinalizando o frenético e frio movimento
mecânico das obras da Parque Escolar. Então,curiosamente, penso,
se, de algum modo, eu quisesse recuperar do passado as
memórias, inscritas nas pedras, do meu trajecto profissional,
não encontraria hoje qualquer sinal no espaço físico.
A primeira Escola onde trabalhei foi desmontada e no seu local
foi construído um mercado de feirantes; e a segunda, esta,
reprojectada, derrubada e reconstruída.
E, assim, por entre este silêncio de pedras, faço, agora,
a caminhada em direcção ao «mosteiro dos dois pátios»,
como tão bem o definiu o J., tentando, no diário livro
das horas, libertar todas as palavras.
Quando vou sentada, na carruagem do comboio,
observo sempre à minha direita, numa das etapas
do trajecto, o espaço físico
da minha velha Escola. Hoje, do amontoado de
pedras do derrube dos pavilhões antigos, começam-se
a erguer novas estruturas de cimento, de onde saem grossos
fios de ferro, sinalizando o frenético e frio movimento
mecânico das obras da Parque Escolar. Então,curiosamente, penso,
se, de algum modo, eu quisesse recuperar do passado as
memórias, inscritas nas pedras, do meu trajecto profissional,
não encontraria hoje qualquer sinal no espaço físico.
A primeira Escola onde trabalhei foi desmontada e no seu local
foi construído um mercado de feirantes; e a segunda, esta,
reprojectada, derrubada e reconstruída.
E, assim, por entre este silêncio de pedras, faço, agora,
a caminhada em direcção ao «mosteiro dos dois pátios»,
como tão bem o definiu o J., tentando, no diário livro
das horas, libertar todas as palavras.
sexta-feira, 24 de junho de 2011
Verdes anos
A papoila, tão breve
a nascer, viçosa
alegra os campos.
É bela, rubra, espelha
a paixão
dos verdes anos.
A papoila, tão breve
a nascer, viçosa
alegra os campos.
É bela, rubra, espelha
a paixão
dos verdes anos.
quinta-feira, 23 de junho de 2011
Modo de ser
As vozes, que agora escuto
defendendo a saída do euro, serão as mesmas
que há dez anos defendiam a nossa entrada na
moeda única. Podem até não ser as mesmas pessoas
a falar; mas é a mesmíssima atitude que está presente.
Não se pensou, nem se pensa, no sentido de identidade
próprio da nação, nem naquilo que confere a diferenciação
que enriquece o mundo. Pensou-se, e continua-se
a pensar, apenas na dimensão de uma pretensa riqueza económica
(agora, ao contrário, emergente no endividamento e no empobrecimento).
Sem vates nem o rei brumoso, que nunca chegou ainda,
quem, de entre nós, lucidamente
sabe o caminho?
Como está tão longe... o mar!
As vozes, que agora escuto
defendendo a saída do euro, serão as mesmas
que há dez anos defendiam a nossa entrada na
moeda única. Podem até não ser as mesmas pessoas
a falar; mas é a mesmíssima atitude que está presente.
Não se pensou, nem se pensa, no sentido de identidade
próprio da nação, nem naquilo que confere a diferenciação
que enriquece o mundo. Pensou-se, e continua-se
a pensar, apenas na dimensão de uma pretensa riqueza económica
(agora, ao contrário, emergente no endividamento e no empobrecimento).
Sem vates nem o rei brumoso, que nunca chegou ainda,
quem, de entre nós, lucidamente
sabe o caminho?
Como está tão longe... o mar!
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Ao redor...
Ao redor de mim, o outro... inevitavelmente o outro,
cada ser. Sempre ao redor, também, a palavra, a escrita,
uma voz. Não a minha, que sei e conheço; mas aquela outra,
de outrem, que nunca poderei saber nem conhecer. Esta é a imóvel
e eterna distância. Ausência e desterro. Longe tão perto
onde nunca estarei...
Vem o parágrafo anterior a propósito de um certo texto
de um certo poeta... era talvez necessário que todo um
país meditasse para que compreendesse.
Ao redor de mim, o outro... inevitavelmente o outro,
cada ser. Sempre ao redor, também, a palavra, a escrita,
uma voz. Não a minha, que sei e conheço; mas aquela outra,
de outrem, que nunca poderei saber nem conhecer. Esta é a imóvel
e eterna distância. Ausência e desterro. Longe tão perto
onde nunca estarei...
