quinta-feira, 30 de junho de 2011

Ondeando...


pelo mar, pelo vento, pelo sussurro

ora vivo ora tão suave dos sons que se projectam

pelo espaço da casa. E, sempre súbita, difunde-se,

necessária, a nota de pensamento,

que interrompe as tarefas da rotina do lar e obriga

a uma pausa de meditação. Naturalmente, é a minha telefonia,

velha, partida a antena, e que me foi oferecida

num gesto de solidariedade já há muitos anos atrás. Podia,

evidentemente, hoje, comprar uma outra; mas receio que o

posto emissor se possa dessintonizar

e eu perca, assim, em tempo real, uma nova forma de fazer rádio

que me lembra no continuum todo um tempo, que era tempo,

de existência.

É a FI-FM., ao meu lado, presente na saudável monotonia da repetição

diária de tudo o que hoje, na sociedade, convencionamos

como uma perda de tempo ou uma desvalorização das qualificações humanas.

E, assim, sem ter de pensar sequer,

basta-me empurrar o botão para que a totalidade

do Universo

esteja comigo do lado de dentro de casa.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Coliseu


Começo o dia dançando, talvez por

me lembrar da N. e da R., no palco do Coliseu,

tão gráceis, no colectivo, ao som festivo da música.

Então, não sei como nem porquê, lembro-me da Grécia,

envolta em tumultos, e que dizem à beira da bancarrota...

nem sei o que pensar... talvez seja melhor findar aqui

com a agradável certeza de que para o ano, também,

e de novo, a N. e a R. voltam a abrilhantar o Coliseu.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Olhares


A singularidade mais recente foi ter

acompanhado uma emissão de uma rádio regional

de Estremoz através da internet. Aonde as ondas

hertzianas não alcançam, a tecnologia informática

permite a abrangência. E, assim, ainda que eu estivesse

nos Himalaias, teria, seguramente, escutado as voltas

da conversa no companheiro

da noite...

Se a memória me não falha... na primeira vez que fui

a Estremoz, encontrei no largo do Rossio da praça só as gentes que

dão a voz aos cantos daquela terra e o

meu filho, muito pequeno ainda, terá seguramente colhido uma estrela

que teimosa se atravessava à sua frente.

Foi isto há muitos anos! Tantos que nem sei já

o dia, o mês, a hora.

Haverá ainda gentes, e cantos

e estrelas, em Estremoz? ...


Como a esta questão não há avanço tecnológico que me responda,

talvez que o melhor seja ouvir uma ária clássica de ópera,

Bohemian Rhapsody, e ir coser o botão

que hoje de manhã

se soltou no meu vestido.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Pequenas coisas


O dia descobre-se, na manhã,

agradavelmente húmido e fresco;

apaziguador do intenso calor de ontem.


A vizinha oferece-me feijão verde,

colhido da horta, e, aqui chegado,

vindo de uma terra cujo nome não sei.


O telefone toca.


A esplanada à tarde tem mesas radiosas na sombra.


O prédio regurgita na calma e no silêncio

das árvores enfileiradas para o entardecer.


Que dia perfeito só para contar palavras!

domingo, 26 de junho de 2011

Os Eternos Guardiães


Acredito que há, no mundo, seres

que eternamente velam. São vidas

totalmente apagadas

e desconhecidas

que na palavra mantêm viva a memória

ou que, através da acção, nos abrigam. Comum

é o espírito de sacrifício. Disto falámos, quando há

dois ou três meses atrás, eu e a R., perto da meia noite,

atravessávamos o Jardim Constantino, para o regresso a casa.

E, subitamente, já nem sei por quê, ocorreu-nos o bravo

exemplo dos Samurais de Fukushima, quase notícia de rodapé

dos telejornais. E, embora em tanto discordemos, nisto, eu

e a R., assentámos: é nestas acções de esperança

que corre o movimento do mundo.

sábado, 25 de junho de 2011

Silenciosas pedras


Quando vou sentada, na carruagem do comboio,

observo sempre à minha direita, numa das etapas

do trajecto, o espaço físico

da minha velha Escola. Hoje, do amontoado de

pedras do derrube dos pavilhões antigos, começam-se

a erguer novas estruturas de cimento, de onde saem grossos

fios de ferro, sinalizando o frenético e frio movimento

mecânico das obras da Parque Escolar. Então,curiosamente, penso,

se, de algum modo, eu quisesse recuperar do passado as

memórias, inscritas nas pedras, do meu trajecto profissional,

não encontraria hoje qualquer sinal no espaço físico.

