Sete Léguas
Hoje fiquei perplexa: não foi o silêncio da manhã
nas ruas solitárias de Lisboa, às sete horas, no amanhecer;
nem foi a rotina de um trabalho, quase já mecanizado,
que promove o sucesso sem mérito; foi, antes, sim, a
perplexidade face aos mecanismos da mente humana.
Imperscrutável,já o suspeitava, a loucura pode adquirir a forma luminosa
da poesia e até confundir-se com o amor. Talvez, não exactamente,
com o amor, mas com a paixão intensa e fulminante, que, sem dúvida,
não é senão um fragmento, talvez grotesco, do sublime. E o
sublime não é outra coisa que não uma imensa paz e quietude,
que silenciosamente se sente. Que leva um ser humano a esta
forma de desequilíbrio? Como sucede que um ser inteligente e
brilhante se desagregue nesta ruptura interna? Nesta queda?
Não é explicável. Mas, certamente, de algum modo, quimicamente
no cérebro alguma coisa se desorganiza - e, quando isso sucede,
a loucura adquire a forma externa da natureza interna do indivíduo.
E, se, no mundo, o amor, a paixão, a poesia, desequilibradamente se confundem,
só podemos ter perdido para sempre a esperança fraterna e solidária e livre.
Se já não podemos confiar nos amantes e nos poetas, confiamos em quem?
Por isso, na esquina que não dobrei, e na rua, frente ao jardim,
que não percorri, sei, seguramente, que um velho sábio aguardava
calma e serenamente para me dizer, sem equívocos,
«Agarra este instante, G., agarra este instante».
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