Vem o parágrafo anterior a propósito de um certo texto
de um certo poeta... era talvez necessário que todo um
país meditasse para que compreendesse.
terça-feira, 21 de junho de 2011
Horizonte
Traduz a chegada de uma mulher à presidência
da Assembleia da República, em Portugal, uma
substancial e efectiva mudança de paradigma
social em relação à posição das mulheres em geral
na sociedade? Creio que efectivamente não.
As demais, trabalham fora de casa e em casa, cuidam
dos filhos como podem, são mal remuneradas, e
lutam (ou desistem de lutar) por uma partilha
e divisão de tarefas no lar que sempre dificilmente acontece.
Nascer mulher transporta uma marca de dificuldade
acrescida. Serão do passado, aquelas que morreram
com a amargura de lhes terem imposto que saber ler e escrever não era
necessário para quem apenas teria filhos e labutaria
no campo e na casa. Mas, são bem do presente as que, embora tendo
instrução, se vêem subjugadas pela necessidade de serem
o garante de alguma estabilidade e segurança de outros.
E esse sentimento de preocupação e até de sentido de responsabilidade
em relação a outros é uma marca de natureza bem feminina,
que, ao mesmo tempo que inibe, enobrece.
Por isso, evoco a audaz linha do horizonte que pode,
e deve ser, não a linha que marca
um fim, mas a linha que vela um outro horizonte para além.
Por isso, evoco Hipacia: que horizonte imenso não foi subtraído
do seu olhar? Que outro outro horizonte também não verei eu jamais?
Traduz a chegada de uma mulher à presidência
da Assembleia da República, em Portugal, uma
substancial e efectiva mudança de paradigma
social em relação à posição das mulheres em geral
na sociedade? Creio que efectivamente não.
As demais, trabalham fora de casa e em casa, cuidam
dos filhos como podem, são mal remuneradas, e
lutam (ou desistem de lutar) por uma partilha
e divisão de tarefas no lar que sempre dificilmente acontece.
Nascer mulher transporta uma marca de dificuldade
acrescida. Serão do passado, aquelas que morreram
com a amargura de lhes terem imposto que saber ler e escrever não era
necessário para quem apenas teria filhos e labutaria
no campo e na casa. Mas, são bem do presente as que, embora tendo
instrução, se vêem subjugadas pela necessidade de serem
o garante de alguma estabilidade e segurança de outros.
E esse sentimento de preocupação e até de sentido de responsabilidade
em relação a outros é uma marca de natureza bem feminina,
que, ao mesmo tempo que inibe, enobrece.
Por isso, evoco a audaz linha do horizonte que pode,
e deve ser, não a linha que marca
um fim, mas a linha que vela um outro horizonte para além.
Por isso, evoco Hipacia: que horizonte imenso não foi subtraído
do seu olhar? Que outro outro horizonte também não verei eu jamais?
segunda-feira, 20 de junho de 2011
Dolce far nuovo
A geração que nasceu na década de sessenta
é uma geração subitamente marcada pelo arrojo imparável da mudança
constante. Talvez, devêssemos ter suspeitado disso mesmo,
se é que aos seis anos se antevê o sentido de transformação
do mundo, aquando da chegada do homem à lua. Nessa altura,
as televisões eram ainda aparelhos muito pouco sofisticados
e a qualidade de recepção das imagens era muito deficiente.
Ainda assim, olhando para um écran eivado de uma chuva cinzenta
de pontos de geração electrónica, devo ter acreditado que um
tempo novo era acabado de chegar. E isso tem sido sempre confirmado
ao longo da minha vida. Da máquina de escrever e do papel de cetencil
com um estilete, passei para um primitivo computador com Dos,
e avancei para a maravilha do Windows um pouco mais tarde
(muito pouco, por sinal). Há menos de dez anos, aprendi
a desbravar a Internet e o meu filho iniciou-me recentemente no Linux.
Esta é apenas uma categoria de exemplos, porque a mudança, súbita,
intensa e exigente, está presente em tudo à nossa volta.
Do tempo, quando nasci, fica-me o esteio de uma permanência
substantiva e reparadora presente em todas as coisas. O que se aprendia,
diz-me a memória que tenho desse mundo, eram saberes para uma vida.
E o aperfeiçoamento partia de uma base sólida e segura de referência
que era à vista de cada ser humano quase imutável.