A primeira Escola onde trabalhei foi desmontada e no seu local

foi construído um mercado de feirantes; e a segunda, esta,

reprojectada, derrubada e reconstruída.

E, assim, por entre este silêncio de pedras, faço, agora,

a caminhada em direcção ao «mosteiro dos dois pátios»,

como tão bem o definiu o J., tentando, no diário livro

das horas, libertar todas as palavras.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Verdes anos


A papoila, tão breve

a nascer, viçosa

alegra os campos.


É bela, rubra, espelha

a paixão

dos verdes anos.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Modo de ser


As vozes, que agora escuto

defendendo a saída do euro, serão as mesmas

que há dez anos defendiam a nossa entrada na

moeda única. Podem até não ser as mesmas pessoas

a falar; mas é a mesmíssima atitude que está presente.

Não se pensou, nem se pensa, no sentido de identidade

próprio da nação, nem naquilo que confere a diferenciação

que enriquece o mundo. Pensou-se, e continua-se

a pensar, apenas na dimensão de uma pretensa riqueza económica

(agora, ao contrário, emergente no endividamento e no empobrecimento).

Sem vates nem o rei brumoso, que nunca chegou ainda,

quem, de entre nós, lucidamente

sabe o caminho?

Como está tão longe... o mar!

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Ao redor...


Ao redor de mim, o outro... inevitavelmente o outro,

cada ser. Sempre ao redor, também, a palavra, a escrita,

uma voz. Não a minha, que sei e conheço; mas aquela outra,

de outrem, que nunca poderei saber nem conhecer. Esta é a imóvel

e eterna distância. Ausência e desterro. Longe tão perto

onde nunca estarei...

Vem o parágrafo anterior a propósito de um certo texto

de um certo poeta... era talvez necessário que todo um

país meditasse para que compreendesse.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Horizonte


Traduz a chegada de uma mulher à presidência

da Assembleia da República, em Portugal, uma

substancial e efectiva mudança de paradigma

social em relação à posição das mulheres em geral

na sociedade? Creio que efectivamente não.

As demais, trabalham fora de casa e em casa, cuidam

dos filhos como podem, são mal remuneradas, e

lutam (ou desistem de lutar) por uma partilha

e divisão de tarefas no lar que sempre dificilmente acontece.

Nascer mulher transporta uma marca de dificuldade

acrescida. Serão do passado, aquelas que morreram

com a amargura de lhes terem imposto que saber ler e escrever não era

necessário para quem apenas teria filhos e labutaria

no campo e na casa. Mas, são bem do presente as que, embora tendo

instrução, se vêem subjugadas pela necessidade de serem

o garante de alguma estabilidade e segurança de outros.

E esse sentimento de preocupação e até de sentido de responsabilidade

em relação a outros é uma marca de natureza bem feminina,

que, ao mesmo tempo que inibe, enobrece.

Por isso, evoco a audaz linha do horizonte que pode,

e deve ser, não a linha que marca

um fim, mas a linha que vela um outro horizonte para além.

Por isso, evoco Hipacia: que horizonte imenso não foi subtraído

do seu olhar? Que outro outro horizonte também não verei eu jamais?

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Dolce far nuovo


A geração que nasceu na década de sessenta

é uma geração subitamente marcada pelo arrojo imparável da mudança

constante. Talvez, devêssemos ter suspeitado disso mesmo,

se é que aos seis anos se antevê o sentido de transformação

do mundo, aquando da chegada do homem à lua. Nessa altura,

as televisões eram ainda aparelhos muito pouco sofisticados

e a qualidade de recepção das imagens era muito deficiente.

Ainda assim, olhando para um écran eivado de uma chuva cinzenta

de pontos de geração electrónica, devo ter acreditado que um

tempo novo era acabado de chegar. E isso tem sido sempre confirmado

ao longo da minha vida. Da máquina de escrever e do papel de cetencil

com um estilete, passei para um primitivo computador com Dos,

e avancei para a maravilha do Windows um pouco mais tarde

(muito pouco, por sinal). Há menos de dez anos, aprendi

a desbravar a Internet e o meu filho iniciou-me recentemente no Linux.

