Aroma de café
Vivemos tempos em que a imprevisibilidade
é a nota dominante do nosso quotidiano. Como
será a situação social, económica ou política
daqui a um ano, daqui a seis meses, na próxima
semana? Não se sabe. E, no entanto, a maioria de nós
vive absorta a esta fragilidade absoluta do dia-a-dia.
Exemplo disso está patente numa ida
a uma loja de venda de cápsulas de café da Nespresso:
o cerimonial de circunstância no atendimento a cada
cliente, por parte dos colaboradores da loja, faz-nos
pensar que atingimos os picos extraordinários
de algum estatuto social ou humano,
traduzível numa afectação de cortesia
em que tudo é representação. E é desse mesmo teatro que se alimenta,
na vida, a crise económica e política, as estruturas de poder, e até as
relações humanas. Tudo é raro, extraordinário e imprevisível,
mas continuamo-nos a comportar como actores em palco,
representando um certo, mesmo frágil, papel, numa
opereta em que, como os colaboradores da Nespresso,
não nos rimos e como que levamos a sério
o cerimonial de afectação. Tudo é de plástico, neste
momento. Na próxima ida à loja da Nespresso,
irei exigir a reutilização do saco e não a sua reciclagem.
Talvez, aí, então, perante um facto inusitado,
eu chegue à fala com um outro ser humano.
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