A minha geração, contudo, nascida ainda como herdeira de uma lição de passado,
viu-se iniciada num Novo Tempo em que
constantemente a novidade nos assalta e,
na mesma medida, nos desafia a cada passo do percurso do dia.
Por isso, tristemente, já nada me espanta! E digo tristemente, porque
entendo que o espanto deve ser a condição de natureza primeira
de todo o Homem. Perdido, então, o que haverá?
A geração que nasceu na década de sessenta
é uma geração subitamente marcada pelo arrojo imparável da mudança
constante. Talvez, devêssemos ter suspeitado disso mesmo,
se é que aos seis anos se antevê o sentido de transformação
do mundo, aquando da chegada do homem à lua. Nessa altura,
as televisões eram ainda aparelhos muito pouco sofisticados
e a qualidade de recepção das imagens era muito deficiente.
Ainda assim, olhando para um écran eivado de uma chuva cinzenta
de pontos de geração electrónica, devo ter acreditado que um
tempo novo era acabado de chegar. E isso tem sido sempre confirmado
ao longo da minha vida. Da máquina de escrever e do papel de cetencil
com um estilete, passei para um primitivo computador com Dos,
e avancei para a maravilha do Windows um pouco mais tarde
(muito pouco, por sinal). Há menos de dez anos, aprendi
a desbravar a Internet e o meu filho iniciou-me recentemente no Linux.
Esta é apenas uma categoria de exemplos, porque a mudança, súbita,
intensa e exigente, está presente em tudo à nossa volta.
Do tempo, quando nasci, fica-me o esteio de uma permanência
substantiva e reparadora presente em todas as coisas. O que se aprendia,
diz-me a memória que tenho desse mundo, eram saberes para uma vida.
E o aperfeiçoamento partia de uma base sólida e segura de referência
que era à vista de cada ser humano quase imutável.
A minha geração, contudo, nascida ainda como herdeira de uma lição de passado,
viu-se iniciada num Novo Tempo em que
constantemente a novidade nos assalta e,
na mesma medida, nos desafia a cada passo do percurso do dia.
Por isso, tristemente, já nada me espanta! E digo tristemente, porque
entendo que o espanto deve ser a condição de natureza primeira
de todo o Homem. Perdido, então, o que haverá?
domingo, 19 de junho de 2011
Shanti
No espaço de yoga da A., a sala de aula
convive com as árvores e as flores do quintal
e o canto das aves. Quando se entra, empurrando com
esforço o grande portão de ferro, sabe-se que se vai
aceder a um pequeno oásis plantado ao lado do IC19.
É, então, estranho, talvez, como, paralela à mais
movimentada via de circulação do país, se encontra,
justamente, o espaço da mais profunda paz.
Mas a vida é feita destes paradoxos, subtis ao entendimento.
A estrada, que nos leva ao coração da capital para o difícil trabalho
diário, é a mesma que nos conduz a um recanto onde se encontra
o sossego e a harmonia.
Por isso, em determinados momentos da aula, a A. nos diz para estarmos
atentos aos ruídos exteriores e, noutros momentos, nos diz para
nos abstrairmos desses mesmos ruídos. É desta dinâmica que se
sustenta o equilíbrio da vida e a paz não se alcança se apenas
fugirmos à realidade.
No Outono, há sempre laranjas no quintal da A. que tombam
das árvores e cada uma delas não é senão
um pedaço de Natureza que irrompe, como cada um de nós,
triunfalmente, da dureza do asfalto.
No espaço de yoga da A., a sala de aula
convive com as árvores e as flores do quintal
e o canto das aves. Quando se entra, empurrando com
esforço o grande portão de ferro, sabe-se que se vai
aceder a um pequeno oásis plantado ao lado do IC19.
É, então, estranho, talvez, como, paralela à mais
movimentada via de circulação do país, se encontra,
justamente, o espaço da mais profunda paz.
Mas a vida é feita destes paradoxos, subtis ao entendimento.
A estrada, que nos leva ao coração da capital para o difícil trabalho
diário, é a mesma que nos conduz a um recanto onde se encontra
o sossego e a harmonia.
Por isso, em determinados momentos da aula, a A. nos diz para estarmos
atentos aos ruídos exteriores e, noutros momentos, nos diz para
nos abstrairmos desses mesmos ruídos. É desta dinâmica que se
sustenta o equilíbrio da vida e a paz não se alcança se apenas
fugirmos à realidade.