Esta é apenas uma categoria de exemplos, porque a mudança, súbita,

intensa e exigente, está presente em tudo à nossa volta.

Do tempo, quando nasci, fica-me o esteio de uma permanência

substantiva e reparadora presente em todas as coisas. O que se aprendia,

diz-me a memória que tenho desse mundo, eram saberes para uma vida.

E o aperfeiçoamento partia de uma base sólida e segura de referência

que era à vista de cada ser humano quase imutável.

A minha geração, contudo, nascida ainda como herdeira de uma lição de passado,

viu-se iniciada num Novo Tempo em que

constantemente a novidade nos assalta e,

na mesma medida, nos desafia a cada passo do percurso do dia.

Por isso, tristemente, já nada me espanta! E digo tristemente, porque

entendo que o espanto deve ser a condição de natureza primeira

de todo o Homem. Perdido, então, o que haverá?

domingo, 19 de junho de 2011

Shanti


No espaço de yoga da A., a sala de aula

convive com as árvores e as flores do quintal

e o canto das aves. Quando se entra, empurrando com

esforço o grande portão de ferro, sabe-se que se vai

aceder a um pequeno oásis plantado ao lado do IC19.

É, então, estranho, talvez, como, paralela à mais

movimentada via de circulação do país, se encontra,

justamente, o espaço da mais profunda paz.

Mas a vida é feita destes paradoxos, subtis ao entendimento.

A estrada, que nos leva ao coração da capital para o difícil trabalho

diário, é a mesma que nos conduz a um recanto onde se encontra

o sossego e a harmonia.

Por isso, em determinados momentos da aula, a A. nos diz para estarmos

atentos aos ruídos exteriores e, noutros momentos, nos diz para

nos abstrairmos desses mesmos ruídos. É desta dinâmica que se

sustenta o equilíbrio da vida e a paz não se alcança se apenas

fugirmos à realidade.

No Outono, há sempre laranjas no quintal da A. que tombam

das árvores e cada uma delas não é senão

um pedaço de Natureza que irrompe, como cada um de nós,

triunfalmente, da dureza do asfalto.

sábado, 18 de junho de 2011

Sossego


Não ser agente do conflito: do dedo apontado

em riste, da voz que se eleva em condenação e em

crítica. Isso é paz. O julgamento e o juízo sobre os outros

não nos compete, quando somos apenas parceiros de jornada.

Ao invés, é o olhar sobre nós que deve ser consciente e agudo.

Por isso, talvez, como pacificação dos últimos dois dias, a oliveira

transplantada da Azinhaga para Lisboa, à sombra da qual repousarão

as cinzas de Saramago, me devolva o sentido da medida das coisas.

Na vida, há uma margem de silêncio que dignifica e que confere

integridade. Em circunstância alguma, pode ser quebrada; ainda que,

ao mantê-la, as circunstâncias nos sejam, aparentemente, adversas.

A esperança de vida da oliveira, roubada à terra, está na força

das suas raízes. Também em cada um de nós a esperança radica na força

das raízes internas no nosso Ser. Se forem fortes, essas raízes, não há

mudança ou intempérie que as ceifem, pois profundamente nos

sustentam. E, assim, num dia de homenagem ao nosso prémio Nobel da Literatura,

no primeiro aniversário da sua morte, recapitulo uma lição de

vida, até nas nossas cinzas deve estar depositada a nossa

coerência.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Frágil


Dá que pensar... no contexto de uma vida activa,

o mérito, a inteligência, a capacidade, não são

necessariamente recompensados. Há outros factores,

de contexto, casuísticos e alienatórios, que em muito

são determinantes. Por isso, é tão frágil a medida

do nosso bem estar e do nosso sucesso sempre.

É a esta fragilidade da vida humana que Camões se refere

tão sintética e extraordinariamente n'Os Lusíadas! De forma

sublime, Camões interroga-se e deixa a interpelação, assinalando

um facto intemporal e universal da existência humana. («Onde pode

acolher-se um fraco humano,/Onde terá segura a curta vida,/Que não se

arme e se indigne o Céu sereno/Contra um bicho da terra tão pequeno?»).

Com que balança dos deuses são os nossos actos pesados?