No Outono, há sempre laranjas no quintal da A. que tombam
das árvores e cada uma delas não é senão
um pedaço de Natureza que irrompe, como cada um de nós,
triunfalmente, da dureza do asfalto.
sábado, 18 de junho de 2011
Sossego
Não ser agente do conflito: do dedo apontado
em riste, da voz que se eleva em condenação e em
crítica. Isso é paz. O julgamento e o juízo sobre os outros
não nos compete, quando somos apenas parceiros de jornada.
Ao invés, é o olhar sobre nós que deve ser consciente e agudo.
Por isso, talvez, como pacificação dos últimos dois dias, a oliveira
transplantada da Azinhaga para Lisboa, à sombra da qual repousarão
as cinzas de Saramago, me devolva o sentido da medida das coisas.
Na vida, há uma margem de silêncio que dignifica e que confere
integridade. Em circunstância alguma, pode ser quebrada; ainda que,
ao mantê-la, as circunstâncias nos sejam, aparentemente, adversas.
A esperança de vida da oliveira, roubada à terra, está na força
das suas raízes. Também em cada um de nós a esperança radica na força
das raízes internas no nosso Ser. Se forem fortes, essas raízes, não há
mudança ou intempérie que as ceifem, pois profundamente nos
sustentam. E, assim, num dia de homenagem ao nosso prémio Nobel da Literatura,
no primeiro aniversário da sua morte, recapitulo uma lição de
vida, até nas nossas cinzas deve estar depositada a nossa
coerência.
Não ser agente do conflito: do dedo apontado
em riste, da voz que se eleva em condenação e em
crítica. Isso é paz. O julgamento e o juízo sobre os outros
não nos compete, quando somos apenas parceiros de jornada.
Ao invés, é o olhar sobre nós que deve ser consciente e agudo.
Por isso, talvez, como pacificação dos últimos dois dias, a oliveira
transplantada da Azinhaga para Lisboa, à sombra da qual repousarão
as cinzas de Saramago, me devolva o sentido da medida das coisas.
Na vida, há uma margem de silêncio que dignifica e que confere
integridade. Em circunstância alguma, pode ser quebrada; ainda que,
ao mantê-la, as circunstâncias nos sejam, aparentemente, adversas.
A esperança de vida da oliveira, roubada à terra, está na força
das suas raízes. Também em cada um de nós a esperança radica na força
das raízes internas no nosso Ser. Se forem fortes, essas raízes, não há
mudança ou intempérie que as ceifem, pois profundamente nos
sustentam. E, assim, num dia de homenagem ao nosso prémio Nobel da Literatura,
no primeiro aniversário da sua morte, recapitulo uma lição de
vida, até nas nossas cinzas deve estar depositada a nossa
coerência.
sexta-feira, 17 de junho de 2011
Frágil
Dá que pensar... no contexto de uma vida activa,
o mérito, a inteligência, a capacidade, não são
necessariamente recompensados. Há outros factores,
de contexto, casuísticos e alienatórios, que em muito
são determinantes. Por isso, é tão frágil a medida
do nosso bem estar e do nosso sucesso sempre.
É a esta fragilidade da vida humana que Camões se refere
tão sintética e extraordinariamente n'Os Lusíadas! De forma
sublime, Camões interroga-se e deixa a interpelação, assinalando
um facto intemporal e universal da existência humana. («Onde pode
acolher-se um fraco humano,/Onde terá segura a curta vida,/Que não se
arme e se indigne o Céu sereno/Contra um bicho da terra tão pequeno?»).
Com que balança dos deuses são os nossos actos pesados?
Que destino, dia-a-dia, em nós se movimenta?
Dá que pensar... no contexto de uma vida activa,
o mérito, a inteligência, a capacidade, não são
necessariamente recompensados. Há outros factores,
de contexto, casuísticos e alienatórios, que em muito
são determinantes. Por isso, é tão frágil a medida
do nosso bem estar e do nosso sucesso sempre.
É a esta fragilidade da vida humana que Camões se refere
tão sintética e extraordinariamente n'Os Lusíadas! De forma
sublime, Camões interroga-se e deixa a interpelação, assinalando
um facto intemporal e universal da existência humana. («Onde pode
acolher-se um fraco humano,/Onde terá segura a curta vida,/Que não se
arme e se indigne o Céu sereno/Contra um bicho da terra tão pequeno?»).
Com que balança dos deuses são os nossos actos pesados?
Que destino, dia-a-dia, em nós se movimenta?
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Movimento de errância
Salvé!, ó grandes gentes do mundo!
Salvé!, ó imensos erros dos homens!
Salvé!, humanidade desperta e adormecida!
Como é doloroso o caminhar e não sair do mesmo lugar!
Salvé!, ó grandes gentes do mundo!
Salvé!, ó imensos erros dos homens!
Salvé!, humanidade desperta e adormecida!
Como é doloroso o caminhar e não sair do mesmo lugar!
quarta-feira, 15 de junho de 2011
Doravante um rio
Há momentos em que a falta de confiança
está à espreita em nós para nos sufocar num
desassossego. A leitura dos jornais, as emissões
de televisão, as declarações dos políticos e dos
não-políticos, as conversas, em geral, que mantemos
com aqueles que nos rodeiam, tudo, enfim, contribui
para gerar um sentimento de exaustão. Às vezes, abre-se
uma esperança: uma notícia de que no estrangeiro, lá longe, alguém
não baixa os braços e firma colectivamente uma posição
e mobiliza uma dinâmica empreendedora de um caminho de justiça,
essa notícia recria em mim a possibilidade de que talvez
algo seja possível ser mudado e a sociedade e o homem transformados.
Mas, não é mais do que um fragmento de sonho já quase vazio.
Por isso, não creio mais nos oceanos (onde, de resto, despejamos
os lixos), não creio mais nas imensas águas que criaram
uma só civilização, raça e cultura, não creio nos mares
sem segredos por desvendar. Agora, farei a exaltação do rio:
o rio que liga margem a margem; o rio que se aventura no
serpentear do terreno; o rio que espelha o rosto de cada ser.
E, nessas calmas águas esquecidas, verei os ciclos da vida.
Há momentos em que a falta de confiança
está à espreita em nós para nos sufocar num
desassossego. A leitura dos jornais, as emissões
de televisão, as declarações dos políticos e dos
não-políticos, as conversas, em geral, que mantemos
com aqueles que nos rodeiam, tudo, enfim, contribui
para gerar um sentimento de exaustão. Às vezes, abre-se
uma esperança: uma notícia de que no estrangeiro, lá longe, alguém
não baixa os braços e firma colectivamente uma posição
e mobiliza uma dinâmica empreendedora de um caminho de justiça,
essa notícia recria em mim a possibilidade de que talvez
algo seja possível ser mudado e a sociedade e o homem transformados.
Mas, não é mais do que um fragmento de sonho já quase vazio.
Por isso, não creio mais nos oceanos (onde, de resto, despejamos
os lixos), não creio mais nas imensas águas que criaram
uma só civilização, raça e cultura, não creio nos mares
sem segredos por desvendar. Agora, farei a exaltação do rio:
o rio que liga margem a margem; o rio que se aventura no
serpentear do terreno; o rio que espelha o rosto de cada ser.
E, nessas calmas águas esquecidas, verei os ciclos da vida.
terça-feira, 14 de junho de 2011
Sete Léguas
Hoje fiquei perplexa: não foi o silêncio da manhã
nas ruas solitárias de Lisboa, às sete horas, no amanhecer;
nem foi a rotina de um trabalho, quase já mecanizado,
que promove o sucesso sem mérito; foi, antes, sim, a
perplexidade face aos mecanismos da mente humana.
Imperscrutável,já o suspeitava, a loucura pode adquirir a forma luminosa
da poesia e até confundir-se com o amor. Talvez, não exactamente,
com o amor, mas com a paixão intensa e fulminante, que, sem dúvida,
não é senão um fragmento, talvez grotesco, do sublime. E o
sublime não é outra coisa que não uma imensa paz e quietude,
que silenciosamente se sente. Que leva um ser humano a esta
forma de desequilíbrio? Como sucede que um ser inteligente e
brilhante se desagregue nesta ruptura interna? Nesta queda?
Não é explicável. Mas, certamente, de algum modo, quimicamente
no cérebro alguma coisa se desorganiza - e, quando isso sucede,
a loucura adquire a forma externa da natureza interna do indivíduo.