Que destino, dia-a-dia, em nós se movimenta?

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Movimento de errância


Salvé!, ó grandes gentes do mundo!

Salvé!, ó imensos erros dos homens!

Salvé!, humanidade desperta e adormecida!

Como é doloroso o caminhar e não sair do mesmo lugar!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Doravante um rio


Há momentos em que a falta de confiança

está à espreita em nós para nos sufocar num

desassossego. A leitura dos jornais, as emissões

de televisão, as declarações dos políticos e dos

não-políticos, as conversas, em geral, que mantemos

com aqueles que nos rodeiam, tudo, enfim, contribui

para gerar um sentimento de exaustão. Às vezes, abre-se

uma esperança: uma notícia de que no estrangeiro, lá longe, alguém

não baixa os braços e firma colectivamente uma posição

e mobiliza uma dinâmica empreendedora de um caminho de justiça,

essa notícia recria em mim a possibilidade de que talvez

algo seja possível ser mudado e a sociedade e o homem transformados.

Mas, não é mais do que um fragmento de sonho já quase vazio.

Por isso, não creio mais nos oceanos (onde, de resto, despejamos

os lixos), não creio mais nas imensas águas que criaram

uma só civilização, raça e cultura, não creio nos mares

sem segredos por desvendar. Agora, farei a exaltação do rio:

o rio que liga margem a margem; o rio que se aventura no

serpentear do terreno; o rio que espelha o rosto de cada ser.

E, nessas calmas águas esquecidas, verei os ciclos da vida.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Sete Léguas


Hoje fiquei perplexa: não foi o silêncio da manhã

nas ruas solitárias de Lisboa, às sete horas, no amanhecer;

nem foi a rotina de um trabalho, quase já mecanizado,

que promove o sucesso sem mérito; foi, antes, sim, a

perplexidade face aos mecanismos da mente humana.

Imperscrutável,já o suspeitava, a loucura pode adquirir a forma luminosa

da poesia e até confundir-se com o amor. Talvez, não exactamente,

com o amor, mas com a paixão intensa e fulminante, que, sem dúvida,

não é senão um fragmento, talvez grotesco, do sublime. E o

sublime não é outra coisa que não uma imensa paz e quietude,

que silenciosamente se sente. Que leva um ser humano a esta

forma de desequilíbrio? Como sucede que um ser inteligente e

brilhante se desagregue nesta ruptura interna? Nesta queda?

Não é explicável. Mas, certamente, de algum modo, quimicamente

no cérebro alguma coisa se desorganiza - e, quando isso sucede,

a loucura adquire a forma externa da natureza interna do indivíduo.

E, se, no mundo, o amor, a paixão, a poesia, desequilibradamente se confundem,

só podemos ter perdido para sempre a esperança fraterna e solidária e livre.

Se já não podemos confiar nos amantes e nos poetas, confiamos em quem?

Por isso, na esquina que não dobrei, e na rua, frente ao jardim,

que não percorri, sei, seguramente, que um velho sábio aguardava

calma e serenamente para me dizer, sem equívocos,

«Agarra este instante, G., agarra este instante».

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Dormência


Talvez estejamos adormecidos. Talvez tenhamos

deixado de nos questionar. Talvez o encolher de ombros

e a aceitação acritica de quem não encontra alternativa

faça já parte do quotidiano de cada um de nós. Hoje, comprei

robalos - frescos, prateados e brilhantes - são robalos gregos,

a um preço módico e acessível. E, então, lembrei-me do mar que

configura a nossa geografia... talvez já não exista senão nos versos

perdidos dos poetas... talvez que esse mar seja hoje um deserto

e que, em vez de expandir, aprisiona a nossa natureza diária e quotidiana

de gente sem identidade própria nem cultura. Hoje, a economia sobrepõe-se

aos séculos de devir dos povos. Por isso, numa dormência sem voz, almoçarei

os robalos gregos e da janela da minha casa, outrora virada para o mar,

perscrutarei o céu em busca de um navio que navegue silente

em um novo novo mar.

domingo, 12 de junho de 2011

Palimpsesto


De novo, num outro tempo,

qual movimento de dança,

em finas camadas se escreve

como se aí estivesse a esperança.


Oculta a palavra primeira,

como se um mar devorasse

os sinais, vê-se nova acção

obreira: incerta como tudo mais.