E, se, no mundo, o amor, a paixão, a poesia, desequilibradamente se confundem,
só podemos ter perdido para sempre a esperança fraterna e solidária e livre.
Se já não podemos confiar nos amantes e nos poetas, confiamos em quem?
Por isso, na esquina que não dobrei, e na rua, frente ao jardim,
que não percorri, sei, seguramente, que um velho sábio aguardava
calma e serenamente para me dizer, sem equívocos,
«Agarra este instante, G., agarra este instante».
Hoje fiquei perplexa: não foi o silêncio da manhã
nas ruas solitárias de Lisboa, às sete horas, no amanhecer;
nem foi a rotina de um trabalho, quase já mecanizado,
que promove o sucesso sem mérito; foi, antes, sim, a
perplexidade face aos mecanismos da mente humana.
Imperscrutável,já o suspeitava, a loucura pode adquirir a forma luminosa
da poesia e até confundir-se com o amor. Talvez, não exactamente,
com o amor, mas com a paixão intensa e fulminante, que, sem dúvida,
não é senão um fragmento, talvez grotesco, do sublime. E o
sublime não é outra coisa que não uma imensa paz e quietude,
que silenciosamente se sente. Que leva um ser humano a esta
forma de desequilíbrio? Como sucede que um ser inteligente e
brilhante se desagregue nesta ruptura interna? Nesta queda?
Não é explicável. Mas, certamente, de algum modo, quimicamente
no cérebro alguma coisa se desorganiza - e, quando isso sucede,
a loucura adquire a forma externa da natureza interna do indivíduo.
E, se, no mundo, o amor, a paixão, a poesia, desequilibradamente se confundem,
só podemos ter perdido para sempre a esperança fraterna e solidária e livre.
Se já não podemos confiar nos amantes e nos poetas, confiamos em quem?
Por isso, na esquina que não dobrei, e na rua, frente ao jardim,
que não percorri, sei, seguramente, que um velho sábio aguardava
calma e serenamente para me dizer, sem equívocos,
«Agarra este instante, G., agarra este instante».
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Dormência
Talvez estejamos adormecidos. Talvez tenhamos
deixado de nos questionar. Talvez o encolher de ombros
e a aceitação acritica de quem não encontra alternativa
faça já parte do quotidiano de cada um de nós. Hoje, comprei
robalos - frescos, prateados e brilhantes - são robalos gregos,
a um preço módico e acessível. E, então, lembrei-me do mar que
configura a nossa geografia... talvez já não exista senão nos versos
perdidos dos poetas... talvez que esse mar seja hoje um deserto
e que, em vez de expandir, aprisiona a nossa natureza diária e quotidiana
de gente sem identidade própria nem cultura. Hoje, a economia sobrepõe-se
aos séculos de devir dos povos. Por isso, numa dormência sem voz, almoçarei
os robalos gregos e da janela da minha casa, outrora virada para o mar,
perscrutarei o céu em busca de um navio que navegue silente
em um novo novo mar.
Talvez estejamos adormecidos. Talvez tenhamos
deixado de nos questionar. Talvez o encolher de ombros
e a aceitação acritica de quem não encontra alternativa
faça já parte do quotidiano de cada um de nós. Hoje, comprei
robalos - frescos, prateados e brilhantes - são robalos gregos,
a um preço módico e acessível. E, então, lembrei-me do mar que
configura a nossa geografia... talvez já não exista senão nos versos
perdidos dos poetas... talvez que esse mar seja hoje um deserto
e que, em vez de expandir, aprisiona a nossa natureza diária e quotidiana
de gente sem identidade própria nem cultura. Hoje, a economia sobrepõe-se
aos séculos de devir dos povos. Por isso, numa dormência sem voz, almoçarei
os robalos gregos e da janela da minha casa, outrora virada para o mar,
perscrutarei o céu em busca de um navio que navegue silente
em um novo novo mar.
domingo, 12 de junho de 2011
Palimpsesto
De novo, num outro tempo,
qual movimento de dança,
em finas camadas se escreve
como se aí estivesse a esperança.
Oculta a palavra primeira,
como se um mar devorasse
os sinais, vê-se nova acção
obreira: incerta como tudo mais.
De novo, num outro tempo,
qual movimento de dança,
em finas camadas se escreve
como se aí estivesse a esperança.
Oculta a palavra primeira,
como se um mar devorasse
os sinais, vê-se nova acção
obreira: incerta como tudo mais.
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